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O lançamento de um satélite, seu desaparecimento e o que isso causa no imaginário popular de todo um país. Tudo embalado ao som de hip-hop e de outras batidas urbanas nas ruas de Cazenga, bairro de Luanda. Esse roteiro está na produção As Aventuras de Angosat, primeira obra em formato musical filmada em Angola, que será projetada neste sábado (07/06), no Liceu Camões, em Lisboa, às 17h. A sessão faz parte do 16º FESTin — Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, que tem por objetivo promover o intercâmbio e divulgar as diferentes culturas de nove países lusófonos, entre eles, Brasil, Portugal e Angola.
O musical foi inspirado na curiosa história do AngoSat-1, o pioneiro satélite de Angola, que ganhou os céus em 2017. O aparelho sumiu e, como era de se esperar, deu margem a muitas interpretações. Na época, o ativista dos direitos humanos, poeta e músico Isis Hembe deu vida ao primeiro formato da obra como peça teatral, que foi apoiada pelo Instituto Goethe, em Angola.
O material chegou às mãos do jornalista catalão Marc Serena e, daí em diante, começou a ser filmado. Tem uma única tomada e dura 34 minutos, o que demandou muitos ensaios e dezenas de horas de filmagens. Integrantes da produção que moravam em outros bairros se deslocavam até Cazenga, lugar onde os transportes público são quase inexistentes.
Efervescência das ruas
Outro desafio, ainda em Cazenga, foi a fama de “agitado” do bairro. Inicialmente, cogitou-se a possibilidade do uso de seguranças no set de filmagem. A ideia, entretanto, foi descartada porque vários integrantes da produção lá moravam, o que deixou a equipe, que contou com o apoio de uma organização local, a Anim’Art, mais segura. Vestir todos os atores com os poucos recursos disponíveis não foi tarefa fácil.
“As Aventuras de Angosat” fala de inclusão e diversidade
Niro Studio/ Divulgação
As pessoas que passavam, os cães que latiam e as vozes se misturando nas ruas. Tudo foi captado sob o signo da espontaneidade do momento. As imagens refletem o espírito do teatro, onde os erros são permitidos. Marc Serena dividiu a direção com Resem Verkrom, que integra o coletivo de rua Verkrom e é autor do curta-metragem Lola & Mami, com a temática voltada à masculinidade tóxica.
Vida inteligente
No filme, tudo começa quando Isis Hembe, protagonista e autor da música, que faz o papel de um cientista chamado Man Ré, tem uma ideia fixa: buscar o que acredita ser a “vida inteligente” no espaço. Quando lá chega, sente-se solitário e pondera que o importante é encontrar essa “vida inteligente” dentro de nós mesmos. Ponto principal: o papel da arte enquanto ferramenta de superação e transformação.
Hembe, assim como o personagem, é cadeirante. Ele teve uma infância difícil, marcada pela guerra civil em Angola, que devastou o país entre 1975 e 2002. Por conta da precariedade que assolou Angola, não teve tratamento médico adequado. A exemplo de Hembe, outros atores do musical também possuem alguma deficiência física.
É o caso de Scott Suave, que, apesar da limitação — perdeu um braço e uma perna em um acidente —, segue exercendo a arte como dançarino urbano. Ele estava em tratamento médico na Namíbia quando resolveu participar das filmagens. A inclusão, a superação e a resiliência, por meio da expressão artística, levam à diversidade. E isso é bem claro nos idiomas falados na tela: o calão, o luandense, o umbundu e a língua gestual angolana, pela qual se comunicam outros dois atores: Celeste Wacalenda e Domingos Malebo.
“O projeto foi um esforço comunitário que envolveu 100 pessoas, a maioria não aparece no filme. Por vezes o cinema é visto como o trabalho de um artista, um realizador. Neste caso, foi um trabalho coletivo em que muitas decisões foram tomadas coletivamente”, detalha um comunicado encaminhado ao PÚBLICO Brasil, em nome da equipe de produção da película.
Criatividade fala alto
O processo de realização foi considerado “extremamente complexo”, sendo que o mais difícil foi filmar sem música. É possível isso em um musical? A criatividade responde: “As vozes foram todas gravadas ao vivo e, depois, uma banda de músicos gravou as restantes em um estúdio. Foi muito arriscado, porque não sabíamos se tudo iria correr bem”, diz ainda o comunicado. “Mas, felizmente, tínhamos pessoas com um grande talento natural”.
Antes de chegar ao 16º FESTin, As Aventuras de Angosat fez seu debut internacional no Festival de Cinema Africano de Nova Iorque, no último 18 de maio. A obra será apresentada em sua terra natal em 20 de junho, em sessão gratuita no Cine São Paulo, em Luanda.
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