Quando pequena, Raffaella pegava em caixas vazias de medicamentos e imaginava ser dona duma farmácia. Hoje é uma cientista com uma ampla e complexa formação e empenhada em várias frentes: desde o papel da diáspora no desenvolvimento de Cabo Verde, da África, à transferência de saberes, ao contributo das mulheres empreendedoras ao progresso das ciências e da sociedade, com vista nas próximas gerações. É disto, e não só, que fala em entrevista à Rádio Vaticano.
Dulce Araújo – Vatican News
Nos rastos do 11 de fevereiro, que a ONU inscreveu no calendário como Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, a nossa emissão semanal “África em clave cultural: personagens e eventos” conversou com a cientista cabo-verdiana, italiana, Raffaella Gozzelino. Não faltou na emissão a habitual crónica do editor, Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) que dá a conhecer as origens, a formação e as áreas em que esta cientista está empenhada, assim como o seu amor a Cabo Verde.
Amor incondicional
Um amor incondicional – revela a própria Raffaella na entrevista à Rádio Vaticano ao falar da sua experiência como Reitora da Universidade Técnica do Atlântico, em Cabo Verde, e que no dizer do Filinto “não foi a mais edificante para esta cientista”. Para Raffaella, tratou-se duma experiência enriquecedora que não impactou a sua dedicação a Cabo Verde. Antes pelo contrário: “a minha disponibilidade era, é e continua a ser total” – afirma. Compreendeu, todavia, que embora precisando da “mais valia” que a diáspora representa, Cabo Verde não está ainda pronto a acolhê-la da melhor forma. Daí o seu apelo a um “esforço conjunto” em benefício do arquipélago.
Congresso de Abidjan em junho 2025
A preocupação da Raffaella não se limita, todavia, a Cabo Verde, estende-se também à África de forma geral, no sentido de criar um ecosistema mais abrangente com vista em soluções conjuntas para vários desafios, com os olhos postos nas gerações futuras. A rede “Diáspora Mundi” que lançou em 2023 tem este objetivo: ultrapassar fraquezas e fortalecer o que de bom já existe. Nesta senda se inscreve também a rede de mulheres africanas e afrodescendentes, ADWIN, de que ela faz parte e que foi lançada por uma outra figura relevante da diáspora cabo-verdiana, Elizabeth Moreno. Esta rede vai ter um congresso nos dias 5 e 6/6/2025 na capital da Costa do Marfim e Raffaella deixa já o convite a acompanhar.
No seu caminho como cientistas, Raffaella tem-se cruzado com muitas empresas importantes e sempre tendo em mente a transferência de conhecimentos entre países para o desenvolvimento e para a preparação dos jovens, tem procurado estimular essas empresas a receber estagiários e aproximar-se do mundo académico. Um caso emblemático é a aproximação do MIT a Cabo Verde e daí aos PALOP, sendo Cabo Verde, o primeiro país desse grupo a receber uma experiência dessa prestigiosa Universidade do Massachusetts. Este dinamismo e atitude de abertura às empresas valeu-lhe a apreciação da Associação das Mulheres Empreendedoras da Europa e África de que é delegada.
Para além de realçar, na entrevista, a relação entre ciência, cultura e fé, muito interligados, Raffaella Gozzelino deixa uma mensagem de rápida recuperação ao Papa Francisco, hospitalizado há duas semanas. É a conclusão duma conversa que se abriu com as revelações do seu gosto, desde pequena, pela observação da natureza, o que a levou a abraçar o mundo das ciências graças também aos professores e à família.
Leia aqui a Crónica do Filinto Elísio
Raffaella Gozzelino – uma mulher das ciências e da diáspora cabo-verdiana
“Raffaella Gozzelino é fundadora da Diáspora Mundi e líder do Grupo de Pesquisa da Nova Medical School, Universidade Nova de Lisboa, Conselheira Científica e Consultora Internacional, uma mulher influente no mundo da Ciência.
Filha de mãe cabo-verdiana e pai italiano, Raffaella Gozzelino nasceu em Cúneo, no Piemonte (norte da Itália), no ano de 1976. Gozzelino tem uma formação diversificada e complexa: Licenciatura em Química e Tecnologias Farmacêuticas pela Universidade de Parma, em Itália, Mestrado em Biologia Celular pela Universidade de Lérida, em Espanha, e Doutoramento em Neurobiologia pela Faculdade de Medicina da mesma universidade.
É Diretora da Sociedade Internacional para o Estudo do Metabolismo do Ferro em Medicina e Biologia, (BioIron), Co-Directora de DOTCAN, organização canadiana para o desenvolvimento do capital humano em Ciências Oceânicas na África Ocidental; faz parte de paneis europeus de avaliação para a atribuição de financiamento a projetos de investigação cientifica; é editora de revistas internacionais cientificas, revistas por pares; é conselheira científica de empresas de biotecnologias, e membro de organizações académicas internacionais de saúde, dedicadas ao desenvolvimento do capital humano, entre outros cargos.
Em 2020, enquanto residia em Portugal, mas com vínculos à Itália, Raffaella Gozzelino foi nomeada Reitora da Universidade Técnica do Atlântico pelo Governo de Cabo Verde.
Durante a sua permanência em Cabo Verde, foi nomeada delegada da Associação Mulheres Empreendedoras Europa e África.
Só que a experiência nessa nova Universidade cabo-verdiana não foi a mais edificante para esta cientista, tanto que o Governo dispensou os seus trabalhos como Reitora, em 2022, não sem a confirmação por parte do atual Ministro da Educação de Cabo Verde de Raffaella ser “uma reputada cientista e investigadora”.
Hoje, além das funções na Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, colabora com outras instituições de ensino superior em vários países.
Lidera o grupo de investigação em Inflamação e Neurodegeneração da Nova Medical School, Universidade Nova de Lisboa, conduzindo projetos que visam estudar o impacto das alterações climáticas na saúde, tendo recebido prestigiosos financiamentos internacionais, inclusive do MIT Global Seed Funds, para investigar a influência das alterações ambientais sobre a crescente prevalência da anemia em Cabo Verde, com foco nas formas nutricionais e de inflamação.
Notável tem sido o seu compromisso com a transferência de conhecimento e com a capacitação de jovens cientistas de Cabo Verde e doutros países em desenvolvimento.
Em 2023, ela criou o Diáspora Mundi, um network de profissionais da diáspora altamente qualificados, que se unem para fornecer serviços científicos, promovendo a excelência e facilitando o desenvolvimento de competências necessárias para alcançar o sucesso. Objetivos que irão ser amplificados com o lançamento iminente de ADWIN, uma rede de mulheres Africanas e Afrodescendentes, liderada por Elisabeth Moreno, Prescillia Delpha e George-Axelle Broussillon. Essa rede promove a capacitação, o apoio e acesso a recursos financeiros para a promoção da saúde.
Raffaella Gozzelino é um exemplo de que a Diáspora continua a mostrar o seu amor a Cabo Verde e o seu interesse em fazer deste pequeno Estado Insular Africano um caso de Desenvolvimento.“
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