Portugal vive um momento de rara convergência política e institucional. Os resultados das eleições legislativas de 2025 colocaram no Parlamento uma configuração inédita, que permite, pela primeira vez em décadas, encarar com realismo a possibilidade de uma revisão constitucional. Aliança Democrática (AD), Iniciativa Liberal (IL) e Chega, juntos, detêm uma representatividade que, se traduzida em entendimento e responsabilidade, pode abrir caminho a mudanças estruturais há muito reclamadas pela sociedade portuguesa. A Constituição da República Portuguesa, pilar do nosso sistema democrático, exige para a sua revisão uma maioria qualificada de dois terços dos deputados. Este patamar elevado, desenhado para proteger a estabilidade institucional, sempre foi apontado como um obstáculo por quem desejava reformas profundas. Hoje, porém, o cenário mudou: os partidos que mais têm defendido a necessidade de revisão constitucional estão, finalmente, em posição de a concretizar, desde que haja sentido de compromisso nacional.
A revisão constitucional não é um mero exercício político ou jurídico. É uma exigência histórica para adaptar a Lei Fundamental às realidades do século XXI. A Constituição de 1976, apesar das sucessivas revisões, mantém marcas de um contexto pós-revolucionário que já não reflete a maturidade democrática, os desafios globais ou as aspirações de uma sociedade plural e dinâmica. A sua atualização é urgente por três razões fundamentais. Em primeiro lugar, pela necessidade de neutralidade ideológica e inclusão. O texto atual ainda carrega resquícios de uma linguagem ideologicamente marcada, como referências históricas a “sociedade socialista” no preâmbulo (eliminadas parcialmente em 1989, mas mantidas noutras disposições). Uma Constituição moderna deve ser um guardião de princípios universais – democracia, direitos humanos, Estado de direito – e não um manifesto partidário. A proposta do Chega de “limpeza ideológica” e a defesa da AD por uma Constituição “realista e reformista” convergem neste ponto: a lei fundamental deve unir, não dividir.
Em segundo lugar, a modernização do Estado e a resposta a novos desafios impõem-se como prioridade. A globalização, as crises climáticas, a transformação digital e os fluxos migratórios exigem instrumentos constitucionais ágeis. Por exemplo, a descentralização administrativa (defendida por AD e IL) e a sustentabilidade ambiental carecem de enquadramento constitucional claro para evitar contradições legislativas. A atual Constituição, focada em estruturas centralizadas e conceitos económicos ultrapassados, limita a capacidade de resposta do Estado a estes desafios. Um exemplo concreto desta limitação foi a dificuldade em agilizar processos de descentralização de competências para as autarquias, travados por ambiguidades constitucionais que criaram incerteza jurídica e atrasaram reformas essenciais para aproximar os serviços públicos dos cidadãos. Por fim, é fundamental reforçar a eficácia institucional. A fragmentação partidária crónica e a judicialização excessiva da política revelam falhas no desenho institucional português. A redução do número de deputados (proposta pelo Chega), a reforma eleitoral (IL) e a independência do sistema judicial (AD) dependem de alterações constitucionais para garantir maior estabilidade governativa e justiça célere.
Os benefícios de uma revisão constitucional abrangem o reforço da confiança nas instituições, a promoção de maior transparência e justiça, a criação de condições para um Estado mais moderno e eficiente, a atração de investimento e a garantia de um quadro legal estável e adaptado aos desafios contemporâneos. Uma Constituição atualizada permitirá ainda assegurar a coesão social e territorial, promover o desenvolvimento sustentável e garantir que as futuras gerações encontrem na Lei Fundamental um espaço de liberdade e não de limitação ideológica. Para os cidadãos, isto traduz-se em decisões políticas mais rápidas e eficazes, maior proteção dos seus direitos, menos burocracia no acesso a serviços públicos e um ambiente mais favorável à criação de emprego e à inovação. Como afirmou recentemente o líder da AD, “os portugueses merecem instituições que respondam aos seus problemas e não que os agravem”.
A análise dos programas eleitorais de 2025 da AD, IL e Chega revela pontos de contacto que podem servir de base a um consenso reformista. Destacam-se, desde logo, a reforma do sistema político e eleitoral, com propostas para tornar o Parlamento mais eficiente, seja pela redução do número de deputados, pela reforma do sistema eleitoral ou pelo reforço da transparência e combate à corrupção. No campo da imigração e da nacionalidade, há acordo no endurecimento dos critérios para atribuição da nacionalidade, no aumento do tempo de residência legal exigido e na exclusão do tempo de permanência ilegal para efeitos de naturalização. Os três partidos convergem ainda na necessidade de uma administração pública mais ágil, descentralizada e próxima dos cidadãos, com maior autonomia para as autarquias. No domínio da justiça, todos propõem uma justiça mais célere e eficaz, com penas agravadas para crimes graves e maior transparência nas nomeações públicas. Por fim, a promoção da liberdade económica e a redução da carga fiscal são bandeiras comuns, reconhecendo o papel central da economia de mercado no desenvolvimento do país.
Para além da revisão constitucional, há um vasto leque de matérias onde as convergências entre AD, IL e Chega permitem avançar com alterações legislativas imediatas. Entre elas destacam-se a descentralização administrativa e modernização do Estado, com simplificação de procedimentos e digitalização dos serviços públicos; a reforma da justiça e o combate à corrupção, com medidas de transparência, regulamentação do lobbying e reforço das penas para crimes económicos; a revisão da legislação sobre imigração e nacionalidade, com critérios mais claros e rigorosos; e a liberalização e dinamização dos mercados, nomeadamente no arrendamento e na habitação, bem como incentivos ao empreendedorismo e à inovação. Estas reformas terão impacto direto na vida dos portugueses, tornando mais fácil, por exemplo, o acesso à habitação, a abertura de um negócio ou a resolução de processos judiciais.
Esta ponte entre revisão constitucional e mudança legislativa não é acidental. Como defendeu o constitucionalista Jorge Miranda, “o Texto Constitucional deve adaptar-se às novas exigências supranacionais”. A oportunidade está agora nas mãos dos partidos: se souberem priorizar o interesse nacional, Portugal poderá finalmente concretizar o salto qualitativo que há décadas se promete. O país encontra-se perante uma oportunidade histórica para preparar o futuro, reforçar a confiança nas instituições e promover justiça social e desenvolvimento económico. Os partidos que sempre reivindicaram esta possibilidade têm agora a responsabilidade de corresponder às expectativas dos portugueses. O entendimento entre AD, IL e Chega é não só desejável, mas necessário, num momento em que a Europa e o mundo olham para Portugal como exemplo de estabilidade e capacidade de adaptação. Se os nossos representantes colocarem o interesse nacional acima das diferenças conjunturais, Portugal poderá finalmente concretizar as mudanças estruturais que há tanto tempo se anunciam e que o país tanto merece.
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