Um novo caso de violência sexual sobre uma menor de 17 anos, que acabaria por morrer no hospital, voltou a colocar o abuso sexual sobre menores no centro do debate no país.
A violação sexual e o abuso sexual de menores constituem cerca de 50% dos crimes praticados em São Tomé e Príncipe.
“Tenho três meninas, uma tem dois anos e as duas recentes têm três meses, elas são gêmeas. Eu fui violada duas vezes, a primeira vez quando eu tive 13 anos, eu andava virgem”.
Há registo de vários casos envolvendo figuras públicas e dirigentes políticos.
“A SOS Mulher, associação de defesa das vítimas, lamenta a impunidade perante o aumento das denúncias. Há uma grande impunidade, nós trabalhamos, nós sentimos isso, presenciamos, a sociedade sente que há impunidade e o que acontece quando há impunidade e há essa sensação de impunidade, o crime vai aumentar com certeza”.
O Ministério Público São Tomé se reclama meios para obtenção de provas.
“Nós não temos meios científicos, por exemplo, de perícias médico-legais, há muita dificuldade, como eu disse, a própria demora na tramitação desse processo pode comprometer o próprio processo, porque uma denúncia apresentada hoje para a ofendida e as testemunhas eventualmente existirem, serem ouvidas daqui a seis meses, um ano, obviamente que dificultará ainda mais a produção de provas, sobretudo quando esses crimes acontecem no meio familiar, onde as ofendidas, as vítimas, podem ser sujeitas a outro tipo de pressões, a intimidações que acabam por comprometer a veracidade da prova”.
Nos últimos dois anos, a SOS Mulher acompanhou famílias de mais de 120 vítimas de abuso sexual.
A mãe de uma vítima de 16 anos falou com a RDP África.
“Ela arranjou problema mental, eu acho que se preocupou muito, já não estuda, então estamos no tratamento, começamos com psicóloga, quando eu comecei a ter desconfiança, porque o comportamento mudou completamente, então começamos com psicóloga, depois de lá complicou-se tudo”.
Na SOS Mulher, há duas psicólogas que acompanham as vítimas de abuso sexual.
“Distinguimos aqui os níveis de vítima, temos a vítima primária, que é a criança, e depois temos a vítima secundária, que é todo o entorno à volta da criança, que em São Tomé sabemos que vive com mãe, ou vive com pai, ou vive com avós e tios, portanto todas estas pessoas que fazem parte do agregado e que vivenciaram o crime, são tendencialmente chamadas para consulta, para que cada um traga um contributo que tendencialmente é positivo e que ajuda na melhoria desta criança, integração posterior”.
A prática dos crimes de violação sexual e abuso sexual de menores tem sido cada vez maior ano após ano.
A SOS Mulher pede mais proteção para as vítimas que, geralmente, são crianças de famílias vulneráveis.
“Nós temos uma criança que sofreu tentativas de violência sexual, perdeu audição, perdeu visão, tem problemas respiratórios graves, tem problemas na cabeça. Quem é que assegura os direitos dela? Ninguém. Aconteceu no Estado, o agressor não tem condições de pagar essa multa e o Estado também nada faz”.
Nos últimos meses, tem aumentado o número de detenções e condenação por abuso sexual de menores.
Entre o novo grupo de detidos por abuso e violação sexual de menores na Ilha do Príncipe está o diretor regional da Polícia Judiciária, acusado de ter abusado sexualmente e engravidado uma menor de 14 anos.
A RDP África perguntou ao Procurador-Geral da República se este caso não fragiliza as instituições envolvidas no combate ao abuso e violação sexual de menores.
“Fragilizaria se não houvesse uma resposta imediata. O primeiro passo foi dado pela própria Polícia Judiciária, pela direção da Polícia Judiciária, que tomou a iniciativa e apelou-nos no sentido de ajuntarmos a eles e fazer uma demonstração de que, mesmo se for entre nós, temos que a partir de fazer uma ação penal efetiva”.
Kelvin Nobre Carvalho mencionou, entretanto, inúmeras ações desenvolvidas nos últimos meses pelo Ministério Público com vista à denúncia e combate desses crimes.
“Em 2024, na secção de crimes sexuais e violência doméstica, nós tivemos 704 processos. Destes 704 processos, 174 eram de crimes de abuso sexual e 55 atos sexuais com adolescente”.
Números preocupantes para um país de cerca de 210 mil habitantes, admitiu o Procurador-Geral da República.
A RDP África também conversou com a Diretora-Geral dos Serviços Prisionais e Reinserção Social, Nair Tamata.
“O maior número de crimes que nós temos aqui é o crime mais falado no momento, que é o abuso sexual. Está em primeiro lugar. O segundo, o furto, homicídios e depois outros”.
Mas, desde quando é que o abuso sexual passou a ser o primeiro crime com mais presença na cadeia?
“Desde o ano passado. Significativamente, com o aumento das denúncias, esse crime tomou lugar do furto”.
Dos mais de 300 presos no país, cerca de 100 praticaram o crime de violação e abuso sexual.
“Os juízes estão a ter mão pesada com os agressores. Acredito que já há um ano por aí que esta luta passou a ser a luta de toda a gente, mesmo nas instituições públicas. Então, temos exemplos agora de muitos que foram condenados a 25 anos de prisão, que é a pena máxima permitida pela lei. Então, acredito que sim. E quase todas as semanas temos condenações de casos de abuso sexual e violência sexual em geral”, diz Edmara Trigueiros, atual coordenadora de SOS Mulher.
Óscar Medeiros – Correspondente RDP África em São Tomé e Príncipe
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