O Brasil quer aproveitar a presidência rotativa do Brics, que ocupa neste ano, para tentar destravar uma pauta histórica de países em desenvolvimento: a facilitação de transações financeiras internacionais para incrementar o comércio exterior.
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A ideia não passa pela criação de uma moeda comum — como chegou a ser aventado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que dirige o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), chamado de Banco do Brics — nem tem como objetivo buscar uma alternativa ao dólar nos pagamentos transfronteiriços, apesar de declarações do presidente Lula nesse sentido, dizem integrantes do governo.
A aposta é usar a tecnologia blockchain, base das criptomoedas, para aumentar a eficiência dos contratos de importação e exportação e reduzir os custos dos pagamentos entre os países do bloco, que recentemente ganhou novos membros além dos cinco originais, que são Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul. O bloco atualmente conta também com Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia.
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Essa discussão se insere no eixo de facilitação do comércio e investimentos entre os países do Brics, um dos seis temas prioritários da presidência brasileira. Autoridades envolvidas nas discussões afirmam que não é interesse do Brasil ou dos outros integrantes do grupo prejudicar um sistema de trocas internacionais que funciona hoje, ainda que de forma ineficiente e cara.
Garantem também que a proposta não tem ninguém como alvo, tampouco mira antagonizar o presidente dos EUA, Donald Trump.
No seu retorno à Casa Branca, Trump demonstrou irritação com a ideia de o Brics buscar alternativas ao dólar em suas trocas comerciais. E ameaçou com tarifas caso o grupo deixe de lado o dólar, cuja posição como reserva global dá enorme vantagem aos americanos em relação a outros países, inclusive na capacidade de impor sanções financeiras a alguns integrantes do Brics, como Rússia e Irã.
— Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.
Luiz Inácio Lula da Silva
“Vamos exigir um compromisso desses países aparentemente hostis de que eles não criarão uma nova moeda nem apoiarão qualquer outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, caso contrário eles enfrentarão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA”, escreveu Trump no fim de janeiro na rede Truth Social, declaração parecida à que deu no Salão Oval em resposta a perguntas de jornalistas.
Uma autoridade brasileira envolvida com o tema diz que o foco do Brasil não é enfraquecer o dólar — muito menos provocar Trump a escalar sua já iniciada guerra comercial — e sim a criação de um sistema seguro e eficiente que permita facilitar o comércio e o fluxo de capital no mundo.
O tema se insere em um contexto mais amplo de reforma da governança global para tornar o sistema financeiro mais propício aos países em desenvolvimento. Ainda não há definição se esse modelo ficaria restrito ao Brics, ou limitado a alguns membros do grupo, ou se seria aberto a outros países.
Só se for ‘palatável’
O governo brasileiro tem consciência de que essa é uma agenda de longo prazo, mas autoridades dizem que nada impede chegar a um consenso sobre o tema na reunião dos chefes de Estado do Brics deste ano, que acontecerá em julho, no Rio de Janeiro. Vai depender, sobretudo, de se encontrar uma via “palatável” e segura em relação aos EUA.
Nesse sentido, a ideia é aproveitar a experiência das criptomoedas e construir uma estrutura com base na tecnologia blockchain que permita reduzir os custos de transação e aumentar a eficiência nas trocas financeiras entre países.
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O assunto é tocado pelo Banco Central (BC), mas também tem participação do Ministério da Fazenda. O BC vem testando tecnologias para colocar de pé o Drex, uma versão digital do real que rodaria em uma rede blockchain. Um dos casos de uso é justamente a facilitação de pagamentos internacionais.
O problema é que o BC está enfrentando mais dificuldades do que o previsto para encontrar uma solução tecnológica que atenda a todos os requisitos de segurança e privacidade. “Conclui-se que é necessário maior aprofundamento para garantir a adequação da plataforma aos requisitos de privacidade, proteção de dados e segurança”, informou o BC sobre a primeira fase dos testes do Drex.
Outra possibilidade discutida no BC para a facilitação de pagamentos transfronteiriços é por meio de integração de sistemas similares ao Pix. Há dificuldades também em relação à governança de cada país e temores sobre aspectos soberanos.
O tema das transações financeiras já fez parte das últimas reuniões do Brics. Em 2023, após a cúpula realizada na África do Sul, Lula disse que o grupo discutia a criação de uma moeda que possibilitasse trocas comerciais entre os países sem precisar passar pelo dólar.
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No ano passado, em participação por videoconferência na cúpula do Brics que ocorreu em Kazan, na Rússia, o petista voltou ao tema. Na ocasião, ainda antes da eleição de Trump, Lula afirmou que a escalada protecionista no mundo reforça a importância de medidas para reduzir os entraves à integração econômica do bloco de países emergentes.
— Não se trata de substituir nossas moedas, mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional — disse o presidente, defendendo também que os bancos de desenvolvimento do bloco estabeleçam linhas de crédito entre si em moedas locais para cortar custos de transação para pequenas e médias empresas.
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