Rafael Marques rejeita medalha e denuncia miséria em Angola

Em entrevista à DW, Rafael Marques diz que “não pode pactuar” com um Governo que “pouco ou nada faz para salvar vidas” e que “está apenas preocupado em controlar o poder e os recursos, para benefício exclusivo”.

O ativista e jornalista angolano havia sido selecionado pelo Executivo angolano para receber uma condecoração no aniversário dos 50 anos de independência do país.

Mas Rafael Marques questiona: “Estamos a celebrar o quê, quando as pessoas estão cada vez [mais] a reclamar e a perder até a esperança de que amanhã possamos ter um futuro diferente?”

DW África: Foi uma das personalidades que rejeitou a condecoração da Presidência angolana a propósito dos 50 anos da independência do país. Porquê?

Rafael Marques (RM): O país neste momento está a ser assolado por um grande surto de cólera, que já matou mais de 700 pessoas, e pouco ou nada é feito para salvar vidas. Estamos a comemorar 50 anos de independência com cólera. É um problema derivado sobretudo da falta de investimento no saneamento básico.

Temos problemas muito sérios de fome, temos muitos jovens que formam “gangues” para controlar contentores de lixo, para terem acesso a alguma comida do lixo. E não se vê que a garantia de empregos, porque o Governo continua a ter políticas económicas de oligopólio, de concentração de recursos nas mãos de alguns dirigentes, que levam a uma destruição maior do tecido económico e, por consequência, do tecido social.

Há ainda outro elemento fundamental para mim. Eu tenho estado a lutar, nos últimos quatro anos, pela educação primária em Angola, porque temos mais de três milhões de crianças fora do sistema de ensino primário, e isto é uma questão fundamental de Direitos Humanos. Se nós não educarmos milhões de crianças, que futuro podemos augurar?

DW África: Ou seja, esta recusa é uma forma de dizer que não há motivos para celebrar os 50 anos de independência?

RM: Estes 50 anos deviam ser um período de reflexão [sobre] como nós estamos a destruir o país. E temos um Governo que não ouve as preocupações dos cidadãos, não interage com os cidadãos, no sentido de resolver os problemas sérios que o país tem. Temos um Governo que está apenas preocupado em controlar os recursos, em controlar o poder, e usar esses recursos para benefício praticamente exclusivo daqueles que detêm poder e dos seus associados. Não posso pactuar com isso.

DW África: Esta recusa de receber esta condecoração e a recusa de outras personalidades angolanas é um recado ao Governo de João Lourenço? A imagem do Executivo sai, de alguma forma, fragilizada?

RM: Eu estou a falar por mim, não estou a falar pelo Executivo. Homenageio e felicito todos aqueles que, de facto, deram o seu melhor por Angola e pelos angolanos e que merecem essas medalhas. Nem me vou pronunciar sobre os que não merecem, porque não é meu dever, mas há muitos angolanos que deram tudo por este país e que merecem o nosso reconhecimento, mas não nestas circunstâncias. Porque nós vemos uma ganância desmedida.

É uma incompetência criminosa, o que está a acontecer em Angola é um roubo descarado do erário público, que é de todos nós. E estamos a celebrar o quê, quando as pessoas estão cada vez [mais] a reclamar e a perder até a esperança de que amanhã possamos ter um futuro diferente? E de que Angola pode dar uma volta e ser um país acolhedor para os seus próprios filhos.

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