Tráfico gera mais de US$ 8 bi para a Venezuela, estima ONG

O narcotráfico movimenta, segundo estimativa da organização Transparência Venezuela, mais de US$ 8,2 bilhões por ano no país. O dado é parte de um extenso relatório publicado pela ONG, que mapeia o funcionamento do tráfico de drogas no território venezuelano e denuncia a infiltração dessa atividade nas estruturas de poder do país, governado por Nicolás Maduro.

De acordo com a publicação, aproximadamente 24% da produção mundial de cocaína passou pela Venezuela em 2023, o que equivale a 639 toneladas da droga. Ao considerar os preços médios do mercado atacadista da cocaína nos principais destinos intermediários — América Central e Caribe —, essa movimentação teria gerado uma receita bruta de US$ 8,236 bilhões.

A Venezuela é hoje reconhecida internacionalmente como um dos principais países de trânsito de drogas ilícitas. Sua localização estratégica, aliada ao colapso institucional e à corrupção sistêmica, transformou o território em uma rota eficiente para o escoamento de entorpecentes rumo à América Central, ao Caribe, à Europa e à África.

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O relatório detalha como a droga, principalmente cocaína, entra pela fronteira com a Colômbia, especialmente pela região de Catatumbo — o maior polo produtor de coca no país vizinho — e segue para o exterior por vias terrestres, marítimas e aéreas.

Em muitos desses locais, o Estado perdeu completamente o controle territorial. O relatório afirma que as redes do tráfico “têm conseguido contornar muitos dos controles oficiais e, graças aos elevados níveis de corrupção, ganharam aliados no seio das instituições formais para manter o negócio e partilhar os lucros”.

O estudo revela uma grave contradição: os principais órgãos responsáveis pelo combate ao narcotráfico estão sob comando de autoridades investigadas ou sob sanções por envolvimento com o tráfico internacional.

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O atual ministro do Interior, Justiça e Paz, Diosdado Cabello, e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, são citados por agências internacionais e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como ligados ao chamado “Cartel de los Soles” — grupo criminoso formado por militares de alta patente.

O relatório afirma que “muitos desses oficiais passaram de facilitadores passivos a operadores ativos do tráfico”, responsáveis por estruturar rotas, coordenar cargas e cobrar taxas sobre os carregamentos.

Entre os agentes investigados, também estão o superintendente nacional antidrogas, Danny Ferrer Sandrea, e o diretor da Polícia Nacional Bolivariana, Rubén Santiago Servigna. A ONG destaca que sete das principais autoridades responsáveis pelo combate às drogas no país “foram sancionadas por corrupção, violação de direitos humanos e associação ao narcotráfico”.

O comércio de cocaína é uma das principais fontes de renda do narcotráfico | Foto: Reprodução/internet

As guerrilhas do narcotráfico na Venezuela

Além das Forças Armadas e de autoridades civis, o narcotráfico conta com a atuação direta de guerrilhas colombianas em território venezuelano. Dissidências das facções colombianas Farc e ELN mantêm presença ativa nos Estados fronteiriços de Zulia, Apure, Amazonas e Bolívar, onde controlam rotas e impõem suas próprias regras à população local.

A quadrilha Tren de Aragua, já reconhecida como organização criminosa transnacional, também participa do esquema, na função de operar rotas de transporte, tráfico humano e lavagem de dinheiro dentro e fora do país.

Outras organizações locais, como os grupos Yeico Masacre e Meleán, atuam de forma regional, muitas vezes articuladas com cartéis internacionais como os de Sinaloa (México) e do Golfo (Colômbia).

O narcotráfico, além de fomentar a criminalidade e a corrupção, compromete diretamente os direitos humanos. No Estado de Zulia, por exemplo, crianças e adolescentes são cooptados para trabalhar na raspagem de folhas de coca, sem proteção. Em comunidades ribeirinhas, pescadores são forçados a esconder drogas dentro dos peixes capturados.

Mulheres em situação de vulnerabilidade são aliciadas para atuar em plantações e laboratórios ilegais. Segundo o relatório, elas “são forçadas a permanecer nos campos e a fazer sexo com membros dos grupos armados”.

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As consequências incluem deslocamentos forçados, migração em massa e surgimento de “povoados fantasmas” em zonas fronteiriças. A presença das guerrilhas impede o livre trânsito e impõe toques de recolher, cobranças de “vacinas” (extorsões) e controle de atividades econômicas.

Apesar da gravidade da situação, o combate ao narcotráfico na Venezuela carece de dados confiáveis, transparência institucional e coordenação entre os órgãos responsáveis. De acordo com o relatório, o Ministério Público não publica dados de gestão desde 2016, e a maioria das decisões judiciais em matéria penal não é divulgada desde 2012.

Em 2024, Nicolás Maduro reportou a apreensão de 40 toneladas de drogas, mas especialistas e entidades internacionais ressaltam que esse número representa uma fração ínfima do volume real que transita pelo país. “A maior parte da droga que transita pelo território venezuelano não é apreendida”, afirma um entrevistado, sob anonimato.

A Transparência Venezuela propõe um conjunto de medidas urgentes: a desarticulação das organizações criminosas; a redução da oferta e demanda de drogas; a prevenção proativa; a cooperação internacional; e a modernização institucional com foco em transparência e responsabilização.

O relatório conclui que a Venezuela permanece aprisionada em uma estrutura simbiótica de crime, poder e impunidade que compromete a soberania, a estabilidade regional e os direitos fundamentais de sua população.

Leia também: “Ligações cabulosas”, reportagem de Silvio Navarro publicada na Edição 158 da Revista Oeste

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