ONU News: Qual é a mensagem que o senhor traz para a Missão de Consolidação da Paz?
Presidente Carlos Vila Nova: Trago uma mensagem em nome do povo de São Tomé e Príncipe que eu represento, uma mensagem de construção de paz. Nós, neste momento, temos elaborado uma estratégia para lidar e prevenir conflitos que será apresentada amanhã, quinta-feira, e através dela trazermos e expormos o que é a situação real, o que nós pensamos fazer para prevenir e com o que vamos poder contar com a Comissão da Construção da Paz, baseada aqui nas Nações Unidas para nos ajudar a implementar essa estratégia, portanto, esta é a principal mensagem que me traz cá.
ONU News: E esta estratégia passa pela reforma do setor de Justiça e outras reformas no país. Inclusive, Presidente, o trabalho de seu país foi elogiado pelo ex-presidente da Comissão de Consolidação da Paz, nesse estúdio numa entrevista com a ONU News, o embaixador Sergio Danese. Agora, o país passou por várias tentativas de golpes de Estado, algumas malsucedidas e algumas bem-sucedidas, e isso há várias décadas. O que vai ser feito diferente agora com o apoio dessa Comissão?
CVN: Bom, é verdade que o país viveu esses momentos de conturbação. Mas esses momentos também não foram bem resolvidos. Mas também não foram resolvidos por desconhecimento, por falta de capacidade. E sobretudo por não ter havido nenhuma estratégia nem acompanhamento. Repare: ninguém nasce e cresce sozinho. Há os pais, há a família. E um país tem uma família. As Nações Unidas são uma família. E através dela o que eu apreendi ou depreendo? Os que têm a sua situação consolidade em termos de prevenção e de paz podem partilhar e ajudar aqueles que não têm. Nós não somos, provavelmente, o país que tenha mais conflitos ou um país que tenha vivido situações mais graves, mas nós temos uma situação preocupante com todas este passado recente e tentativas de subversão. Nós temos um caso que abala os direitos humanos e que aconteceu recentemente, já no meu mandato. E tudo isso fez-nos pensar e refletir porque se nós não olharmos para essas situações com olhos de quem vê e sabe o que estar a acontecer e quer uma solução para esses problemas. O que nós pretendemos? Eu lembro que em 2023, ainda com o anterior primeiro-ministro, eu pedi e houve também colaboração da parte dele, às Nações Unidas e à Comissão Econômicas dos Estados da África Central, os dois, para refletirmos sobre esse assunto. E foi assim que nasce essa estratégia, nasce esse trabalho que tem sido acompanhado por essas duas instituições. E É com ela sobretudo agora. Isso passa pelos setores da segurança, pelos setores das forças, passa pela sociedade civil, passa por uma melhor interação com a sociedade civil. Empoderamentos das mulheres e dos jovens. Não nos esqueçamos que estou a presidir um país em que quase metade da população tem menos de 18 anos então é preciso pensar nelas.
ON: O que é um dividendo demográfico também, o que é um aspecto positivo. Mas também passa, Presidente, pelo diálogo com os militares, não é verdade?
CVN: Certo. E esse diálogo tem sido construído. Tem sido feito. Na estratégia, há definições que são claras. Também convém que haja uma maior partilha deste poder dentro das Forças com as mulheres. Permitir que haja mais e que tenham mais influência também. Não é só uma questão de gênero. O que é preciso reconhecer é que as mulheres vão mais aos detalhes que os homens. Isto é importante. Hoje, já temos umas Forças Armadas com mulheres oficiais, com um percurso feito. Mas precisamos que esse alargamento seja feito. E precisamos sobretudo que haja mais diálogo nas Forças, na sociedade civil e em toda a sociedade porque é através do diálogo que nós conseguimos prevenir os conflitos.
ON: E mais mulheres. Esse dado que o senhor traz é bem interessante porque a própria ONU já falou sobre isso: se as mulheres estiverem envolvidas em negociações de paz, a paz dura em média 15 anos mais do que se elas não tivessem envolvidas. Então esse realmente é um passo inteligente.
