A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) requereu ao Estado do Haiti que adote, de maneira urgente, ações que garantam os direitos à saúde, à integridade pessoal e à vida de uma mulher haitiana submetida a uma série de violências de gênero em seu país de origem.
A resolução da Corte IDH foi divulgada no início do mês, depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitou a aplicação de medidas provisórias em favor de Lovely Lamour, de 19 anos.
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As chamadas medidas provisórias, ou cautelares, são emitidas pela Corte IDH em casos de extrema gravidade e urgência para evitar danos irreparáveis às pessoas. São obrigatórias para os Estados, e as decisões nelas contidas exigem que os Estados adotem ações específicas para salvaguardar os direitos e proteger as vidas de pessoas em risco.
Lovely Lamour foi detida de maneira preventiva em setembro de 2022. Tinha 17 anos e quatro meses de gravidez à época. Em dezembro do mesmo ano, o Tribunal de Primeira Instância de Porto Príncipe a condenou a um ano e três meses de prisão pelo delito de lesão corporal grave, na contramão de uma norma interna que previa a suspensão de execução de sentença em casos de mulheres com sete meses ou mais de gestação.
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Apesar disso, Lamour ficou reclusa junto a adultos e homens em um local sem espaços adaptados às suas necessidades e não recebeu atenção médica adequada a uma gestante. Em janeiro de 2023, ela relatou às autoridades sintomas que indicavam problemas de saúde, mas não foi atendida. Só no mês seguinte, após uma denúncia, foi levada a um hospital, onde seu filho nasceu.
Logo após o parto, Lamour foi separada da criança e levada de volta à prisão, sem receber atenção médica nem psicológica. Apesar do apelo de organizações de direitos humanos, ela não foi transferida com o bebê a um centro de detenção de mulheres, onde pudesse amamentar e ficar com a criança. O bebê morreu um mês após o nascimento e foi enterrado como “indigente”, sem que Lamour nunca tivesse sido informada oficialmente do ocorrido.
Ela foi libertada em outubro de 2023, já com um estado de saúde físico e mental debilitado. Segundo informações obtidas pela CIDH, Lamour deixou a casa da família e passou a dormir em um armazém de mercadorias. Ali, teria sido exposta a reiteradas agressões físicas depois de se recusar a ter relações sexuais com jovens que também vivem no local.
Além disso, informou a Comissão, é alvo de ameaças de parentes da pessoa que foi vítima das agressões que levaram à condenação de Lamour por lesão corporal grave no ano passado. Não se sabe se essas ameaças são de conhecimento das autoridades governamentais.
A Comissão fez uma solicitação anterior de medidas provisórias sobre o caso, em agosto de 2023. Mas considera que o Estado do Haiti não adotou nenhuma medida efetiva desde então. Tampouco respondeu às solicitações de informações por parte da CIDH nem participou de uma reunião de trabalho convocada para fevereiro deste ano, apesar de ser Estado parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos desde setembro de 1977, e, de acordo com o documento, ter reconhecido a competência da Corte.
Agravamento de violações no Haiti
Lamour encontra-se hoje em situação de rua, sem alimentação adequada, documentos nem condições financeiras de seguir tratamento médico. Considerando que sua situação se agravou, a CIDH fez uma nova solicitação à Corte IDH sobre o caso.
Para a Comissão, a situação se insere no contexto atual de graves violações aos direitos humanos no Haiti e que tem sido objeto de análise permanente por parte da CIDH, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de outros órgãos de direitos humanos.
Na solicitação da CIDH, a Comissão se refere a um relatório publicado em janeiro de 2003 que destaca o agravamento da insegurança social e da instabilidade democrática no território haitiano. Enfatizou, ainda, a multiplicação de conflitos entre grupos armados rivais e o impacto dessa violência em especial em mulheres, adolescentes e crianças.
A violência e as guerras entre grupos tiraram de suas casas mais de 300 mil pessoas e provocaram o aumento da violência sexual e de outras formas de violência de gênero que afetam cada vez mais a vida de mulheres, jovens e meninas no país.
Para a Comissão, essa crise afetou diretamente a saúde reprodutiva e materna de mulheres grávidas. Quanto à situação das mulheres privadas de liberdade, destacou que mulheres grávidas, puérperas e lactantes detidas enfrentam a escassez de programas e espaços adequados, cuidados de saúde precários, nutrição inadequada e uso de meios de coerção.
Ao levar o caso à Corte IDH, a Comissão teve em conta os vários fatores de vulnerabilidade de Lamour e a multiplicidade de fontes de risco, em particular a idade, a condição pós-parto, o fato de ter sido privada de liberdade em condições de superlotação junto com adultos e homens, sem receber atendimento médico e psicológico especializado, além do fato de que ela não esteve com o filho após o nascimento e que ele morreu um mês após o nascimento sem que a jovem pudesse ter tido contato com ele ou participar do enterro.
A Convenção Americana dispõe que, em casos de extrema gravidade como os de Lamour, a Corte pode, em assuntos que ainda não tenham sido submetidos a seu conhecimento, e por solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ordenar medidas cautelares que considere pertinentes.
Em casos de Direito Internacional dos direitos humanos, as medidas provisórias não só têm um caráter cautelar, no sentido de preservar uma situação jurídica, como tutelar, ao proteger direitos humanos e evitar danos irreparáveis, sendo uma garantia jurisdicional de caráter preventivo.
No caso de Lamour, com base na solicitação da CIDH, a Corte IDH constatou que, desde que foram outorgadas as medidas cautelares a pedido da Comissão no ano passado, a situação da jovem mudou em relação à privação de liberdade, uma vez que ela foi liberada em agosto de 2023.
Persiste, porém, a falta de atenção médica e psicológica, que afeta a integridade e saúde de Lamour. Sintomas médicos indicam uma possível infecção ginecológica não tratada, e a jovem apresenta sintomas de outra ordem, como palpitações e asma, além de uma saúde mental debilitada.
A Corte entendeu, assim, que o caso de Lamour atende os requisitos de gravidade, urgência e possibilidade de danos irreparáveis previstos na solicitação de medidas cautelares.
Na resolução publicada no início do mês, além de exigir medidas urgentes para a atenção médica e psicológica de Lamour, o Tribunal requere ao Estado haitiano que informe no máximo até o dia 5 de agosto sobre as ações adotadas a favor da jovem. Além disso, deve continuar informando a Corte a cada três meses sobre as medidas cautelares aplicadas.
Representantes de Lamour e da Comissão Interamericana, por sua vez, devem apresentar novas observações à Corte sobre o caso até o início de agosto.
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