Uruguai analisa ideia de flexibilizar o Mercosul – 08/04/2025 – Mercado

Nem sim, nem não. O Uruguai ainda não tem uma posição diante da demanda da Argentina de Javier Milei para que se flexibilize o Mercosul para acordos comerciais, diz à reportagem Valeria Csukasi, a vice-chanceler do governo de Yamandú Orsi (Frente Ampla), respeitada diplomata de carreira com ampla experiência no Mercosul.

Nesta semana, a convite do governo Milei, os chanceleres do bloco se reúnem em Buenos Aires. Como a reportagem detalhou, a negativa americana de fazer um acordo de livre-comércio fez Milei recalibrar o discurso e passar a pedir abertura para acordos comerciais mais gerais.

Csukasi diz que Montevidéu quer priorizar que os acordos se façam em bloco, mas que uma agenda interna difícil de avançar pode levar à necessidade de flexibilização. De qual tipo? Essa é uma outra história.

O Brasil tem sido chamado a conversas pelos argentinos para tratar do tema e também tenta entender as linhas da nova proposta. Antes, quando os termos da negociação eram a abertura para acordos de livre-comércio bilaterais, a diplomacia brasileira era taxativa no “não”.

A diplomata que liderou em seu país a primeira versão do tratado de livre-comércio com a União Europeia diz que um acordo bilateral com a China, assunto defendido pela gestão anterior de Luis Lacalle Pou e que tanto desgaste gerou com o Brasil, nunca foi uma possibilidade concreta. Mas que o Uruguai quer conquistar os mercados da Ásia.

Ela é a número 2 do chanceler Mario Lubetkin e é a figura com mais experiência na cúpula do ministério (Lubetkin é jornalista e foi representante da FAO, braço da ONU para alimentação e agricultura, na América Latina). Ela vê a necessidade de a região se integrar melhor, mas descarta que haja necessidade de fazer uma frente anti-Trump.

Na última reunião do Mercosul, o governo argentino propôs que “se flexibilizem os acordos comerciais preferenciais de acesso a mercados”, uma linguagem um pouco mais sutil e ampla do que quando propunham especificamente que se flexibilizassem os acordos de livre comércio. Qual é a posição do Uruguai?

Esta é a terceira proposta apresentada pela Argentina. Os enfoques têm mudado, e este último é um tanto mais complexo de entender.

Para não tentar adivinhar o que a Argentina está buscando, um dos principais objetivos da reunião informal de chanceleres na sexta-feira é entender melhor o conteúdo dessa proposta, se está pensada, como em algum momento se disse, para a relação com os Estados Unidos, ou se é algo mais amplo.

Então, não é um não definitivo, certo? O governo poderia estar de acordo com alguma flexibilização?

Desde que existe a ideia de negociação em bloco, o Uruguai sempre buscou mecanismos de flexibilização. Às vezes vamos ao extremo de negociar sozinhos com um país, mas entre isso e a negociação conjunta há mil alternativas. O que está faltando é ser sincero e também entender o que queremos e podemos fazer como bloco.

Se a agenda de relacionamento externo funciona e se estamos negociando em conjunto entre os quatro países do bloco, é muito melhor negociar entre quatro, nos fortalece.

Agora, se a agenda de negociação está travada, não avança, se estamos sempre enroscados nos mesmos temas e não conseguimos incorporar novas negociações comercialmente relevantes, aí temos que encontrar mecanismos para que, se os quatro não podemos avançar, os que podem o façam.

Isso não adianta o que vai acontecer. Se entendermos que a agenda de negociações do Mercosul coincide e que os quatro países estamos dispostos a negociar com os mercados mais relevantes, o Uruguai vai continuar privilegiando essa negociação em bloco. Não tenho certeza de que precisamos flexibilizar.

Antes das eleições, Álvaro Padrón, que era assessor de temas internacionais da campanha do hoje presidente Yamandú Orsi, nos disse que um governo da Frente Ampla iria frear a ideia de um acordo com a China fora do Mercosul. Como está esse tema?

É que não há nada para frear porque não há nada. Durante muitos anos se falou de um acordo com a China, que continua sendo uma ideia boa em princípio. Mas ficou claro, depois do que pudemos revisar pós terminar o processo de transição de governo, que, embora tenha havido todo um processo de discussão, nunca esteve realmente presente a possibilidade de um acordo bilateral.

Acredito que a China tem sido muito generosa com o Uruguai e manteve a agenda aberta, mas sempre insistiu que não quer um problema com o Mercosul. Houve uma tentativa de gerar uma expectativa com algo que não estava muito presente.

Houve conversas com o Brasil sobre as tentativas do Uruguai de ingressar no Acordo Transpacífico [composto por países como Chile, Austrália, Canadá, México, Japão, Nova Zelândia e Vietnã]?

Não falamos sobre o tema porque, novamente, para poder apresentar esse tema aos parceiros do bloco, primeiro precisamos ter sinais extremamente claros de que o Uruguai ingressa no Transpacífico, o que hoje não estamos tendo. Não gostaríamos de cair no mesmo erro feito com a China e gerar todo um debate no Mercosul.

Mas o que você acha que falta ou impede que existam os sinais? O Brasil tem a ver com isso?

