A celulite necrotizante é uma das principais causas de internamento hospitalar em São Tomé e Príncipe. No mês de Janeiro, o serviço de cirurgia geral do Hospital Ayres de Menezes acolheu 22 pacientes. Trata-se de uma doença de fácil diagnóstico e tratável com recurso a antibióticos, todavia o diagnóstico tardio, muitas vezes por falta de informação e recurso a tratamentos tradicionais, culmina em internamento e em cirurgia para retirar os tecidos destruídos pela infecção.
A celulite necrotizante é uma das principais causas de internamento hospitalar em São Tomé e Príncipe. Posição que partilha com a hipertensão e a diabetes. No mês de Janeiro, o serviço de cirurgia geral do Hospital Ayres de Menezes acolheu 22 pacientes, 12 mulheres e 10 homens.
A celulite necrotizante não é uma doença contagiosa, manifesta-se sob a forma de úlcera na pele que evolui de forma rápida e profunda. É de fácil diagnóstico e tratável com recurso a antibióticos, todavia o diagnóstico tardio, muitas vezes por falta de informação e recurso a tratamentos tradicionais, culmina em internamento e em cirurgia para retirar os tecidos destruídos pela infecção.
O médico são-tomense Jailson Vasconcelos alerta para a necessidade de um diagnóstico precoce, como melhor resposta para a doença, que com recurso a antibióticos permite “uma boa recuperação” “em menos de 5 a 7 dias”.
RFI: O que é a celulite necrotizante?
Jailson Vasconcelos, médico são-tomense: A celulite necrotizante é uma das formas de apresentação da celulite. É uma infecção da pele e tecidos moles, que inclui a parte da gordura, a parte dos músculos, tendões, até os nervos dos vasos sanguíneos. Esta infecção é causada principalmente por uma bactéria, que é a bactéria estreptococos e também pode ser causada por uma outra bactéria comum que habita na nossa pele, que é o estafilococo.
A celulite aguda é aquela em que o paciente tem a pele inflamada, tem dor, tem vermelhidão. Na celulite sobreaguda o paciente tem bolhas nas pernas e umas lesões mais profundas. Já a celulite necrotizante não é uma lesão somente superficial, é mais profunda e pode alcançar também a capa do músculo, até mesmo o músculo. Trata-se de uma lesão mais grave e mais profunda e a recuperação do paciente é mais demorada.
É uma doença do foro dermatológico?
Não, necessariamente. Quando afecta somente a pele, chamamos de celulite aguda e médicos dermatologistas podem dar atendimento. Mas quando já é um pouco mais profunda, a infecção pode tornar-se grave e fazer uma infecção mais grave e pode pôr em causa a vida do paciente. Nesses casos, dessas lesões profundas, o cirurgião é que deve dar atendimento e um dos tratamentos é o deslizamento, é tirar aquela zona que foi destruída pela infecção. Normalmente isso se faz numa sala operatória, num bloco.
É uma cirurgia?
Geral, uma cirurgia, sim.
Qual é a causa desta doença?
É uma infecção causada por uma infecção que se inicia na pele por uma lesão. Na nossa pele temos bactérias, todo mundo tem bactérias que habitam na pele de forma permanente e algumas de forma transitória.
Então, se eu tiver, por exemplo, um arranhão na minha perna, as bactérias que habitam a minha pele entram através desta ferida, colonizam aquela área e fazem uma infecção.
Mas, de forma geral, se o meu sistema de defesa não for competente o suficiente, este pequeno arranhão, esta pequena ferida, é o suficiente para que a infecção se torne maior, infecta os vasos sanguíneos, os vasos linfáticos e seja algo um pouco mais grave. Então é uma infecção que acontece quando nós estamos imunodeprimidos, principalmente.
Esta infecção acontece porque as defesas do organismo estão em baixo. Mas existem outros factores? A falta de higiene também pode ajudar no agravamento da infecção?
Sim, aí estão os factores de risco. Aqui no nosso país, em São Tomé e Príncipe, ultimamente, no mês de Janeiro, tivemos no nosso serviço Cirurgia Geral na parte infecciosa, 22 pacientes internados, sendo 12 do sexo feminino, dez masculinos.
