Tecnologia não faz mágica, diz criador da Khan Academy – 30/05/2025 – Educação

Ele fundou uma das maiores plataformas digitais de educação, a Khan Academy, que hoje conta com mais de 180 milhões de usuários cadastrados —quase um décimo de toda a população de crianças e adolescentes do mundo. Sal Khan, no entanto, não defende a tecnologia como uma solução mágica para melhorar o aprendizado.

Pioneiro no uso da inteligência artificial em plataformas de ensino, Khan diz que essas ferramentas potencializam o saber e podem facilitar o trabalho dos professores. Para atingir esses benefícios, no entanto, ele defende que o uso seja moderado e consciente.

O empresário conversou com a Folha nesta quinta-feira (28), dias antes de embarcar para São Paulo, onde vai participar de um evento sobre o futuro das tecnologias na educação. O Brasil tem duas redes de ensino com o maior número de inscritos na plataforma de Khan: a estadual do Paraná e a de São Paulo.

Os dois estados colocaram em prática nos últimos anos um intenso plano de digitalização do ensino. Eles contratam ou fazem parcerias com plataformas, como a Khan Academy, para que sejam usadas em sala de aula. Tanto no Paraná como em São Paulo, o processo começou sob a gestão do secretário Renato Feder, empresário do ramo de equipamentos de tecnologia.

O processo de “plataformização do ensino” é defendido nos dois estados com argumento de que o desempenho escolar é superior quando acompanhado por metas e métricas. Por isso, apostam em tecnologias que permitem o monitoramento das atividades.

Há alunos, no entanto, que reclamam do excesso de atividades digitais que são cobrados a fazer. Já professores críticos a essa estratégia afirmam que perderam autonomia em sala de aula. Khan reconhece que o excesso pode ser prejudicial, por isso, defende o uso com moderação.

Criada em 2008, a Khan Academy reúne aulas e exercícios de diversas disciplinas escolares. A plataforma se baseia no conceito de “mastery learning”, ou aprendizado de domínio, em que o aluno recebe apoio para dominar cada etapa do conteúdo antes de seguir para a próxima.

As tecnologias já foram há muitos anos incorporadas à educação, mas ainda há um debate sobre o quanto elas podem, de fato, ser aliadas ao processo educativo. Quais os cuidados para que elas não sejam mais prejudiciais do que benéficas?

A armadilha em que muitos caem é a de querer usar a tecnologia apenas pela tecnologia. Ou só por achar que é legal e todo mundo usa. Nós precisamos pensar primeiro em quais problemas queremos resolver e qual é a maneira mais simples de resolvê-los.

Um dos problemas mais recorrentes que vemos em todo mundo é o excessivo número de alunos por sala. Você tem um professor para ensinar 30 alunos, sendo que cada um desses alunos está em níveis diferentes de preparação para aquela aula e o professor não tem como ir no tempo de cada um.

Tenho certeza de que todo professor deseja ter mais tempo para dar apoio aos seus alunos. Esse é um problema que a tecnologia pode ajudar a resolver.

Paraná e São Paulo são as redes de ensino com mais alunos inscritos na Khan Academy. A que você atribui esse grande interesse de gestores brasileiros em plataformas como a sua?

Sim, é verdade. O Brasil, depois dos Estados Unidos, é um dos países com mais inscritos na Khan Academy. Isso é resultado de uma combinação de fatores. Primeiro, porque a Fundação Lemann fez uma parceria com a gente em 2012 para traduzir e adaptar os vídeos e os disponibiliza gratuitamente para os alunos de escola pública.

Outro fator são esses problemas a serem resolvidos. Vocês têm muitos alunos por sala e muitos alunos com dificuldade de aprendizagem. Todos querem melhorar os resultados e nem sempre é um caminho fácil.

Então, acho que os gestores brasileiros estão vendo que temos um produto muito eficaz.

