No final da década de 1950, a Venezuela vivia
um processo de redemocratização após a queda do ditador Marcos
Pérez Jiménez. O novo presidente Rômulo Betencourt
propôs a reformulação das duas principais empresas aéreas do país:
a Línea Aeropostal Venezuela – LAV, estatal e que
tinha suas origens na Aeropostale francesa e
realizava voos internacionais para Estados Unidos e Europa; e a
AVENSA, controlada pela família Boulton e pela
Pan American World Airways, e concentrada em voos
no Caribe e sul dos Estados Unidos.
A LAV vinha de um período de seguidos acidentes fatais e que
resultaram em pesadas dívidas e o novo presidente venezuelano
queria racionalizar os serviços das duas empresas no mercado
internacional. Assim surgia em 21 de novembro de 1960 a
Venezoelana Internacional de Aviación S.A, ou
simplesmente VIASA. A constituição da empresa era
55% da LAV e 45% da AVENSA. Formalmente lançada em novembro de
1960, a VIASA recebeu os DC-6B da AVENSA e a
encomenda dela para dois Convair 880.

Convair 880 foi o primeiro jato da VIASA (Jon
Proctor).
Uma década de crescimento
Desde o início de sua formação, a VIASA contou com diretores
provenientes do setor privado e funcionários oriundos da AVENSA e
LAV. Oscar Augusto Machado Zuloaga foi escolhido chairman e R. van
den Branden presidente da empresa.
A empresa fechou acordo operacional com a KLM,
um dos casos mais bem sucedidos de parcerias na aviação. A KLM
ofereceria apoio técnico, treinamento e
compartilharia rotas, frequências e aeronaves.
Fruto disso, os primeiros voos da VIASA para Europa foram com os
DC-8 da KLM enquanto não recebiam os seus. Os
Convair 880 ficaram nas rotas para Nova York, América do Sul e
Caribe. Ambas aeronaves possuíam pintura de cada empresa em um
lado.
Enquanto a KLM provinha apoio para a VIASA nos voos europeus, a
empresa venezuelana operava os voos para o Caribe e América do
Sul.


lado esquerdo a logomarca da KLM no estabilizador foi substituída
pela da VIASA (Divulgação).
Com os resultados positivos, a VIASA passou a expandir seus
negócios. Em 1967 fundou a Panameña Internacional de Aviación SA
(PAISA), com McDonnell Douglas DC-9-15. No ano
seguinte, a Transportes Aéreos de Carga
(Transcarga) para serviços cargueiros, assumindo
as operações da LEBCA.
Em dezembro de 1968, a empresa recebeu o
DC-8-63 YV-C-CIA, depois rematriculado YV-125C, na
época a maior aeronave do mundo. Com 160 assentos, o “El
Coloso”, como foi batizado, estreou na rota Caracas-Nova
York em 1º de janeiro de 1969.


DC-8-63 “El Coloso” é visto aqui em Miami. Era a maior aeronave
comercial do mundo antes da chegada do Boeing 747
(Divulgação).
Ao completar 10 anos de sua constituição, a VIASA empatava com a
Aerolíneas Argentinas pelo segundo lugar entre as
companhias aéreas da América do Sul com mais destinos
internacionais, atrás apenas da VARIG. Voava para
20 destinos nos Estados Unidos, Europa, Caribe, América do Sul e
naquele ano inaugurou serviços para Beirute, sendo a terceira
empresa sul-americana além da Panair do Brasil e
VARIG a voar para o Oriente Médio.
Uma década grandiosa
Os frutos da parceria entre KLM e VIASA eram profícuos. Graças
ao acordo, a VIASA foi a primeira empresa
latino-americana a operar o Boeing 747,
com o PH-BUG da KLM. O avião tinha a pintura do lado esquerdo da
transportadora holandesa e do lado direito da VIASA, com tripulação
fornecida por esta.
No dia 1º de abril de 1972, o Orinoco, como foi
batizado o avião pela KLM, em homenagem ao maior rio venezuelano,
inaugurou os serviços entre Caracas e Amsterdã, via Madri e Paris
Orly. No mesmo mês, ela comprou dois DC-10-30
encomendados pela KLM. O primeiro deles, ainda com matrícula
holandesa PH-DTG, chegou na empresa no dia três de abril de
1974, dois meses antes da VARIG receber o mesmo
modelo.


