Racismo é utilizado como instrumento de ataque em campos de futebol

A fase de grupos dos campeonatos continentais da Conmebol começou. E com isso, os polêmicos jogos fora do Brasil vêm a tona

Os casos de racismo contra jogadores e torcedores brasileiros aumentaram m nos últimos anos. que leva à mesma discussão, e até quando?

Até quando a Conmebol irá “banalizar” esses crimes e passarem a tratar como algo sério com penalidades concretas e firmes?

Foto: EPA Images pic

Processos de colonização da América do Sul e suas consequências

Para falarmos de racismo na América do Sul, principalmente contra brasileiros, é necessário  voltar à época da colonização. A estrutura racial que ainda hoje molda as relações sociais e culturais nos países sul americanos tem ligação direta com este período.

Durante o processo de colonização europeia, tanto o Império Português quanto o Espanhol trouxeram indivíduos  escravizados, majoritariamente do continente Africano, para o “Novo Mundo”. No Brasil esse sistema se sustentou por mais de 300 anos sendo o último país das Américas a abolir esse sistema. 

Com a abolição da escravatura, a presença negra no Brasil se tornou parte essencial da construção econômica, social e cultural. O que foi um desafio para o processo de embranquecimento institucionalizado que tinha como objetivo “diluir” a presença negra, apagando sua herança e incentivando a imigração europeia.

O mesmo efeito não obteve o mesmo resultado em outros países da América do Sul, como na Argentina e no Chile, nos quais contam com diversos fatores. Sejam eles dimensões geográficas e a forte presença negra nas diversas regiões do país, como lembra o Professor Lourenço à Agência Ceub:

“Você não conhece a história da população negra argentina, que foram muitos, que ainda existem lá, e existe a percepção comum de que na Argentina não existem populações negras”, disse Lourenço

Por que o Brasil sofre mais racismo no futebol Sul-Americano?

O Brasil, além de ser o país com a maior população negra fora da África, é também um dos países que mais sofrem com manifestações racistas dentro do futebol sul-americano. E o que explica esse fenômeno? 

Segundo o professor Lourenço, deve-se levar em consideração dois grandes fatores: a rivalidade esportiva do Brasil com os demais países sul-americanos e a estrutura racial do futebol no continente.

Historicamente, o Brasil sempre dominou o futebol local e mundial. Com cinco títulos mundiais e uma forte tradição de sempre ter os melhores jogadores, o país tornou- se alvo frequente de ataques dentro do esporte. Como explica Lourenço:

“Temos a questão da rivalidade entre os países, que é uma rivalidade em tese natural e esperada, em função dos desejos que cada um dos times tem em conseguir títulos. E o Brasil é o país que historicamente carrega a maior quantidade de títulos.” Na visão do professor Lourenço.

Essa rivalidade, que deveria se limitar apenas entre as quatro linhas, frequentemente ganha contornos raciais, principalmente quando se tem jogos fora do Brasil. Quando um jogador brasileiro, muitas vezes negro, se destaca em campo, a forma de o atacar deixa de ser técnica e passa a ser racial.

O professor também aponta que há diferença na composição racial dos jogadores de cada país. Nos principais clubes sul-americanos fora do Brasil, ainda há uma predominância de jogadores brancos. Já no Brasil, o futebol sempre teve um grande número de atletas negros, desde os tempos de Pelé, passando por Romário, Ronaldinho e Vinícius Júnior:

“Voltando na questão histórica, o Brasil acaba se transformando em um único país onde você tem ainda um grupo majoritário de jogadores negros e pretos. Nos demais times, você vê uma prevalência de atletas brancos.” Comentou Lourenço.

Tal desigualdade racial no futebol dentro do  continente contribui para que o racismo seja utilizado como ferramenta de ataque contra times brasileiros.

Como os adversários não encontram referências semelhantes dentro dos próprios elencos, os jogadores negros do Brasil se tornam alvos isolados, recebendo ofensas que associam sua identidade racial a insultos desumanizantes.

A banalização da Conmebol diante do racismo no futebol sul-americano

Em tempos onde o racismo se mostra cada vez mais explícito nos gramados da América do Sul, a postura da Conmebol (principal entidade do futebol continental) tem sido marcada por contradições e omissões.

Apesar de discursos oficiais que condenam atos discriminatórios, a prática revela uma tolerância velada, que contribui para a banalização desse crime.

No discurso de abertura da Libertadores de 2025, o presidente da entidade fez questão de afirmar que “o racismo não será tolerado”.

A fala, no entanto, contrasta duramente com uma declaração dada momentos depois, em que a falta de equipes brasileiras nas competições continentais foi comparada a “Tarzan sem a Chita”, numa metáfora racista que associa diretamente o país à figura de um primata. Para o professor Lourenço, a fala é mais que uma gafe:

“Ele usa essa fala de forma jocosa, que muitas vezes o racismo estrutural procura caminhos menos formais para se expor e diz o quanto o racismo ainda prevalece.” Explicou Lourenço.

Mais grave que isso, segundo o professor, é a forma como a entidade equipara casos de racismo a infrações técnicas ou administrativas, como atraso para o jogo ou desrespeito a regras de competição.

Como por exemplo, três equipes brasileiras foram sancionadas, sendo: Atlético-MG, Cruzeiro e Botafogo. O Atlético teve a punição mais pesada sendo o pagamento de US$215 mil( R$1,3 milhão) por uso de sinalizadores e pirotecnia, atraso para volta a campo, atraso do técnico para a coletiva, entre outros. 