Nós, observando esses pacientes, chegamos a alguns factores de riscos mais frequentes que levam a desencadear um quadro de celulite ou também chamada disfagia. Entre eles estão os pacientes portadores de HIV, os pacientes seropositivos, com anemia, mal nutridos, os pacientes com má higiene e os pacientes diabéticos. São principalmente estes os factores de risco que temos dado conta no nosso serviço.
Aqueles que estão imunocompetentes dificilmente vão desenvolver um quadro infeccioso como este. Mas os que são imunodeprimidos, como os pacientes seropositivos que não fazem o tratamento, os malnutridos, os diabéticos ou os com pouca higiene, são os que mais sofrem desta infecção.
É uma infecção, de alguma forma, contagiosa?
Não, não é. São pacientes em que por factores de risco como os que mencionei, uma pequena porta de entrada na nossa pele ou uma pequena lesão é o suficiente para essas bactérias se multiplicarem e causarem esta infecção, mas não é de nenhuma forma transmissível.
No início falava-se que a celulite necrotizante afectava mais homens que mulheres. Neste momento, em 22 pacientes internados, há 12 mulheres e dez homens. Há aqui uma inversão do sexo dos pacientes infectados?
Neste caso, isto varia bastante, porque hoje em dia já está mais equilibrado. Do que nós vimos aqui, como as lesões frequentemente são nos membros inferiores, nós acreditamos que as senhoras que passam mais tempo em casa fazendo tarefas diárias, muitas vezes não andam com calçado adequado, vão – ao que nós chamamos aqui – às roças ao mato, buscar lenha, por exemplo, para cozinhar, fazer as suas actividades diárias são as que mais sofrem pequenas lesões. Acreditamos que seja esse o motivo de serem mais elas, que tenham mais lesões nos membros inferiores e assim desenvolvam também a celulite.
Há alguns distritos que sejam mais afectados que outros, algumas profissões que sejam mais afectadas que outras?
Esses estudos já foram feitos. Alguns indicam que a zona do distrito de Água Grande é um dos mais atingidos. Mas quanto a profissões e outros factores de risco, ainda não chegamos a uma conclusão.
Neste ano, algumas instituições estão fazendo um estudo mais profundo para determinar os factores de risco, principalmente, porque a causa já sabemos que é infecciosa, mas estamos buscando factores que levam a que algumas pessoas tenham e outras não.
Mas no nosso caso, pelo menos no serviço hospitalar, já demos conta que é mais a questão da imunodeficiência relacionada com factores socioeconómico, como a pobreza. O custo de vida agora também está elevado, as pessoas não têm como ter uma dieta mais equilibrada para poder também estar bem nutridas.
Mas quanto às profissões, ainda não estamos tão seguros assim. Mas todas aquelas profissões que põem em risco principalmente dos membros inferiores, como carpinteiros, pedreiros, os pescadores, as pessoas que trabalham nas roças, nos campos, são as que mais estão susceptíveis a sofrer lesões nos seus membros inferiores e a partir dessa lesão, se não estiverem com uma boa defesa, vão desenvolver possivelmente uma infecção desta ferida.
Há tratamento? Há cura para a celulite necrotizante?
Sim, o diagnóstico é feito de uma forma clínica. É fácil de diagnosticar. Como tratamento, normalmente, nós utilizamos os antibióticos do grupo Beta-Lactâmicos, as penicilinas, principalmente, e tem tido uma óptima resposta. E o paciente tem em menos de 5 a 7 dias, já tem uma boa recuperação, pelo menos naqueles casos de celulite aguda.
Aqueles casos que necessitam de uma intervenção cirúrgica são os que mais levam tempo na estadia hospitalar. Mas a resposta tem sido óptima quanto ao tratamento.
Normalmente o paciente fica completamente curado?
