Se em Portugal tivesse trabalho como aqui, nem pensava duas vezes

Vinte anos depois, Joana Borja está de volta à representação em Portugal. A atriz que fez sucesso nos ‘Morangos com Açúcar’ enquanto Lola Barros entra agora na série ‘Sempre’, sobre o 25 de Abril, e interpreta Juliana, uma líder e uma pessoa protetora dos seus amigos e das suas raízes, que não tolera injustiça nem ignorância ou desrespeito. 

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, faz um balanço dos 17 anos a viver em Inglaterra, e revela o desejo de voltar a Portugal, onde vive a família. 

“Se eu soubesse que em Portugal podia ter tanto trabalho quanto aqui, nem pensava duas vezes. Viver em Portugal é o sonho”, afirma, lamentando haver ainda poucos papéis para atrizes e atores negros.

Vi sempre as histórias contadas do 25 de Abril, mas nunca na perspetiva da pessoa negra ou das colónias

O que nos pode contar sobre a série Sempre e sobre o seu papel, Juliana?

A série foi uma surpresa muito boa porque eu vivo em Inglaterra e já não trabalhava em Portugal desde os ‘Morangos com Açúcar’. Recebi o convite do realizador Manuel Pureza, com quem eu queria trabalhar há já muito tempo, e claro que tinha um certo receio. As coisas mudaram muito em 20 anos e eu não conhecia ninguém. Mas foi uma das melhores experiências que podia ter tido porque tanto a equipa, como os atores, como a história, foram uma surpresa. Não estava à espera que incluíssem uma Juliana. Normalmente vemos sempre os mesmo heróis do 25 de Abril e esta série conta a história dos heróis dos quais não se costuma falar. 

E, para mim, valeu a pena voltar a casa assim, sem dúvida.

É-lhe importante ou simbólico que o tema da série seja o 25 de Abril?

Claro, porque o meu orgulho em ser portuguesa é uma coisa que eu nem tenho palavras para explicar. Tendo nascido em Portugal, vi sempre as histórias contadas do 25 de Abril, mas nunca na perspetiva da pessoa negra ou das colónias – a minha família, inclusive, estava em Moçambique na altura. Por isso, quando me foi feito o convite, não duvidei. Acho que estava na hora de se incluir esse lado da história. O cuidado com que foi escrito e como a Juliana entrou nesta história orgulha-me muito. 

Joana Borja na série ‘Sempre’© Carolina Frazão  

Participou nos ‘Morangos Com Açúcar’, há 20 anos. Qual a melhor memória desses tempos?

Já não me faziam essa pergunta há muito tempo. Para além de o recordar como o meu primeiro trabalho na indústria, a melhor memória está associada às pessoas com quem trabalhei. Mas também o facto de ser tão ingénua relativamente à indústria, o que significa que quase nada me atingiu. Éramos uma família muito unida e eu gostava genuinamente de ir trabalhar. Dessa altura recordo-me ainda da disciplina que nós todos ganhámos e ainda hoje em dia, em qualquer parte onde trabalhe, lembro-me de coisas que aprendi quando estava nos ‘Morangos’.  Foi mesmo um projeto que guardo no coração, que teve um sucesso que ninguém estava à espera. 

Quando saí dos ‘Morangos’, comecei a receber muitas respostas em como as agências e pessoas que queriam trabalhar comigo, mas não tinham papéis para me dar. Não tinham papéis para atores negros

Falou na ingenuidade sobre a indústria. Ganhar consciência foi o que a levou a querer sair de Portugal?

Sim. Quando saí dos ‘Morangos’ foi quando tive noção da diferença entre ser atriz e ser atriz negra. Por ser tão nova, antes não sabia distinguir nem via essa diferença. Mas quando saí dos ‘Morangos’, comecei a receber muitas respostas em como as agências e pessoas que queriam trabalhar comigo, mas não tinham papéis para me dar. Não tinham papéis para atores negros. Era muito nova e na altura não levei a mal, mas de facto foi o que me levou a sair. Não havia trabalho para mim. E decidi experimentar, mas no final de contas aqui havia muito mais trabalho para mim. 

