Rotas de Integração econômica na América do Sul e os impactos sobre o mundo do trabalho

O Brasil lidera as iniciativas de implementação de cinco rotas de Integração e Desenvolvimento Sul-Americano, desde quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a formalizou no evento Consenso de Brasília, que reuniu líderes dos 12 países da América do Sul, em maio de 2023.

O Ministério do Planejamento e Orçamento, após consulta aos 11 Estados brasileiros que fazem fronteira com os países da América do Sul, projetou cinco rotas que fazem o Brasil chegar ao oceano Pacífico. Os objetivos dessas rotas são incentivar e reforçar o comércio do Brasil com os países da América do Sul, reduzir o custo e o tempo de transporte de mercadorias entre o Brasil e seus vizinhos e chegar a Ásia através do Pacífico. Há, entretanto, enormes desafios ambientais e sociais para serem superados no desenho dos projetos e na sua implementação.

Participei no dia 23 de abril passado do “Encontro de Alto Nível Brasil-Chile sobre a Rota 4 – Bioceânica de Capricórnio”. Neste artigo apresento essas cinco rotas de integração[1] e destaco os impactos e desafios trabalhistas e sociais.

As rotas

1. Eixo Peru–Brasil–Bolívia

(Interoceânico Central) Este eixo conecta o Norte e o Centro-Oeste do Brasil aos portos do Pacífico no Peru, por meio de território boliviano. A rota passa por Rondônia e Acre, cruza Cobija e La Paz (Bolívia), até os portos de Ilo e Matarani, no sul do Peru, realizada pela rodovia Interoceânica Sul, BR-364, conexões viárias e aduaneiras com Bolívia e Peru. O objetivo é reduzir o tempo e o custo de escoamento de produtos do Norte do Brasil (agronegócio, minérios, produtos florestais) para a Ásia, dinamizando a economia amazônica.

2. Eixo Andino Sul

Este eixo conecta o sul do Brasil à costa do Pacífico por meio de Uruguai, Argentina e Chile. A rota passa por Porto Alegre, Montevidéu, Buenos Aires e Santiago, alcançando o porto de Valparaíso. Isso se fará através de rodovias binacionais, pontes internacionais, travessias andinas, integração ferroviária e portuária. O objetivo é integrar os centros urbanos e produtivos do Cone Sul e fortalecer os fluxos comerciais sul-americanos.

3. Eixo Amazônico

Trata-se da rota mais desafiadora, dada sua localização geográfica e os entraves ambientais. Liga Manaus e Porto Velho aos países andinos, com destaque para o Peru (Iquitos, Pucallpa) e Equador. Realizada por meio de hidrovias nos rios Madeira, Solimões e Amazonas; portos fluviais; aeroportos logísticos; infraestrutura aduaneira em Tabatinga e Letícia. O objetivo é integrar a região amazônica com os países andinos por meio de transporte fluvial, aéreo e terrestre, promovendo conectividade, soberania e inclusão territorial.

4. Eixo Mercosul–Chile (Eixo Porto Alegre–Coquimbo)

Essa rota busca interligar o sul industrial brasileiro (Porto Alegre, Caxias do Sul) com o porto chileno de Coquimbo, passando por Córdoba e San Juan (Argentina), atravessando os Andes por meio do Túnel de Água Negra, rodovias BR-290 e BR-101 e integração com a malha argentina. O objetivo é criar uma alternativa eficiente de acesso ao Pacífico para o Cone Sul, facilitando exportações industriais brasileiras.

Eixo de Capricórnio (Corredor Bioceânico Vial) (5)

O Presidente Gabriel Boric e a Ministra Simone Tebet apresentaram no evento o Corredor Bioceânico Vial, destacando-o como um dos projetos de infraestrutura mais estratégicos da América do Sul na atualidade. Idealizado como uma rota de integração física e econômica entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico, o corredor visa conectar, por meio de rodovias modernas, os portos de Antofagasta e Iquique, no norte do Chile, aos centros produtivos do Brasil, atravessando o Paraguai e o norte da Argentina.

O traçado principal do corredor bioceânico parte de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, passa por Porto Murtinho, cruza o rio Paraguai por meio da ponte internacional em construção até Carmelo Peralta (Paraguai), atravessa o Chaco paraguaio por meio da Ruta Bioceánica, segue por Pozo Hondo (fronteira com a Argentina), passa pelas cidades argentinas de Tartagal e Jujuy e chega aos portos chilenos por meio da travessia andina de Paso de Jama. Trata-se de um corredor com cerca de 2.200 km de extensão, atravessando quatro países e múltiplas regiões com baixa densidade econômica.

Além da rota rodoviária principal, há propostas complementares em estudo, como a implantação de uma rota ferroviária intermodal, bem como o fortalecimento da infraestrutura portuária, aduaneira e logística ao longo do trajeto.