Aqueles casos leves sim, mas as celulites sobreaguda e necrotizante, alguns pacientes ficam com sequelas. E isto porque há uma lesão do sistema linfático. Então muitos desses pacientes ficam com o que nós chamamos mais tarde de linfedema, é como se fosse uma alteração crónica do sistema linfático que ajuda na drenagem de todo o organismo. E por esta lesão linfática e também dos vasos sanguíneos, no caso das veias, o paciente fica com uma alteração ao nível dos pés, ou seja, a perna fica um pouco mais inchada cronicamente. Não há uma regressão total do quadro, o quadro infeccioso passa, mas o paciente pode ficar com edemas, que são pequenas inflamações nos membros inferiores e algumas lesões na pele, de forma crónica.
Não pode levar de forma alguma à morte?
Pode sim levar [à morte] nos casos graves como a celulite necrotizante, se o paciente não vier a tempo. Porque muitos pacientes ainda têm a tendência de fazer um tratamento tradicional e é quando o quadro já está mais grave que eles vêem.
No ano passado só tivemos registo de um falecido que era um paciente maior de 70 anos e também tinha outras comorbidades, como diabetes e hipertensão, que faz com que o quadro não tenha uma boa evolução. O paciente chegou tarde ao hospital e não teve uma boa resposta e acabou, infelizmente, de fazer uma uma sépsis generalizada e faleceu. Mas foi o único caso que tivemos.
Os pacientes jovens têm tido uma boa resposta, mesmo nos casos de celulite necrotizante no estado mais grave normalmente têm uma boa resposta.
O estado da saúde, o estado da medicina em São Tomé e Príncipe tem capacidade de resposta para os casos que têm estado a aparecer?
Sim, temos tido sempre. Baseamo-nos no diagnóstico clínico, não há necessidade de fazer uma amostra, pelo menos nós não temos condições para fazer um estudo bacteriológico. Nós guiamo-nos mais pela clínica e pelo estudo que já se fez, há muito tempo, que indica que as causas principais são as bactérias, nesse caso estreptococos e estafilococos. Então, põe-se em marcha um tratamento que possa abranger essas bactérias, e isso nós temos.
Estamos a dar uma boa resposta a nível hospitalar. Nós temos um departamento, uma sala que é somente para esses casos e estamos dando uma boa resposta. Os pacientes estão a recuperar bem.
A única problemática prende-se com o aumento de casos, ultimamente temos tido quatro internamentos por semana, mas todos estão sendo bem atendidos.
Mas esses internamentos acontecem também por aquilo que disse há pouco, ou seja, porque o diagnóstico é traçado muito tarde, porque o paciente já chega tarde ao hospital?
Muitas vezes os casos que se complicam deve-se a isso, os pacientes preferem fazer um tratamento ambulatório e quando chegam apresentam um quadro mais avançado e complicado. Mas mesmo aqueles que chegam assim, temos dado uma boa resposta. Por isso os casos de óbito são poucos.
A celulite necrotizante é efectivamente a principal causa de internamento hospitalar em São Tomé e Príncipe?
É uma das causas, por vezes é uma das principais. Mas neste momento, como está a partilhar a posição juntamente com os pacientes hipertensos, as emergências hipertensivas e também com os casos de diabete descompensada.
Tanto a hipertensão como a diabetes são doenças crónicas que aqui no nosso país, os pacientes, pela falta possivelmente do conhecimento, falta de educação na saúde, não controlam bem a sua doença, então são os que mais se descompensam e têm dado entrada no nosso banco de urgência.
Diabetes, hipertensão e agora os casos de celulite, principalmente, que temos tido praticamente semanalmente quatro até sete ou oito casos, são vistos no banco de urgência e quatro casos são internados semanalmente.
Que conselhos é que deixa para potenciais pacientes?
O primeiro conselho é de que desde que vejam alguma alteração em qualquer parte do corpo, mas principalmente nos membros inferiores, depois de um trauma, alguma ferida que teve, nota que a perna está inchada, avermelhada, com muita dor, que não espere, que busque rapidamente o serviço de saúde e ali vai ser bem tratado e evitar complicações.
Os pacientes, principalmente os diabéticos, seropositivos e os pacientes anémicos, também devem prestar muita atenção ao seu estado de nutrição, à sua higiene, aos seus pés, principalmente nos casos de diabéticos e a mínima lesão que tiverem, devem procurar atenção médica para evitar males maiores.
Crédito: Link de origem
Comentários estão fechados.