A presidente-executiva do Todos Pela Educação mostra como as ferramentas digitais devem ser introduzidas nas escolas
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A integração de tecnologias na educação pública brasileira não é apenas uma questão de modernização, mas um movimento atual e estratégico para enfrentar desafios históricos e promover uma educação de qualidade e equitativa. No entanto, para que o uso da tecnologia atinja seu potencial transformador, ele deve ser guiado por uma visão objetiva, sistêmica e alinhada a políticas públicas bem planejadas. Não basta introduzir ferramentas e dispositivos digitais nas escolas; é essencial garantir que esses recursos estejam a serviço do aprendizado, com foco nas necessidades pedagógicas e na redução das desigualdades educacionais.
No Brasil, as desigualdades estruturais representam um obstáculo significativo para a democratização do acesso à tecnologia. Em muitas escolas públicas, especialmente nas zonas rurais e nas periferias urbanas, a falta de conectividade confiável e de equipamentos adequados é uma realidade que limita o acesso dos alunos às oportunidades proporcionadas pelo uso de ferramentas tecnológicas. Resolver essa lacuna exige um compromisso com investimentos em infraestrutura e a garantia de que os recursos cheguem aos locais onde são mais necessários.
De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024, menos de 40% das escolas brasileiras da rede pública possuem internet para uso dos alunos e apenas um terço conta com velocidade adequada de rede. Além disso, menos da metade das instituições de ensino (44,7%) disponibiliza computador de mesa para uso dos estudantes.
Além da infraestrutura, a formação de professores e gestores escolares deve ser uma prioridade. Atualmente, muitos professores enfrentam dificuldades para incorporar a tecnologia em suas práticas pedagógicas, seja por falta de formação, seja pela ausência de suporte adequado. Capacitar esses profissionais é, portanto, um passo essencial para que eles possam liderar a transformação digital nas salas de aula.
Outro ponto crucial é a utilização das tecnologias para a melhoria da gestão da educação e das escolas, como na organização e o gerenciamento de dados educacionais. Ferramentas digitais — como a própria Inteligência Artificial — permitem não apenas personalizar o aprendizado, mas também identificar dificuldades específicas de cada estudante, possibilitando intervenções mais eficazes. Contudo, para que isso seja viável, é necessário um sistema de coleta e análise de dados eficiente, seguro e ético. Essa abordagem baseada em evidências é um diferencial estratégico que pode elevar significativamente os resultados educacionais. É a tecnologia como copiloto dos profissionais de educação.
Ainda no campo da gestão, a tecnologia também pode ser um pilar importante para além da Educação. Um dos eixos de recomendações para a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, por exemplo, propõe que a governança digital esteja no centro da relação entre as famílias e os serviços públicos — da creche ao atendimento de saúde — com a criação de uma caderneta digital nacional (a partir da robustez de dados do governo federal) envolvendo todas as dimensões de cuidado infantil de forma integral. Uma solução relativamente simples, mas com impacto estruturante no desenvolvimento social, econômico e sustentável do país.
Diante desse cenário, algumas ações prioritárias são indispensáveis para garantir que a transformação digital na educação seja efetiva. É necessário criar uma governança clara que alinhe as ações entre os governos federal, estaduais e municipais, evitando duplicidades e desperdícios de recursos. É importante ainda desenvolver recursos educativos digitais que dialoguem com o currículo escolar e sejam adaptados à realidade de professores e estudantes brasileiros. Além destes pontos, é indispensável implementar um sistema de monitoramento e avaliação contínua para medir os impactos das iniciativas tecnológicas e realizar ajustes com base em evidências concretas.
As experiências de outros países mostram que é possível superar os desafios e integrar a tecnologia de maneira eficaz na educação. Políticas públicas que combinam investimento em infraestrutura, formação docente e desenvolvimento de recursos digitais de qualidade têm produzido resultados expressivos.
A integração de tecnologias na educação deve ser intencional e voltada para o desenvolvimento de um sistema mais justo e inclusivo. O uso inadequado ou desordenado de recursos, sem planejamento ou foco pedagógico, corre o risco de ampliar as desigualdades existentes. É por isso que é tão importante assegurar que a utilização esteja diretamente relacionada à melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, com impacto positivo para todos os estudantes, especialmente os mais vulneráveis.
A tecnologia não é um fim em si mesma. É um meio poderoso para potencializar a aprendizagem, promover a colaboração e combater desigualdades. A transformação digital na educação é uma oportunidade para reimaginar o papel da escola no mundo atual, preparando nossas crianças e jovens para um futuro marcado pela inovação e pela complexidade, sem deixar de lado o compromisso com a equidade.
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