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O multiculturalismo que representa e também aproxima países lusófonos é uma das principais propostas do Saaraci Coletivo Teatral com o espetáculo Corpo Cabral, baseado na vida e obra de Amílcar Cabral, um dos responsáveis pelas independências de países como Cabo Verde e Guiné-Bissau. A direção do grupo, que tem sede no Porto, está a cargo de Sara Estrela, com produção de João Branco. A peça foi apresentada em Lisboa, no Teatro Ibérico, neste fim de semana e quer seguir para o Brasil.
“A (re)interpretação do legado simbólico de Amílcar Cabral no contexto performático acaba por se encontrar ligada à prática de participação e compromissos cívicos reforçados por meio de atividades ou projetos culturais de desenvolvimento comunitário que, no processo de luta nos anos de 1960, constituiu uma das preocupações mais presentes nos escritos e ações políticas de Amílcar Cabral”, diz o texto de apresentação.
A peça, multifacetada, transitando entre a dança e o teatro e “desagua nos corpos crioulos (no sentido cabo-verdiano do termo), com as suas manifestações de raiz popular, as suas paisagens topográficas, os seus movimentos, as suas partituras energéticas, partindo da premissa sobre a dança de que o movimento exterior é subordinado ao sentimento interior”.
Ainda antes de o espetáculo ganhar vida, quando era apenas um projeto, foi batizado de Corpo Cabral por causa do pensamento de Amílcar Cabral, que defendia, segundo a diretora caboverdiana Sara Estrela, a seguinte ideia: pensar, agir e trabalhar segundo a nossa realidade.
Celebração do corpo livre
Essa forma de encarar a vida — a celebração do corpo livre, que também inspirou Cabral para a luta — leva pessoas a pensar com a própria cabeça e a dançar com o próprio corpo. “Tivemos nossa luta e podemos hoje bater com a mão no peito e dizer: somos cabo-verdianos, fazemos como queremos fazer, dançamos como queremos, andamos e pensamos como queremos. Sorrimos, choramos, lutamos, fazemos luto, tudo com os nossos corpos livres”, reforça Sara, graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O processo de seleção de elenco aconteceu após audições em Lisboa e no Porto. Como resultado, foram aprovados dois bailarinos da ilha de Santiago e um da ilha de Santo Antão, ambas em Cabo Verde. São eles Emerson Henriques, Nuno Barreto e Zeca Cardoso. A estreia internacional se deu em Porto Alegre (RS), em 30 de maio último. Em novembro, chega a Cabo Verde, com possibilidade de ser apresentado, em breve, também na Costa do Marfim.
O produtor e responsável pelo espaço cênico, João Branco, nascido em Paris mas com nacionalidade cabo-verdiana, também diretor artístico do Saaraci Coletivo Teatral, conta, por sua vez, que o político e agrônomo Amílcar Cabral completou 100 anos em 2024 e que a intenção também era mostrar um dos maiores pensadores africanos de uma forma diferente do convencional. “Quisemos trazer uma leitura performática da sua obra, saindo do óbvio e deixando os corpos ‘falarem’ por si através da incrível herança que ele nos deixou”, destaca o produtor.
O Brasil na rota
O Saaraci Coletivo Teatral é multicultural, mas onde está a essência brasileira do grupo? Quem responde é a atriz piauiense Janaína Alves, companheira de João Branco. Ela começou no teatro aos 9 anos e conheceu o produtor aos 19, no Festival Lusófono de Teresina. Com ele viveu 16 anos em Cabo Verde e há, dois anos, estão em Portugal. A identidade do Brasil está sempre presente, é claro, mas a influência é mais cabo-verdiana. Em Corpo Cabral ela assina a produção executiva e os figurinos.
“Queremos muito levar o espetáculo para o Brasil, por causa da pegada de revolução, independência, identidade. A performance mistura independência com agricultura, tem os panos tradicionais de terra de Guiné-Bissau e Cabo Verde, os aventais que são símbolo do empoderamento feminino em Cabo Verde. Enfim, está em nossos planos apresentar nosso trabalho no Brasil” confirma Janaína.
Trilogia
O espetáculo Corpo Cabral faz parte de uma trilogia trabalhada dentro do tema revolução. No ano passado, o grupo teatral apresentou a peça Dona Pura e Os Camaradas de Abril. Neste ano, é a vez do teatro físico-performático baseado na obra de Amílcar Cabral. Para 2026, está prevista a estreia do musical FMI Kapa.
“Esses três espetáculos pretendem ser um olhar do cabo-verdiano, seja pela diáspora, seja a partir do arquipélago, da Revolução dos Cravos e dos processos de libertação e independência de Cabo Verde. Um olhar diferenciado, porque nosso, cabo-verdiano. Assumimos, com isso, o nosso lugar na cena, com as nossas dores, traumas, ritmos, cheiros, cores, musicalidades, ou seja, com um olhar concebido a partir da nossa matriz identitária”, complementa João Branco.
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