Agora, voltar 20 anos depois, para uma série com uma mensagem tão importante, com um papel para mim, fez-me ver que as coisas estão a mudar. 

Estão a mudar e ainda têm mais espaço para mudar? O que acha que falta ser feito?

Acho que Portugal tem de ter essa conversa. A diferença está aí. Aqui [Inglaterra] discute-se o tema e em Portugal ainda não – muito menos naquela altura. Porque há tantos atores de tantas etnias. Não só a minha. Há espaço para uma representação asiática, brasileira… tantas. Mas acho que as coisas estão a mudar. Estamos, por exemplo, neste preciso momento, a falar sobre o tema. Mas fale-se mais, porque ainda há espaço. Contudo, acho que a indústria está a fazer o seu papel e as coisas estão a mudar.

Se eu soubesse que em Portugal podia ter tanto trabalho quanto aqui, nem pensava duas vezes. Viver em Portugal é o sonho.

Aos 18 anos, como foi sair do país? Como foi essa mudança?

Desde cedo que tive aulas de dança, porque era algo que gostava de fazer. Fiz a audição para a Royal Academy of Dance, e tirei esse curso até aos 16 anos, pelo que tinha essa bagagem já antes dos ‘Morangos’. Os ‘Morangos com Açúcar’ abriram-me portas para a representação, mas a dança ficou sempre. 

Portanto, quando me mudei, achava que falava muito bem inglês, mas, afinal, não falava nada. Candidatei-me à faculdade e vi-me com dificuldades, pelo que fui tirar a faculdade de dança. Durante três anos estudei numa área que gostava, mas onde não precisava tanto de usar o inglês e só passado uns quatro anos estava confiante com o meu inglês. Mas, em retrospectiva, quando me mudei, a cultura e a língua foram mesmo as maiores dificuldades. Vim estudar por três anos e fui ficando, já lá vão 17. 

Entrou na mítica série ‘Doctor Who’, dançou em concertos de Ed Sheeran, e fez teatro em Londres. Em que papel se sente mais completa? Como atriz ou como bailarina?

Como atriz, sem pensar duas vezes. A dança sempre foi uma forma de me exprimir quando as palavras não eram suficientes, e acho que a minha mãe introduziu-me essa forma de exprimir muito cedo e fez muito bem. Consegui usar a dança muito bem na minha vida. Mas quando fui para os ‘Morangos’, soube que era o que queria fazer, a representação – senti-me melhor a incorporar outra pessoa. Nunca deixei a dança, mas de facto a representação é onde me sinto mais completa. Enquanto bailarina, faltava-me sempre qualquer coisa. Estava a fazer uma tournée para a Bebe Rexha e lembro-me de estar no palco e não em sentir realizada, não estava feliz. E foi aí que soube. Depois entrei numa escola mais dedicada a atores de diferentes etnias e senti-me em casa. O que nos fazia únicos era sermos diferentes e trouxe-me a confiança que precisava.

Dizia há pouco que gostava de voltar para Portugal. Isso é uma das coisas que faz falta para voltar, o trabalho na diferença? 

Sim. Quando entrei nos ‘Morangos’ a minha família estranhou imenso eu querer ser atriz. Porque não havia muitas atrizes negras. Agora, se houvesse mais, se houvesse mais iniciativas como as que descrevi, eu voltava. Porque o que se faz hoje em Portugal tem imensa qualidade. Há mais oportunidades. Mas assusta-me pensar tudo de novo. Eu já não sou a rapariga dos ‘Morangos’, e o ‘Sempre’ para mim é a estaca zero. 

As pessoas em Portugal têm um coração maior. E se nos fossem dadas as oportunidades e o dinheiro, faríamos coisas de outro mundo. 

Algum novo projeto que possa partilhar connosco?

Ainda não parei de trabalhar desde o início do ano e de facto vêm aí dos projetos dos quais me orgulho muito, em Inglaterra, mas ainda não posso falar sobre nenhum deles. Comecei o ano com o ‘Sempre’, super entusiasmada, mas em breve vêm aí coisas novas.  

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