Impactos sobre o mundo trabalho e as comunidades

Os efeitos multiplicadores sobre a economia, a atividade produtiva e a integração regional foram destacadas pelos governos brasileiro e chileno e pelos empresários dos dois países presentes no evento. Indico a seguir alguns dos potenciais impactos sobre o mundo do trabalho, em especial, para a demanda de empregos.

  • Profissionais para a elaboração dos inúmeros projetos de todas as obras a serem construídas, tanto no trabalho de campo de mapeamento do território em termos de topografia e geotecnia, mensuração dos impactos sociais e ambientais, bem como no desenho e planejamento de cada uma das obras de infraestrutura.
  • Serão milhares de empregos para a execução de cada uma das fases de construção pesada das obras de pavimentação, pontes, túneis, acessos e aduanas; na ampliação dos portos, espaço de logística e obras civis especializadas.
  • Profissionais para as atividades de permanente conservação e manutenção de todos os modais de transporte e infraestrutura.
  • Maior demanda de força de trabalho nos portos de embarque e desembarque de mercadorias.
  • As rotas integrarão regiões com baixa densidade econômica que poderão ter impulso produtivo para desenvolver, produzir e escoar sua produção, com extensa demanda de postos de trabalho. A maior circulação de bens, pessoas e capital induz crescimento em cidades e vilas situadas ao longo do corredor. Entre os principais efeitos induzidos sobre o emprego, destacam-se:Comércio local e serviços, com restaurantes, hospedagens, oficinas, postos de combustível e pequenos comércios tendem a se multiplicar, especialmente em pontos estratégicos da rota.
    Construção civil urbana, com a expansão de cidades impulsiona obras residenciais, comerciais e de infraestrutura urbana.
    Setores sociais, com o aumento populacional cria demanda por serviços públicos de educação, saúde, segurança e assistência social.
  • A ampliação da capacidade e das atividades de transporte em todos os modais exigirão novas contratações.
  • Inúmeras e múltiplas atividades para a operação e dinamização das cadeias produtivas conectadas a cada um dos corredores, ampliando a demanda e as oportunidades de crescimento e geração em emprego. Com a melhoria da infraestrutura logística, setores produtivos nos quatro países tendem a ganhar competitividade.

Desafios

Embora o Projeto Corredor tenha alto potencial de geração de empregos, há riscos importantes que exigem atenção e precaução. A precarização e a informalidade são características marcantes do mercado de trabalho na América Latina, colocando milhões em situação de desproteção social, trabalhista, previdenciária e sindical. Essa situação poderá ser ampliada se os projetos não vierem acompanhados de diretrizes estruturantes no sentido da geração de empregos de qualidade (bons salários, boas condições de trabalho, jornada de trabalho limitada), para o que será necessário políticas públicas para gerar efetividades em termos de proteção trabalhista e previdenciária, com proteção sindical incentivada para a organização e a negociação coletiva.

Outra perversa caraterística latino-americana são as graves desigualdades, entre elas, a regional. As rotas terão extensão de milhares de quilômetros com impactos sobre biomas complexos e sobre inúmeros municípios e comunidades de diferentes tamanhos. Os projetos devem ser acompanhados de políticas públicas direcionadas a atacar os problemas das desigualdades já existentes e aqueles que podem surgir ou ampliar-se, atuando para a promoção e distribuição dos efeitos positivos para todo o território e comunidades e impedindo a concentração nos grandes centros.

Promover as condições para que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam capacitados para assumir os postos de trabalho que serão oferecidos é tarefa constitutiva de todos os projetos de investimento. Para que os investimentos gerem empregos de qualidade nas diversas frentes de demanda, os Projetos das Rotas devem ser acompanhados de programas e políticas formação profissional contínua em todas as frentes que irão mobilizar da força de trabalho.

Por fim, esses projetos representam muito mais que rodovias internacionais. Trata-se de projetos que têm a vocação de realizar transformação estrutural, capaz de dinamizar economias regionais, gerar empregos em larga escala e fortalecer a integração produtiva sul-americana. Essa possibilidade potencial somente se materializará se houver efetividade em todas as dimensões em fases para enfrentar e promover os desafios sociais acima indicados.

Portanto, é essencial a atenção estratégica para que as escolhas sejam apoiadas em informações qualificadas, análises criteriosas, para gerar decisões e escolhas coerentes com os compromissos de sustentabilidade ambiental e social. Os impactos sobre todas as comunidades, com atenção especial as tradicionais, indígenas e assentamentos, sobre os territórios e áreas de proteção ambiental e sua biodiversidade, exigirá um cuidadoso processo decisório que ultrapassa em muito os aspectos econômicos e seus resultados. É fundamental que haja igualdade de importância para todos os demais aspectos socias e ambientais, com atenção especial para a região amazônica, exigindo complexos processos participativos e robustas medidas para garantir a qualidade socioambiental dos projetos.

Referências

[1] Para maiores informações recomendo o “Relatório 2024 – Rotas de Integração Sul-Americana”, disponível em https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/articulacao-institucional/rotas-de-integracao/relatorio-2024-rotas-de-integracao.pdf

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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