um Portugal adiado – Observador

Se fizéssemos um plano para a década, a primeira prioridade — na área da política económica — seria a clarificação do regime económico.

Portugal precisa de um regime económico simples, claro e eficaz. Numa democracia pluralista, não há alternativa ao regime económico baseado na iniciativa privada, na afetação de recursos pelos mecanismos de mercado, na força inovadora e disciplinadora da concorrência. O controle da economia pelo Estado, a planificação da actividade económica, a remuneração independente da contribuição para a riqueza colectiva são incompatíveis com a liberdade de decisão e de escolha dos cidadãos, não se coadunam com a complexidade e a mudança rápida da vida económica de hoje, e geram as maiores e mais flagrantes injustiças.

No entanto, Portugal tem tido um regime caracterizado pela presença asfixiante do Estado. Como proprietário, como gestor, como regulamentador, como árbitro, o Estado omnipresente interfere em todos os aspectos da vida económica, é responsável em grande parte pelo caos e improdutividade na afectação de recursos e é o maior obstáculo à melhoria da justiça e à correcção de desigualdades. Inevitavelmente, o Estado acaba por se ver incapaz de conduzir eficazmente as tarefas que, em Portugal como em toda a parte, lhe devem necessariamente caber.

Ao Estado competem, em qualquer sociedade, tarefas políticas e administrativas que deve executar cabalmente. Só o Estado pode garantir os serviços de defesa, justiça e segurança. Ao Estado cabe também um papel importante, em colaboração harmoniosa com a iniciativa privada, na criação de infraestruturas, na segurança social, na educação, na saúde. Só pela limitação do papel do Estado às áreas em que a sua intervenção é indispensável se conseguirá garantir a cabal execução das tarefas do Estado.

Já a melhoria da justiça social implica que se corrijam as desigualdades resultantes da concentração da riqueza e da determinação de rendimentos pelos mecanismos de mercado. Mas a correcção tem de ser prudente e eficaz. A experiência portuguesa mostra bem como, em nome da justiça social e da redistribuição de rendimentos, se generaliza a pobreza, impedindo o desenvolvimento e se praticam as maiores injustiças, pela intervenção contraproducente.

É sobretudo pelo corte das despesas que se deverá reduzir o défice público. É igualmente indispensável inverter o crescimento desenfreado das despesas com o funcionalismo público. A administração pública eficaz exige funcionários competentes e motivados. Os vencimentos terão de subir em termos reais, acompanhando o crescimento económico. É particularmente importante que se remunerem correctamente as funções de chefia e de responsabilidade, por forma a atrair e promover profissionais sérios e com capacidade de gestão. Pelo contrário, é fundamental reduzir o número de efectivos. Em primeiro lugar, é possível obter ganhos de produtividade na administração pública. Depois, haverá que eliminar serviços, racionalizar e fundir departamentos, impedir a criação de novas estruturas.

Quanto ao Sector Empresarial do Estado, o sector público dito produtivo, convém relembrá-lo, é o resultado de um conjunto de nacionalizações levadas a cabo em 1975, sem outro critério que não o de passar para o controlo do Estado as grandes empresas de então. Empresas que, tendo sido criadas ou desenvolvidas antes de 1973, correspondiam a um mercado diferente, a uma situação económica sem comparação com a de hoje, a um tipo de estrutura industrial hoje impensável. A desadaptação destas empresas e a obstinação com que se pretende mantê-las ao arrepio de todas as regras da economia transformam-nas em enormes pesos mortos, travões poderosíssimos do crescimento. A grande generalidade das empresas hoje na posse do Estado [terá] de ser encerrada ou privatizada. As que ficarem não poderão ser protegidas da concorrência, não terão acesso privilegiado ao capital, terão sempre de obter resultados positivos, que representam remuneração adequada dos recursos que lhes estão entregues. Para tal, é necessário restabelecer critérios de profissionalismo e de competência, garantir a independência política, responsabilizar pelos resultados. A tutela governamental deverá limitar-se à definição de objectivos económicos e resultados financeiros a atingir.

Com excepção de duas ou três palavras e advérbios, os sete parágrafos anteriores foram ostensivamente copiados do documento No Caminho da Sociedade Aberta — Objectivo 92. O diagnóstico e os problemas apontados a Portugal, assim como as oportunidades e o plano de acção, são não só actuais, mas críticos para que Portugal se possa finalmente afirmar como um país que ombreia com os seus pares europeus. O nosso fado não tem de ser este — um país lateralizado, incapaz de assegurar um presente digno aos seus idosos e um futuro promissor aos seus filhos.

O documento é de 1988, do Grupo de Ofir, liderado por Francisco Lucas Pires. Ideias inovadoras que surgiram antes do seu tempo, sem o caldo social e cultural pronto para as absorver. Talvez tenha sido esse o caso. E talvez, por isso, Lucas Pires não tenha vivido tempo suficiente para as poder ver implementadas. Mas agora, quase quarenta anos depois, temos novas gerações ambiciosas, inquietas, desassossegadas, que querem um país melhor. Estamos diante de um nova e talvez derradeira oportunidade de fazermos essa transformação. Como escreveu Lucas Pires, «sempre fomos mais dados ao situacionismo, por um lado, ou à ruptura, por outro. Ora, a alternativa é o conceito que está no meio entre situacionismo e ruptura». A alternativa é o reformismo liberal e chegou a sua hora.


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