Os locais com melhores resultados educacionais em avaliações externas, como Singapura, Finlândia e Dinamarca, estão restringindo o uso de tecnologias. Por que países com desempenho não tão bom seguem no sentido contrário, colocando cada vez mais essas ferramentas nas escolas?

O que você diz é verdade em um nível nacional, mas é diferente quando olhamos em um nível mais granular. Finlândia e Singapura têm melhores resultados do que os Estados Unidos, mas são locais com população muito menor e menos diversa.

Podemos comparar esses dois locais com alguns estados americanos, por exemplo, Massachusetts. Lá, os resultados educacionais são tão bons quanto e eles usam tecnologia. No Vale do Silício, onde estão as escolas de maior performance dos Estados Unidos, elas também usam.

Agora, eu defendo que a tecnologia seja usada com moderação. Por exemplo, na escola que ajudei a fundar e onde meus filhos estudam, nós proibimos o uso de celulares. Nós decidimos que as crianças não vão usar celular durante o dia, mas incentivamos que em casa usem o celular para coisas que podem ajudá-los a se desenvolver, como a Khan Academy.

Eu não acho que seja uma questão sobre ricos contra pobres ou quem tem alto desempenho contra quem tem baixo desempenho. É sobre qual tecnologia você está usando e como você a está usando.

A Unesco recentemente lançou um relatório alertando que não há evidências científicas suficientes para comprovar os benefícios da tecnologia na educação. Precisamos demais estudos sobre isso?

É preciso olhar com mais nuance para esse alerta. Nós temos vários estudos sobre a eficácia da Khan Academy e todos trazem a mesma conclusão: se o aluno tiver condições de praticar de forma personalizada, ele aprende mais rápido.

Em tese, essa prática personalizada pode acontecer sem tecnologia. O aluno poderia praticar mais e mais apenas usando papel e caneta com as tarefas que o professor propuser de acordo com o progresso dele. O difícil é o professor ter tempo para fazer isso para todos os alunos.

O que a tecnologia está fazendo não é mágica. Ela está apenas dando condições para que os alunos possam praticar mais de acordo com o que estão aprendendo. O desenvolvimento de qualquer habilidade, em qualquer área do conhecimento, acontece com a prática constante.

Agora, é claro que precisamos entender que ainda há muitos desafios no contexto real das escolas: os professores precisam entender como usar a tecnologia e os alunos precisam de fato ficar engajados. São essas coisas que ainda levam tempo e trabalho.

Nos estados brasileiros que adotaram muitas plataformas, os professores dizem que perderam autonomia para ensinar e que os alunos estão mais desinteressados. Como o sr. vê esse tipo de consequência?

As ferramentas que estamos desenvolvendo com inteligência artificial são feitas para apoiar os professores, para dar a eles autonomia para customizar atividades e aulas. Nós somos grandes entusiastas do apoio ao professor, mas eu acho que o verdadeiro norte para qualquer aula não é autonomia, é usar aquilo que pode melhorar o resultado dos alunos.

Nós encontramos uma maneira de melhorar os resultados, mas os professores são uma parte crucial nesse processo para engajar os alunos. Nós sabemos que em classes tradicionais, mesmo sem usar tecnologia, os alunos não estão mais engajados apenas usando livros ou com o professor escrevendo na lousa.


Salman Khan, 48

1976, Nova Orleans (EUA) – Filho de imigrantes —a mãe é da Índia e o pai, de Bangladesh—, o americano é formado em matemática e em engenheiro pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), com MBA na Universidade Harvard. Atuava como analista de fundos de investimento quando, em 2004, passou a ajudar primos com dificuldades em matemática. Como moravam longe, ele os orientava por telefone até ter a ideia de gravar aulas e colocá-las no YouTube. Sua performance fez tanto sucesso que ele inaugurou, em 2008, a Khan Academy, organização sem fins lucrativos de educação gratuita a distância, que recebeu investimentos milionários do Google e das fundações de Bill Gates e Jorge Paulo Lemann.

Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.