Podemos contrastar com as punições impostas ao Cerro Porteño que após o episódio de racismo vinda da torcida paraguaia ao jogador do Palmeiras, Luighi, foi sancionada uma multa mínima de US$50mil ( R$300mil) e o fechamento dos portões na qual a equipe não disputava mais. 

Isso apenas fomenta mais que os atos de racismo e injúria racial sejam praticados pois não terá nenhuma punição mais grave que uma uma “irrisória” e portões fechados.

Podemos levar essa discussão para o âmbito legislativo de cada país, em comparação com o Brasil, que possui uma das legislações mais rígidas da América do Sul no combate ao racismo, tratando-o como crime inafiançável e imprescritível, com penas que podem chegar a cinco anos de prisão, outros países sul-americanos adotam abordagens mais brandas ou focadas em mecanismos de mediação e prevenção.

No Chile, por exemplo, a Lei Zamudio oferece proteção contra a discriminação, mas seu foco é mais civil do que penal, funcionando como um mecanismo judicial para reparação. Na Argentina, a Lei 23.592 criminaliza atos discriminatórios com penas de até três anos, porém ainda há críticas quanto à sua aplicação prática. Já a Bolívia, com a Lei 045, também prevê punições mais amplas e inclui a proibição de conteúdo discriminatório nos meios de comunicação. 

Em geral, embora exista um arcabouço legal contra o racismo em toda a região, o Brasil se destaca pela severidade das penalizações e pelo reconhecimento da injúria racial como forma de racismo, o que nem sempre é observado nas legislações vizinhas.

Clubes brasileiros reagem: a resposta nacional contra omissão da Conmebol

O futebol brasileiro, historicamente marcado por rivalidades regionais e interesses divergentes entre clubes, vive um momento raro de união. A indignação coletiva diante de recentes episódios de racismo em competições sul-americanas, somada à resposta insatisfatória da Conmebol, catalisou uma frente inédita de protesto entre as principais equipes do país.

Podemos colocar o caso Luighi e a fala de Alejandro Dominguez como pilar dessa união dos clubes brasileiros que estão cada vez mais descontentes com punições inadequadas e discursos vazios contra esses episódios.

Atualmente uma série de debates se dá caso após caso de racismo que se reincide ano após ano. O mais drástico seria a saída da CBF da Conmebol, o que seria um baque irreparável na entidade.

A saída dos clubes brasileiros das competições organizadas pela CONMEBOL, em protesto contra a recorrência de casos de racismo e a postura leniente da entidade, representaria um impacto financeiro devastador para a confederação.

Estima-se que os clubes do Brasil sejam responsáveis por até 50% da audiência da Libertadores, além de concentrarem grande parte da arrecadação com bilheteria, direitos de transmissão e patrocínios. A ausência dessas equipes poderia gerar perdas anuais superiores a 500 milhões de dólares, comprometendo a sustentabilidade da competição e pressionando a entidade a adotar medidas mais severas e eficazes no combate ao racismo no futebol sul-americano.

Porém é inviável em termos logísticos conciliar campeonatos e seria o “fim” da torcida visitante em jogos fora de casa.

Podemos destacar tambem como reação a Conmebol a carta do São Paulo Futebol Clube enviada à FIFA no dia 21 de marco, que é celebrado o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. O clube paulista enviou uma lista com propostas para punições a clubes e instituições em casos de racismo que ocorram no ambiente do futebol.

Com o lema “Chega de discursos vazios. Queremos medidas concretas e eficazes. Racismo = Menos 3 pontos!”, mas isso não é o bastante como fala o professor Lourenço:

“É importante que os clubes e jogadores se posicionem, mas isso precisa estar atrelado a uma ação sistemática, constante e educacional. Punir é importante, mas formar torcedores e dirigentes conscientes é o caminho mais duradouro.” De acordo com Lourenço.

Considerações finais: entre a resistência e a responsabilidade

O racismo no futebol sul-americano deixou de ser um problema isolado para se tornar uma crise institucional. A recorrência de casos, aliada à falta de respostas efetivas da Conmebol, escancarou uma cultura de impunidade que atravessa estádios, fronteiras e gerações.

No entanto, 2025 marca um ponto de inflexão. A união inédita dos clubes brasileiros, fortalecida por episódios como o do menino Luighi e as falas desastrosas do presidente Alejandro Domínguez, colocou luz sobre o silêncio institucional e deu voz a uma demanda urgente: o futebol precisa ser um espaço seguro e representativo para todos, dentro e fora de campo. Como afirmou o professor Lourenço:

“O futebol é um reflexo da sociedade, mas também é um campo de disputa simbólica. Quando os clubes se posicionam, eles não apenas reagem, eles educam, pressionam e transformam.” Como analisa o sociólogo.

O momento agora exige firmeza. A Conmebol tem diante de si a oportunidade, ou talvez a última chance, de reformular suas políticas e reafirmar um compromisso genuíno com os direitos humanos e com a diversidade. Caso contrário, arrisca perder sua legitimidade diante dos principais protagonistas de suas competições.

Enquanto isso, cabe aos clubes, torcedores, federações e à sociedade civil manterem a pressão. Porque no futebol, como na vida, a luta contra o racismo não pode ser jogada de um só lado.

Por Arthur Serique

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