DC-10 foi a principal aeronave da VIASA de 1974 até o final das
operações (Udo Haafker).
O Choque do Petróleo de 1973 beneficiou a Venezuela, uma das
maiores produtoras do “ouro negro” do mundo. O presidente eleito
Carlos Andrés Pérez começou a política de
nacionalização de empresas e a VIASA foi uma delas, por meio da
compra de 20% das ações da AVENSA pela Aeropostal, chegando a
75% das ações em mãos do Estado.
O efeito do Choque do Petróleo foi que os padrões de vida dos
venezuelanos melhoraram significativamente a ponto de terem um dos
melhores padrões de vida da América Latina nas
décadas de 1970 e 1980, ao ponto de serem a quinta nação
estrangeira que mais visitava os Estados Unidos e o país apelidado
de Venezuela Saudita.
Isso era refletido no mapa da VIASA em 1980: eram 27
destinos internacionais, sendo oito na Europa, atendidos
por seis DC-10-30, três DC-8-53, um DC-8-61F, dois DC-8-63 e um
DC-8-63CF. Como referência, a VARIG-Cruzeiro operava 34 destinos
internacionais, Aerolíneas Argentinas e Avianca
com aproximadamente 24 cada. E, com exceção de 1979, quando a
Federal Aviation Administration (FAA) determinou a
paralisação de todos os DC-10 após o acidente da
American Airlines, a VIASA teve lucro em todos os
anos desde que foi fundada.


e o serviço de bordo era reconhecido mundialmente.
Tempos turbulentos
Se o petróleo foi a benção para a VIASA e a economia venezuelana
nos anos 1970, a década seguinte foi o oposto. Com
os preços em queda e a crescente dependência do orçamento
venezuelano das receitas provenientes do petróleo, o país entrou em
crise econômica, afetando duramente a VIASA, que obtinha 100% das
receitas através dos voos internacionais.
A parceria com a KLM continuava vigente e possibilitou o
recebimento de dois MD-82 em 1982 para voos
caribenhos em parceria com a empresa holandesa. Para reforço das
rotas internacionais, o Boeing 747-200C N749WA foi
arrendado da World Airways e seria o único a
ostentar a pintura da empresa nos dois lados da aeronave.


Entre 1983 e 1984, a VIASA teve redução de 41% no número de
passageiros. A empresa, agora 100% estatal, era instrumento das
políticas fisiológicas do governo, como a concessão
gratuita de passagens para membros do governo e
funcionários públicos. Este número de concessões chegava a cerca de
5.000 por mês.
O novo presidente da empresa, Luís Ignacio
Mendoza, tomou medidas draconianas: cortou as regalias das
passagens gratuitas, cancelou diversas rotas, reduziu em 42% o
número de voos e vendeu os DC-8-63 e um DC-10-30, com a frota
restrita apenas a cinco DC-10-30 e o mais doloroso: a demissão de
30% dos 3.600 funcionários.
Os resultados começaram a surgir a partir de 1986, com lucro nas
operações. A proporção de passageiros estrangeiros passou de 30%
para 50% e os DC-10 atingiram a utilização de 12 horas diárias.
Para as rotas de médio alcance, dois Airbus
A300B4-200 ex-Lufthansa foram arrendados.


beleza natural para promover seus voos. Como parte do programa de
reestruturação no anos de 1980, foi promovida a divulgação do
Caribe venezuelano no exterior. (Divulgação).
Uma conquista importante foi ser autorizada a vender voos
domésticos. Pode parecer absurdo um país proibir empresas aéreas
deoperar voos domésticos, mas até a década de 1980 era
relativamente comum empresas de bandeira, as flag
carriers, não voarem rotas domésticas, pois era uma recompensa
por não permitir que empresas domésticas – normalmente privadas, de
voar para o exterior.
A VIASA começou a vender seus trechos domésticos dos voos
internacionais que saíam de Caracas e faziam escalas em Maracaibo
ou Porlamar. Por outro lado, as concorrentes AVENSA e Aeropostal –
paradoxalmente estatal como a VIASA, passaram a voar para destinos
no exterior, principalmente Estados Unidos.
Privatização desastrosa
Em 1989, Carlos Andrés Pérez retornou à presidência da
Venezuela, mas o cenário de bonança encontrado 15 anos antes havia
mudado significativamente. O país não se adaptou à queda do
petróleo na década de 1980, com aumento da dívida externa, inflação
e outras mazelas típicas das nações sul-americanas naquela
década.
Como a maioria dos países da época, a Venezuela teve que passar
o chapéu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para manter a
liquidez das suas contas. Influenciado pelo Consenso de
Washington, o FMI concordou emprestar dinheiro à Venezuela
desde que adotasse medidas de austeridade econômica e a
privatização das estatais, entre os quais a VIASA.
A VIASA estava novamente em situação ruim. A crise econômica e a
concorrência com as nacionais e estrangeiras nas rotas para os
Estados Unidos afetaram a lucratividade da empresa. Em 1990
registrou faturamento de US$ 279 milhões e prejuízo de US$ 43,5
milhões. Mesmo assim, a empresa tinha pretensões de operar com dois
novíssimos McDonnell Douglas MD-11.
O governo de Pérez estipulou as regras da privatização da VIASA:
venda de 60% da empresa, com os 40% divididos igualmente entre o
governo e os funcionários. Os participantes estrangeiros deveriam
ter receitas superiores a US$ 1 bilhão e sócios locais com
faturamento de US$ 330 milhões.


