Um Portugal à deriva – Opinião – SAPO.pt

Em Portugal, vive-se um período de evidente instabilidade política, bem ilustrado pela frequência com que os cidadãos são chamados a exercer o seu direito de voto. Entre 2019 e 2025, os portugueses foram convocados para eleições legislativas, em média, a cada 17 meses — um intervalo notavelmente curto, que supera inclusivamente o conturbado período pós-Revolução de Abril (1976–1985), caracterizado por acentuada volatilidade política, durante o qual os governos duravam, em média, cerca de 24 meses.

As consequências desta instabilidade são múltiplas e estruturais. Desde logo, compromete a capacidade do país de concretizar reformas há muito identificadas como prioritárias, nomeadamente nas áreas da habitação, da saúde e da justiça. Acresce que transmite sinais negativos à comunidade internacional e aos investidores, que valorizam, acima de tudo, a previsibilidade, a segurança jurídica e a estabilidade política. Esta realidade assume contornos ainda mais preocupantes quando somos confrontados com a complexidade dos desafios que hoje se colocam à União Europeia — desafios que incluem a reorganização das cadeias de valor globais, a transição energética e digital, e a emergência de um novo quadro comercial internacional, crescentemente marcado pelo protecionismo por parte daqueles que, até há pouco tempo, eram considerados os nossos parceiros naturais.

A guerra na Ucrânia, que se prolonga há mais de dois anos, veio igualmente recentrar a atenção da política europeia numa urgência até há pouco negligenciada: o reforço das capacidades de defesa. Portugal, tradicionalmente com um investimento limitado nesta área, enfrenta agora uma pressão crescente para cumprir os compromissos assumidos no âmbito da NATO e para aumentar, de forma significativa, o seu orçamento militar. Esta reorientação estratégica exige estabilidade governativa e consensos parlamentares alargados — objetivos particularmente difíceis de alcançar num cenário marcado pela fragmentação partidária e por uma tensão política constante. Trata-se, contudo, de uma matéria crítica, sobretudo se considerarmos os sinais cada vez mais claros de que os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, parecem dispostos a rever o papel tradicional da NATO no quadro da segurança europeia. Neste contexto, torna-se evidente que a conjugação de uma instabilidade externa com uma governação interna fragilizada poderá conduzir Portugal a um impasse, limitando de forma severa a sua capacidade de resposta eficaz, coordenada e sustentada aos desafios — profundos e duradouros — da próxima década.

Poderão, então, as eleições de maio de 2025 constituir uma solução? Tudo indica que não. As sondagens conhecidas até ao momento apontam para um Parlamento novamente fragmentado. À direita, é praticamente impossível formar uma maioria estável sem incluir o Chega; à esquerda, não parece haver margem para uma solução governativa duradoura. Ao centro, o que se observa é um PS e um PSD que parecem ter como único ponto de convergência a sua permanente discordância. Este contexto complexo poderá aprofundar ainda mais a desilusão do eleitorado, já visivelmente fatigado. A perceção crescente de que a classe política é incapaz de assegurar a governabilidade pode, inevitavelmente, alimentar o abstencionismo e contribuir para um afastamento progressivo dos cidadãos em relação às instituições democráticas — ampliando, assim, o risco de um divórcio estrutural entre representantes e representados.

Portugal não pode continuar refém de crises políticas sucessivas. A democracia não se esgota no exercício periódico do voto; constrói-se, sim, sobre instituições sólidas, compromissos duradouros e lideranças responsáveis. O desafio que o país enfrenta é profundo, e o custo do insucesso será elevado: perda de confiança, tanto interna como externa, retrocesso económico, descrédito institucional e, acima de tudo, o enraizamento, junto da população, da convicção de que a política há muito deixou de servir o interesse público e o bem comum.

NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.

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