Travessia Brasil-Angola pede apoio a Portugal como “reparação histórica”

agrandetravessia.com

Dagoberto José Fonseca, organizador de “A Grande Travessia Brasil-Angola”

A organização de uma travessia de barco que vai levar cerca de dois mil brasileiros a Angola, numa viagem para recordar a escravatura, pediu apoio ao Governo português para que Portugal se reconcilie “com a sua história”.

“Portugal precisa ter a altivez e a ousadia e a responsabilidade histórica de não querer ser último” e de estar na “vanguarda deste processo histórico, de reconhecer um crime cometido no passado, um crime de lesa-humanidade e constituir, portanto, uma justiça, uma justiça restaurativa desse passado”, disse à Lusa o professor Dagoberto José Fonseca.

“Eu sempre tenho dito que Portugal tem como dever moral, um dever ético e um dever civilizacional”, sublinhou o docente da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista de Araraquara e responsável pelo projeto.

Intitulada de “A Grande Travessia: o Retorno, o Reencontro, o Reconhecimento, a Reparação” a embarcação parte da cidade brasileira do Rio de Janeiro, no dia 5 de dezembro, em direção a Luanda com cerca de dois mil brasileiros de várias quadrantes da sociedade.

Serão sete dias de ida, sete dias presentes em Angola e sete dias de volta.

Em Angola, os dois mil brasileiros vão realizar ações voltadas para a investigação e turismo cultural, com especial destaque para o afroturismo, que visa resgatar e revisitar a história africana em diferentes pontos de Angola.

Se Portugal dissesse para nós, neste projeto, a sociedade portuguesa, o Estado português, dissesse para nós, neste momento, Portugal não tem um navio em que caibam duas mil pessoas, mas nós temos um navio para oitocentas pessoas e a gente quer dar esse navio a vocês para fazer essa travessia com todo conforto, isso já seria um sinal de que Portugal estaria abrindo uma porta para o caminho dessa reparação, dessa justiça restaurativa”, considerou o professor brasileiro.

Na sua opinião, o apoio de Portugal seria “um sinal inequívoco de que o país quer conversar e quer dialogar e quer restaurar o seu próprio passado”.

“Portugal pode dizer ao mundo que está se reconciliando com o seu passado e, portanto, está fazendo um gesto primeiro de reparação”, considerou.

Para já, a viagem será custeada pelo setor público e privado brasileiro e terá todo o apoio logístico por parte de Angola assim que o barco atracar no país africano.

“Nós precisamos fazer o caminho de volta também pelo Oceano Atlântico para conhecer a história que os nossos fizeram e também para recuperar aqueles que foram jogados no Oceano Atlântico”, disse o antropólogo, apontando que cerca de dois milhões e meio de pessoas foram atiradas no oceano ao longo dessa trajetória do século XVI e XIX, só daqueles que vieram de Angola para o Brasil.

Para além deste número, estima-se que cinco milhões de africanos tenham chegado ao Brasil durante a época colonial portuguesa.

“Nós somos a mesma família, separados por uma história do tráfico, uma história do processo de escravização e desse colonialismo português, e de modo que somos a mesma família, separadas pelo Atlântico e divididos por uma história cruel, que foi o ‘escravismo’, e esse comércio transatlântico de pessoas submetidas ao ‘escravismo’”, disse o professor.

Dever histórico ou moda

O tema das “reparações históricas” devidas pelos países colonialistas pelos “erros do passado” tem lançado a controvérsia nos últimos anos em diversos países.

Em 2020, o primeiro-ministro neerlandês Mark Rutte pediu desculpas “pelas ações passadas do Estado holandês ao escravizar pessoas no passado”, juntando os Países Baixos a Reino Unido, França e Dinamarca, que já se pronunciaram sobre o tema, pedindo “desculpas pelos erros cometidos”.

Na Bélgica, o rei Filipe manifestou um “profundo pesar pelas feridas do passado”, mas não fez um pedido formal de desculpas. A Alemanha, em 2021, admitiu pela primeira vez ter cometido um genocídio contra as tribos na Namíbia.

Portugal nunca fez um pedido formal de desculpas a outros países relacionado com o colonialismo ou a escravatura, mas em 2023, nas comemorações do 49º aniversário do 25 de Abril, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,  afirmou que “temos de assumir o melhor e o pior do que fizemos”.

Há um ano, na véspera das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, Marcelo retomou o tema e afirmou que Portugal tem de pagar os custos da escravatura e dos crimes coloniais.

Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, durante um jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal.

No evento, Marcelo disse que Portugal “assume toda a responsabilidade” pelos erros do passado e lembra que esses crimes, incluindo os massacres coloniais, tiveram custos.

No mesmo dia, a ministra brasileira da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, pediu “ações concretas” por parte de Portugal na sequência da “importante e contundente” declaração do Presidente da República.

“Pela primeira vez estamos a fazer um debate desta dimensão a nível internacional”, frisou a ministra brasileira”, que adiantou que  a sua equipa já estava “em contacto com o Governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e a partir daqui quais passos serão tomados”.

Segundo o professor de História Mundial cubano Manuel Barcia, especializado em escravidão no Atlântico, o receio de se pagarem eventuais compensações tem impedido Portugal e outros Estados com um passado colonial de pedirem desculpas pela escravatura.

Um pedido formal de desculpas por parte do Estado português seria “uma coisa mínima depois de tudo o que aconteceu”, defende ainda Barcia.

“Mas a resposta tem de ser dada pela gente que descende dos escravos. São eles que têm de dizer se precisam” de um pedido de desculpa, acrescenta o académico cubano.

Também o historiador brasileiro Laurentino Gomes considera que Portugal deveria pedir desculpas formais pela escravatura e tráfico negreiro aos povos africanos, na sequência do que fizeram outros países europeus e antigas colónias como o Brasil ou os Estados Unidos.

Nem todos concordam com a ideia de que os países com passado colonialista devam pedir desculpa. Segundo o líder do CDS-PP, Nuno Melo, os pedidos de desculpas de outros países “são uma moda, Portugal não tem de pedir”.


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