Depois de meses a oscilar entre ausências e procedimentos inacabados, o Tribunal Supremo de Angola iniciou, hoje, a oitiva dos acusados no megaprocesso envolvendo os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido como “Kopelipa”, e Leopoldino Fragoso do Nascimento, “Dinossauro”.
Entre os réus estão também altos executivos e três empresas: A Utter Right International, a Plansmart e a Fundo Internacional da China Angola (CIF), acusada de ser o pivô de um esquema que, sob o pretexto da reconstrução pós-guerra, terá servido para desviar milhões dos cofres públicos com conivência institucional.
“Sim, hoje começou a produção de provas”, disse, em curtas declarações à DW, o advogado Benja Satula, que representa duas das empresas acusadas — a Utter Right e a Plansmart International.
“A sessão começou com a identificação dos acusados e o primeiro acusado começou a ser interrogado.”
O tribunal teria conseguido, assim, superar os impasses iniciais que levaram aos atrasos no julgamento – a CIF Angola, por exemplo, já montou uma equipe de defesa.
A ponta do icebergue
O caso “Dino” e “Kopelipa” envolve uma teia complexa de relações entre Angola e China, forjadas no pós-guerra e sustentadas por acordos bilaterais pouco transparentes.
“O que está aqui em causa é o esmiuçar das relações entre os dois países. Esse parece ser o verdadeiro intocável deste processo”, comenta Rui Verde.
O jurista receia, no entanto, que o sistema judicial angolano não esteja preparado para enfrentar este tipo de processos. O envolvimento de figuras de alto escalão e interesses internacionais torna a tarefa ainda mais delicada.
“Este é um processo político. E como todos os processos políticos, carrega um conflito entre o legal e o político. O sistema judicial não está preparado para enfrentar os grandes barões do regime. Nem foi preparado”, acrescenta.
Segundo o jurista, o megaprocesso é apenas a ponta do icebergue. O caso tem a ver com questões políticas bastante mais vastas, que ainda continuam por esclarecer, nomeadamente o “opaco e multimilionário” acordo Angola-China, no pós-guerra, para a construção de infraestruturas com o petróleo angolano como garantia.
Será que o processo avançará?
Angola já condenou figuras como Pedro Lussati, Manuel Rabelais e até viu a Empresa Trafigura ser sancionada na Suíça, por acusações de corrupção. Mas o país nunca julgou dois generais do círculo íntimo de José Eduardo dos Santos, nem mexeu com interesses tão sensíveis como os laços financeiros com Pequim.
“Prevejo que o processo vá se arrastando por vários anos, talvez até morrer de morte natural”, diz o jurista Rui Verde.
À DW, o advogado Benja Satula explica que, acima de tudo, espera que Angola julgue o caso de forma imparcial.
“Nós esperamos que o tribunal, independentemente de quem esteja sendo julgado — figuras históricas, políticas ou cidadãos anônimos, que têm igual dignidade — trate todos por igual”, afirma.
Este é um processo denso, que levanta dúvidas sobre a capacidade da Justiça angolana de enfrentar os poderosos do passado
Crédito: Link de origem