Entre balões coloridos, o calor das fogueiras e o doce do licor, ecoam as vozes do samba junino em Salvador. Esse ritmo ancestral, que nasceu nas periferias da capital, se tornou símbolo da nossa cultura e ganha ainda mais força com a proximidade das festas juninas.
“O samba junino nasce como uma forma de expressão musical desenvolvida pelos moradores de bairros periféricos de Salvador para homenagear São João, Santo Antônio, São Pedro e usando instrumentos da cultura afro-indígena e das tradições de Terreiro de Candomblé”, conta o professor do Instituto Federal da Bahia (Ifba) e mestre em Educação, Ubiraci Carlúcio, mais conhecido como Prof. Bira.
Foi justamente no Engenho Velho de Brotas, bairro periférico de Salvador, que os caminhos de Vagner Sherk, 46, e do samba junino se cruzaram. O músico e produtor cultural, lembra que, aos 12 anos, já frequentava “praticamente todos os grupos de samba junino do bairro onde morava”.
“Nos ensaios do Mato Velho [grupo junino], eu costumava ir com meus amigos e, às vezes, até sozinho, já que aconteciam a poucos metros de onde eu morava. Eu me encantava com as canções curtas e os refrões grudentos, que ficavam na mente como chicletes. Além disso, admirava as sambadeiras na roda de samba, passando horas observando o gingado com o qual sambavam e as coreografias que criavam conforme as canções”, lembra Vagner em entrevista ao Portal Soteropreta.
O artista destaca que o samba junino foi fundamental para ajudá-lo a superar a timidez
“Eu era tímido na infância e adolescência, o que dificultava minha socialização. No entanto, a convivência em grupos, especialmente no movimento do Samba Junino, foi fundamental para minha evolução. Hoje, reconheço como essa experiência me ajudou a me tornar mais comunicativo e a controlar minha timidez, permitindo que eu interagisse melhor com o mundo ao meu redor”, recorda com emoção.
Quem também começou ainda na adolescência a frequentar os grupos juninos foi Derivaldo Matos, 58, mais conhecido como Neném Calabar, nas rodas de samba por onde tocou. Fã do grupo Leva Eu, Neném começou a frequentar apresentações de grupos de samba com 15 anos e desde então não parou.
“O samba junino representa tudo na minha vida, é a minha essência musical. Tudo o que sei sobre música teve como fonte o samba junino”, diz Neném. Para ele, o gênero tem o poder de reunir famílias e moradores do bairro. “É o momento em que estamos todos juntos em um só pensamento”, afirma o morador do bairro de Canabrava.
ENTRE TIMBAL, TAMBORIM E VOZ
Com o passar do tempo, os jovens se tornaram adultos, e o desejo de manter viva a cultura do Samba Junino falou mais alto. Foi assim que em 2002, Neném desenvolveu o grupo Bicho de Cana.
“Formamos o grupo a pedido da comunidade de Canabrava. O nome é até engraçado de lembrar: primeiro, a galera foi para o show, que foi o bicho. Como somos do bairro de Canabrava, decidimos chamar o grupo de Bicho de Cana”, riu. Hoje, com 23 anos de estrada, o grupo é veterano nas apresentações juninas da capital baiana.
Quem também fundou um grupo foi Vagner, em 2017, quando nasceu o grupo Samba Duro VS, no bairro de Itapuã. Apesar de não morar mais no bairro do Engenho Velho, as raízes da antiga morada nunca o deixaram.
“Me sinto privilegiado por nascer no Engenho Velho de Brotas. Essa origem foi fundamental para a minha trajetória no samba junino, me formando como produtor cultural e guardião dessa cultura”, diz.
“O Samba Junino representa para mim a possibilidade real de uma verdadeira transformação na realidade das comunidades carentes. Ele tem o poder de formar músicos, compositores, cantores e cidadãos que podem desenvolver suas vidas e suas comunidades de forma econômica. Assim como tem sido até hoje, é uma resistência identitária que fortalece os vínculos entre os membros da comunidade”, desabafa Vagner.
Em 2023, o grupo conquistou o 6º Festival da Liga do Samba Junino — evento cultural que celebra o Samba Junino em Salvador— , título que lhe redeu uma reportagem do Jornal Nacional. Além disso, o grupo realizou apresentações no Carnaval de Salvador neste ano e comandou um arrastão no Circuito Batatinha, Pelourinho.
Dada a importância, muitos anos de resistência e valor cultural do Samba Junino, em 2018, o movimento foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Salvador, por meio do decreto 29.489/2018, sendo registrado no Livro do Registro Especial das Expressões Lúdicas e Artísticas.
“O Samba Junino é reconhecido como uma forma de resistência cultural, permitindo que o povo negro mantenha vivas suas tradições e sua identidade, mesmo diante de diferentes contextos sociais marcados pela desigualdade, violência e pelos desafios cotidianos nas comunidades. Por meio da música e da dança, expressam sua cultura e fortalecem os laços de socialização”, evidencia o Professor Bira.
“O samba duro serve como base para a expressão artística e a celebração da nossa cultura — da cultura negra em Salvador, desta rica herança afro-diaspórica”, destaca o especialista.
O professor ainda reforça que “o samba junino também se afirma como uma manifestação cultural que valoriza a história e a identidade do povo negro, reafirmando nossa resistência e preservando tradições e saberes, tanto orais quanto materiais. Sendo uma força que nos fortalece até hoje”. Por fim, o educador exalta a relevância da manifestação cultural.
“A importância está justamente na manutenção da cultura, da religiosidade e da identidade cultural do povo negro”, conclui Bira.
Por Bruna Rocha
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