moradores sem-teto (Johnny Gomes).
Os finalistas para a compra da empresa foram um consórcio
liderado pela KLM e que tinha a Northwest Airlines
e outro formado pela Iberia e o Banco Provincial.
A KLM saiu da disputa ao afirma que o valor exigido pela empresa
era muito alto. Nos bastidores havia um certo favorecimento à
empresa espanhola por causa dos laços de amizades entre Pérez e
Felipe González. Em 10 de agosto de 1991, 60% da VIASA foi vendida
para o consórcio capitaneado pela Iberia por US$ 145 milhões,
superior aos US$ 81 milhões da KLM. Na prática era uma estatal
sendo vendida para a outra.
Uma das primeiras ações foi devolver os A300 e trazer os
Boeing 727-200 da Iberia para a VIASA, que
competiria nas rotas para os Estados Unidos com empresas que usavam
aeronaves mais novas, como o Airbus A300, Boeing
737-300 e o Boeing 757-200. Os DC-10
passaram a ser propriedade da empresa espanhola e as decisões sendo
tomadas em Madri. A Aerolíneas Argentinas, outra empresa adquirida
pela Iberia, também tinha o mesmo mal.
A Iberia em si mesma enfrentava problemas financeiros e a VIASA
foi dilapidada em prol da recuperação da matriz. A falta de
uma gestão eficiente da Iberia; a rede europeia com muitos
destinos e poucas frequências, resultando
em bases com pesado custo fixo; conflitos com funcionários,
sindicatos e governo; e finalmente a instabilidade econômica da
Venezuela fizeram a VIASA afundar ainda mais e em 1996 a empresa
teve prejuízo de US$ 18 milhões enquanto transportou 937.000
passageiros, 38.500 a menos que em 1995. Para agravar, uma greve de
funcionários em junho de 1996 causou o cancelamento de 500
voos.
Para reestruturar a empresa, a Iberia propôs o aporte de US$ 25
milhões e o Fondo de inversones de Venezuela
(FIV), donos dos 40% da empresa, outros US$ 23 milhões. Além disso,
a VIASA quitaria parcialmente uma dívida com a Iberia de US$ 150
milhões com o repasse dos DC-10. Em troca, a empresa iria realizar
reduzir os salários em 30%, a demissão de 94 pilotos, 140
comissários e 146 funcionários de terra, e os pilotos deixariam de
ter os aumentos salariais indexados à inflação e o recebimento da
metade dos salários em dólares.


meses antes do fechamento (Michel Gilliand).
Os pilotos rejeitaram a proposta e o governo venezuelano
assinalou que não iria fazer aportes e acusou a Iberia de má gestão
e corrupção, chegando ao ápice em 22 de janeiro de 1997, ao
prender dois executivos da VIASA com ligações com
a empresa espanhola momentos antes de embarcarem para a Europa. No
dia seguinte, a Iberia anunciou o cancelamento de todos os voos da
VIASA, afetando 1.500 passageiros.
No momento da paralisação, a VIASA tinha cinco DC-10 e cinco
727-200. A Iberia e o governo venezuelano ficaram discutindo quem
daria a pá-de-cal no fechamento da empresa, já que ambos não
queriam ser vistos como os responsáveis.
Diversas propostas foram apresentadas para recuperar a VIASA,
uma delas da VASP, que vivia uma fase de expansão
internacional. A proposta da empresa paulista era ter 49% da nova
VIASA, com 51% com investidores venezuelanos. Ambos investiriam US$
100 milhões, com mais US$ 40 milhões para comprar ativos, incluindo
um DC-10 e 727. Por estar na Categoria 2 da FAA, os voos para os
Estados Unidos seriam realizados com aeronaves da VASP. Entretanto,
os planos não foram para a frente.
A falência da VIASA foi a soma de fatores como a má gestão da
Iberia, a inflexibilidade dos funcionários em fazer concessões, a
burocracia venezuelana e a crise que o próprio país atravessava. O
buraco deixado pela VIASA nunca foi preenchido, com suas rotas
sendo realocadas para Aeropostal e a AVENSA, mas ambas não
conseguiram sustentar os voos por muito tempo e as estrangeiras
dominaram o mercado venezuelano, que por muitos anos foi um dos
mais lucrativos da América Latina.


Conviasa foi um dos principais clientes da Embraer na América
Latina (Maor X).
A tentativa mais próxima foi a criação da
CONVIASA – Consorcio Venezolano de Industrias
Aeronáuticas y Servicios Aéreos, pelo presidente Hugo Chávez, com
proposta de resgatar os tempos gloriosos da VIASA, mas na prática
ela opera até hoje sob interesses governamentais. Uma situação bem
longe da época que a empresa se apresentava como
Prestígio de Venezuela en el mundo.
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