Javier Milei foi eleito presidente da Argentina no último domingo (19) | Foto: LUIS ROBAYO / AFP
Javier Milei, eleito presidente da Argentina no último domingo (19), ainda não deu detalhes de sua promessa de campanha de fechar o banco central do país. Mas não conseguirá fazê-lo sem colocar mais em risco a combalida economia do país, de acordo com analistas ouvidos pela reportagem.
Em meio a uma inflação acumulada de 142,7% no último ano, o ultraliberal propôs acabar com o peso e dolarizar a economia argentina –ele afirma que em até dois anos conseguiria estabilizar os preços do país com a medida.
Assim, o Banco Central da República da Argentina (BCRA) perderia seu papel de autoridade monetária, função que cabe ao Federal Reserve dos EUA no caso do dólar.
“É muito complicado abrir mão de uma autoridade monetária em um país como a Argentina, que sofre de uma inflação elevada e precisa de medidas monetárias para controlar o processo inflacionário”, diz Juliana Inhasz, professora do Insper e especialista em macroeconomia.
“Muito do que o Milei fala se dá em função de políticas muito equivocadas de gestões que não fizeram o papel de estabilização que o banco central deve fazer. Mas é estranho pensar que, como as políticas não eram boas, a gente acaba com o banco central, extingue a moeda e dolariza. É uma decisão um tanto radical, não resolve o problema”, diz.
Pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) e sócio da BRCG Consultoria, Lívio Ribeiro lembra que mesmo países que dividem suas moedas mantiveram seus bancos centrais.
“A questão mais óbvia é a zona do euro, que tem o Banco Central Europeu. Todos os países têm seus bancos centrais que não cuidam mais da manutenção do poder de compra fiduciário, mas cuidam de regulação bancária, de questões operacionais e administrativas”, afirma.
Fundado em 1998, o Banco Central Europeu não extinguiu autoridades regulatórias locais. O Banco de Portugal, por exemplo, afirma que tem entre suas funções gerir os ativos e as reservas do país, supervisionar instituições de crédito e de pagamentos e até emitir moeda (de acordo com autorização do BCE).
Na África Central, seis países compartilham a mesma moeda, o franco CFA. Camarões, República Centro-Africana, Chade, Guiné Equatorial, Gabão e República do Congo fazem parte da Cemac (Comunidade Econômica e Monetária da África Central).
Nesse caso, os países não possuem bancos centrais individuais, mas a política monetária é feita por uma instituição centralizada, o BEAC (Banco dos Estados da África Central), com sede em Camarões, que além de controlar a moeda, supervisiona a atividade bancária e a emissão de títulos públicos.
Mesmo o Equador, que dolarizou sua economia em 2000, como Milei quer fazer, manteve seu banco central. O órgão no país “guarda as reservas internacionais e contribui diretamente para preservar a solidez da economia, promovendo o uso dos meios de pagamento, impulsionando a educação financeira e garantindo a disponibilidade de notas e moedas no país”, diz o site da instituição. El Salvador, outro país que utiliza o dólar, também manteve seu banco central.
Para o professor de economia da USP Mauro Rodrigues, a dolarização tira boa parte do papel dessas instituições, “mas o banco central não é só isso.” Ele afirma que sem uma entidade que regule bancos e faça seguro de depósitos, por exemplo “você arrisca ter o tempo todo crises bancária e financeira”. “É bem arriscado, não vejo como fazer. A não ser que outro órgão assuma essas funções, mas aí você pode perder a equipe especializada de um banco central”, defende.
Entre as economias dolarizadas, um país se destaca por não ter um banco central –o Panamá, que na verdade nunca contou com uma instituição do tipo, desde que se tornou independente da Colômbia, em 1903.
A falta de regulação bancária faz com que o país seja considerado um exemplo por liberais como Milei, mas também o coloca entre as 16 nações que a União Europeia considera como paraísos fiscais.
Em artigo publicado na revista inglesa Economist em setembro, Milei diz que “eliminar o banco central é essencial” e justifica a medida em sua maior parte por razões monetárias. “Não há futuro para a Argentina com o peso”, afirma ele.
Milei defende ser imoral o governo “falsificar” pesos (imprimir notas), o que chama de roubo; afirma que “qualquer ação tomada por um banco central será sempre danosa”; e cita reservas líquidas internacionais negativas e “dívida financeira do sistema bancário tão alta que triplicou a base monetária” (volume de dinheiro emitido pelo banco central).
“Nos últimos 20 anos, os políticos do país e seus manipuladores, que se beneficiam do status quo, roubaram bilhões de dólares dos trabalhadores argentinos através do imposto inflacionário [custo da emissão da moeda]. No governo atual, o número está próximo de US$ 90 bilhões. Estimamos que, apenas no último ano, os políticos roubaram mais de 5% do PIB do país ao desvalorizar o peso”, defende. (THIAGO AM NCIO/Folhapress)
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