Portugal deu um passo histórico na defesa dos direitos das crianças ao promulgar a lei que proíbe o casamento antes dos 18 anos. Até agora, a idade mínima para se casar estava nos 16 anos, com autorização dos pais.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, aplaudiu a conquista, sublinhando que a prática do casamento infantil é uma violação dos direitos humanos e uma forma de violência de género que afeta principalmente as meninas.
Momento histórico
“Este é um momento histórico, é uma conquista histórica para todos nós que defendemos os direitos da criança”, afirmou Francisca Magano, diretora de Programas e Políticas de Infância no Unicef Portugal.
Apesar de ser um fenómeno pouco visível para grande parte da sociedade, o casamento infantil ainda ocorria no país, muitas vezes dentro de uniões informais. Estes matrimônios são frequentemente impulsionados pelos próprios pais e perpetuando ciclos de pobreza e desigualdade.
Casar aos 10 anos
Um estudo conduzido pelo Unicef Portugal e outras organizações identificou 836 casamentos infantis e forçados em Portugal entre 2015 e 2023. Em 126 desses casos, as crianças tinham entre 10 e 14 anos.
“Nós estamos a falar de raparigas que, neste preciso momento, estão em uniões informais com homens mais velhos, que abandonaram a escola, que já foi prometida à nascença ou nos primeiros anos e portanto não tiveram escolha”, lamentou a especialista do Unicef Portugal.
Pais são os impulsionadores
Os dados do estudo mostram também que “os pais foram os principais impulsionadores desta união”.
Os motivos que levam à concretização do casamento incluem a pertença a um determinado grupo étnico, cultural, religioso, bem como normas sociais restritivas que determinam que a mulher deve casar-se cedo.
Além disso, há casos em que o casamento é imposto para controlar comportamentos sexuais ou como resposta ao desejo de independência e autonomia. Outro fator relevante é a garantia de que a propriedade e a riqueza permaneçam dentro da família.
Manter a riqueza na família
“A evidência tem demonstrado que em vários países essa é uma razão para alguns matrimónios acontecerem – a riqueza ficar em determinados agregados familiares e, de facto, o casamento, neste caso de crianças, é uma violação diretamente”, explica Francisca Magano.
A nova legislação também altera a Lei de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens em Perigo, passando a considerar o casamento infantil como uma situação de risco. O Unicef explica que as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens terão agora instrumentos para intervir mais eficazmente, de forma a prevenir e combater esta prática.
Portugal alinha-se com padrões internacionais
Com esta mudança, Portugal junta-se a um conjunto crescente de países, como Noruega e Reino Unido, que já proibiram o casamento antes dos 18 anos. Esta decisão está em conformidade com as diretrizes das Nações Unidas e da União Europeia, que consideram o casamento infantil uma prática prejudicial ao desenvolvimento infantil e juvenil.
Em todos os Estados-Membros da União Europeia, a idade legal para o casamento é de 18 anos. No entanto, muitas legislações nacionais permitem exceções, autorizando o casamento antes da maioridade mediante consentimento parental, decisão judicial ou administrativa.
A prática do casamento infantil tem sido combatida em nível global, especialmente em países onde a pobreza e normas culturais perpetuam esta realidade.
Francisca Magano afirma, no entanto, que Angola e Moçambique, têm vindo a implementar medidas semelhantes para erradicar este fenómeno.
Impacto no futuro dos jovens
O casamento infantil é frequentemente associado a uma série de consequências negativas para as meninas, incluindo abandono escolar, gravidez precoce e exposição a abusos e violência doméstica.
Segundo o Unicef, estas uniões forçadas resultam em graves impactos físicos e psicológicos, tanto para as jovens mães como para os seus filhos.
“Todo o ser humano antes dos 18 anos, na Convenção sobre os Direitos da Criança, é considerado criança, e portanto isto de facto tem repercussões na saúde física da mãe e do bebé”, explica a especialista.
Apesar da nova lei representar um avanço significativo para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes em Portugal, a organização alerta que ainda há muito a fazer para erradicar completamente o casamento infantil, sendo necessárias medidas complementares de sensibilização, educação e apoio às vítimas.
*Correspondente da ONU News em Lisboa, Portugal
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