Reeleição de Noboa reforça desunião da América do Sul, que fica mais dependente de países ricos, diz professora – Brasil de Fato

A reeleição de Daniel Noboa no Equador expõe a intensificação da polarização política na América Latina e a crescente influência de discursos ligados à extrema direita. A avaliação é da professora Bárbara Nevez, doutora em Relações Internacionais pela UFSC e vice-coordenadora do Observatório de Regionalismo, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato, nesta segunda-feira (14).

“Curiosamente, Noboa se apresenta como de centro-esquerda, mas grande parte dos analistas o posiciona no centro-direita, com aproximações a discursos da extrema direita, como a militarização e o uso recorrente do estado de exceção”, afirma Nevez. O presidente reeleito tem buscado alinhar-se a figuras como o presidente da Argentina, Javier Milei, e dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo a professora, há indícios, por exemplo, de conversas sobre instalação de bases militares norte-americanas no Equador, o que ressoa com a ideia de Trump de “retomar o quintal” da América Latina.

Para Nevez, esse contexto de polarização enfraquece a capacidade de articulação política conjunta entre os países da região. “Em vez de fortalecerem-se conjuntamente diante dos desafios comuns, os países latino-americanos seguem fragmentados por ciclos ideológicos. Isso prejudica a formulação de planos regionais de longo prazo e nos torna mais vulneráveis a pressões externas, como dos EUA, da União Europeia ou da China.”

O Equador foi sede da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2018 com os 12 países da América do Sul, e participou de conselhos regionais que buscavam construir soluções coletivas para saúde, segurança e integração econômica. Com o desmonte do bloco a partir de 2018, Nevez avalia que o continente perdeu ferramentas importantes de articulação. “A pandemia é um exemplo claro. A ausência de um conselho de saúde regional dificultou o enfrentamento conjunto da crise.”

“Essa flutuação e esse distanciamento são problemas para pensarmos um futuro, escolhas e aproximações políticas e econômicas. Demonstra um aspecto de vulnerabilidade da região diante do mundo. Precisamos tentar um diálogo entre presidentes, pensar em formas de instrumentalizar mecanismos de integração regional, espaços de diálogo, para diminuir essa polarização e esses extremos. E isso seria muito importante principalmente agora, com o aumento da violência e o avanço do narcotráfico no Equador, da crise na Venezuela… São muitos elementos que podem e devem ser debatidos em conjunto”, avalia.

Dos 12 países sul-americanos, oito são governados por líderes de esquerda ou centro-esquerda: Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva), Colômbia (Gustavo Petro), Chile (Gabriel Boric), Bolívia (Luis Arce), Peru (Dina Boluarte), Venezuela (Nicolás Maduro), Uruguai (Yamandú Orsi) e Guiana (Irfaan Ali). Os quatro restantes têm governos de direita ou centro-direita: Argentina (Javier Milei), Paraguai (Santiago Peña), Equador (Daniel Noboa) e Suriname (Chandrikapersad Santokhi).

Desde 2018, a América do Sul tem experimentado uma série de mudanças políticas, o que demonstra a crescente polarização na região. Em 2019, o cenário estava dividido, com seis países governados por líderes mais alinhados à esquerda e seis à direita. Entre 2019 e 2023, cinco países — Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia e Peru — passaram a ser comandados por presidentes progressistas. Por outro lado, três nações — Argentina, Equador e Uruguai — trocaram governos de esquerda por líderes mais alinhados à direita, estreitando laços com projetos conservadores e neoliberais.

Insegurança e redes sociais moldam cenário político no Equador

Empresário jovem e herdeiro de uma das maiores fortunas do país, Noboa conseguiu capitalizar a imagem de outsider, segundo Nevez. “Ele representou uma promessa de algo novo frente à memória de escândalos de corrupção ligados ao ex-presidente Rafael Correa, que apoiou a candidata derrotada Luisa González. Essa rejeição ao passado e a defesa de uma política de ‘mão de ferro’ contra o narcotráfico mobilizou os eleitores.”

A violência foi central na eleição de 2023, após o assassinato do candidato Fernando Villavicencio. “Desde então, o medo passou a ser um instrumento de tensão na sociedade equatoriana. Então Noboa usa a questão de estado de exceção como instrumento para validar a própria política anti-narcotráfico que ele tem desenhado, grande forte da campanha dele”, explica a professora.

A professora chama atenção ainda para o impacto das redes sociais na popularização de discursos extremistas na região. “O algoritmo favorece a extrema direita. Mesmo candidatos que não se posicionam nesse espectro acabam se aproximando dessas pautas — como o combate à criminalidade e ao narcotráfico — para ganhar mais alcance”, afirma Nevez, traçando um paralelo com o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Brasil.

O presidente Daniel Noboa decretou estado de exceção em Quito e outras sete províncias neste sábado (12), véspera da eleição presidencial no país. Ele foi reeleito neste domingo (13) e terá mais quatro anos na gestão do país para dar continuidade a um governo que tem como pautas principais o neoliberalismo e o aumento da repressão. Ele recebeu 55,8% dos votos com 90% das urnas apuradas contra a candidata de esquerda, Luisa Gonzalez, que oficialmente recebeu 44,1% dos votos, mas não reconheceu o resultado, afirmando ter sido vítima de fraude eleitoral.

Lição para a esquerda latino-americana

Sobre o futuro da esquerda no Equador, Nevez aponta que a lição que fica é a necessidade de reinvenção. “A campanha de Luisa González trouxe pautas importantes, como maior controle estatal sobre setores estratégicos, combate à dependência do petróleo, e valorização dos povos originários. Mas sua imagem ficou atrelada ao ex-presidente Rafael Correa, o que desgastou sua candidatura. A esquerda precisa aprender com esse cenário: não basta olhar para o passado, é preciso pensar daqui para a frente.”

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