Não, não sinto de forma alguma que tenha a ver com o Mercosul, isso praticamente não nos foi mencionado. Nos foram mencionados dois tipos de argumentos: um que se refere a que os países do acordo hoje em dia deveriam privilegiar a relação entre os que já são parte do acordo, e outro que tem a ver com que alguns países que têm concorrência direta com as exportações do Uruguai em mercados, sobretudo no Sudeste Asiático, estão mais interessados em que ingressem primeiro países que são mercados para seus produtos, não países que são concorrência para suas exportações.

Continuamos monitorando permanentemente, estamos tendo por semana uma ou duas reuniões com diferentes países do acordo para entender um pouco como as coisas evoluem internamente.

A sra. foi a responsável pela negociação no Uruguai da primeira versão do tratado de livre-comércio com a União Europeia e o Mercosul. Acha que realmente é possível que o acordo seja acelerado após as medidas do governo Trump nos Estados Unidos?

Acredito que o interesse na Europa já existia antes das medidas de Trump, talvez o que possa acontecer com as decisões que tomam nos EUA é mudar ou modificar um pouco a posição de alguns países que na Europa não estavam totalmente convencidos.

Mas quais etapas faltam?

O que nós aspiraríamos como visão otimista, que eu sei que talvez para muita gente seja “nossa, mas isso é muito lento ou muito longo”, é que de agora até o final do ano a Comissão Europeia coloque o acordo em sua versão atual no Conselho Europeu; o Conselho Europeu delibere e dê a aprovação majoritária ou por consenso (tomara), para que se possa proceder à assinatura deste acordo. Isso depois habilitaria, no próximo ano, o ingresso nos parlamentos tanto do Mercosul quanto da UE para sua consideração.

A sra. esteve no Brasil já na semana passada, quais são as prioridades na relação bilateral com o Brasil?

A relação com o Brasil está em uma boa sintonia, o que temos que fazer é pressionar para que avancem alguns temas que estão na agenda, mas que ainda não se resolvem. Têm muito a ver com infraestrutura, com a agenda fronteiriça.

Queremos gerar reuniões dos comitês fronteiriços entre Uruguai e Brasil no segundo semestre do ano para avançar em interconexão elétrica, interconexão da hidrovia no caso da Lagoa Mirim, no Aeroporto Binacional em Rivera. A verdade é que é uma agenda muito mais voltada para a realidade muito concreta e que tem o potencial de mudar as vidas da região.

Parece-me que podemos dizer que agora o enfoque do Uruguai em relações externas é alcançar os mercados da Ásia. É isso?

É isso, sem dúvida, melhorar o acesso na Ásia.

E quais são os planos?

Dois planos diferente. No puramente comercial, estamos começando a criar uma espécie de matriz país-produto. Ou seja, identificar quais produtos estão tendo dificuldades para acessar a quais mercados, determinar quais são os mercados prioritários.

E, uma vez identificado isso, estamos começando a analisar as barreiras que temos no mercado, porque estão as tarifárias, que às vezes são um pouco mais difíceis de resolver sem um acordo de livre-comércio, mas depois estão todas as barreiras sanitárias e está toda a parte da promoção comercial e o fazer com que os consumidores desses mercados conheçam o Uruguai.

A sra. acha que os países da América Latina já compreenderam como podem se organizar frente ao governo Trump? Ou seja, como avalia as ações que têm até agora? E mais do que isso, pergunto se é possível uma coerência dos países, quando temos na região países importantes com governos muito simpáticos ao governo Trump, e aqui menciono Javier Milei na Argentina.

Não ouvi nenhum país da América Latina ou do Caribe que tenha sequer cogitado a possibilidade de reagir em conjunto frente às medidas que os Estados Unidos tomam em matéria tarifária e, honestamente, não acho que seja necessário. O que devemos a nós mesmos como região é encontrar uma agenda positiva que nos una, que nos aproxime em temas muito concretos. A Celac não tem que ser uma plataforma para enfrentar, mas uma plataforma de integração na região e a forma de gerar integração e a história nos ensina é encontrar temas que unem e não temas que separam.

Pouco antes de terminar o governo do presidente Lacalle Pou, o Uruguai deixou de financiar o Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos do Mercosul, assim como Argentina e Paraguai. Era uma proposta da Argentina, que está inclusive tentando tirar o IPPDH de Buenos Aires. Isso mudou agora com o novo governo?

Sem dúvida. Para o Uruguai, manter o trabalho no IPPDH é uma prioridade fundamental.

No ano passado, na discussão, acordou-se que Argentina, Paraguai e Uruguai não fariam novos pagamentos enquanto se entendia que o IPPDH poderia funcionar com o que tinha disponível em caixa. Mas, pelo que nos explicou sua diretora-executiva [a brasileira Andressa Caldas], não é o caso. Ela nos explicou que estão em uma situação bastante comprometida para poder continuar funcionando.

Assim, estamos avaliando do Uruguai como podemos ajudar, talvez através de uma contribuição voluntária ou com ajuda de alguns países amigos, para ver se podemos conseguir uma entrada de fundos. Para o Uruguai, não existe a opção de eliminar o IPPDH ou qualquer outro instituto do Mercosul. Todos para nós têm um motivo de ser, têm uma contribuição valiosíssima para a integração regional.


Raio-X | Valeria Csukasi

Atual vice-chanceler do Uruguai, foi, entre outras coisas, embaixadora na Malásia, diretora de Ásia, África e Oceania e diretora de Mercosul. É mestre em gênero e políticas públicas pela Flacso.

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