CVN: Um dado importante.
A bacia do Rio Provaz é uma importante fonte de água na cidade de Neves, em São Tomé e Príncipe
ON: Presidente Carlos Vila Nova, vamos falar agora de alguns pontos positivos que seu país tem alcançado. A grande notícia em dezembro foi a graduação, deixou de ser um dos países menos desenvolvidos do mundo. E nesse momento foi elogiado pela própria subsecretária-geral dessa área que disse que o que São Tomé e Príncipe tinha feito era uma inspiração para outros países também. Em 2007, houve o perdão da dívida do FMI e do Banco Mundial. A queda da inflação que caiu de 17% para menos de 10%. A cobertura universal de saúde que passou de 47% a 59% em 2021. Agora como o país está se preparando para encarar esse cenário geoestratégico com bastante desafio, choques externos e tão importante para São Tomé e Príncipe, a mudança climática. Um país rico em petróleo, mas também em biodiversidade?
CVN: Muito bem. Tocou no assunto que é importante e que é muito querido. Eu digo por que e não tenho nenhum problema em deixar meu ponto de vista sobre ele. É claro que hoje é difícil separar o ponto de vista do cidadão pessoal e do Presidente, portanto eles confundem-se, eu compreendo isto. Eu digo isto porque eu já sei que depois do que eu vou dizer haverá análises, contra análises, opiniões, e pode ser que todos não sejam favoráveis. O salto dado, digamos a conquista para país de desenvolvimento médio, hoje tem que ser visto como positivo. E tem que ser encarado para que daqui para frente façamos mais e melhor. Já não é a altura de dizer, talvez foi prematuro, está feito, foi conseguido.
ON: É a realidade.
CVN: É a realidade. Eu vejo esse salto como alto de sustentável e inclusivo, que deve ser feito muito acompanhado pelo setor privado que seja robusto. Um setor privado robusto que gere empregos e que depois possa ajudar a construir uma economia com sustentável, com crescimento sustentável, mas isso tem que ser alicerçado nalgum lado. E eu vejo dois alicerces principais. O primeiro alicerce que eu vejo nisto é na biodiversidade, na transição energética, e claro levando a ponto de promover a economia verde e azul. Mas tem vulnerabilidades e eu já lhe digo quais são essas vulnerabilidades também do meu ponto porque não tem só apoios. Nós temos três principais vulnerabilidades: a ambiental, com as mudanças climáticas como vê porque ela é tão abrangente, ela é tão transversal que é preciso considerá-la, cada vez, mais e mais. E ela traz a nu a dependência de São Tomé na sua capacidade de exportação com muitos poucos produtos. Ela está ligada sobretudo à agricultura e aos valores acrescentados na transformação como pequeno país que nós somos. A vulnerabilidade econômica, que o tamanho pequeno da economia, uma grande dívida e também com uma dependência grande na importação de combustíveis e de produtos alimentares. Essas são as tais vulnerabilidades que nós temos que trabalhar para conseguir então essa sustentabilidade e inclusiva para então desenvolver e criar um setor privado robusto. E a vulnerabilidade externa por causa das pandemias, conflitos e guerras. Pandemia porque quando aconteceu, todos os países puseram as suas fragilidades a nu. E um país como São Tomé e Príncipe que já conhecia algumas das suas com a Covid ficou ainda completamente frágil. E é possível que estejamos preparados para isso.
Os conflitos e as guerras levam-nos imediatamente à Rússia e à Ucrânia, mas não são os únicos conflitos, e se calhar não são aqueles que destroçam mais. Mas são os que têm mais visibilidade, têm mais impacto e afetam mais o sistema mundial. Portanto, nessas vulnerabilidades, relativamente, a este primeiro apoio. O segundo apoio é o desenvolvimento do capital humano com foco na saúde e na educação de qualidade e na boa governação portanto com esses dois apoios e cuidando dessas vulnerabilidades, eu acredito que sim, que essa transição para o país de desenvolvimento médio será um sucesso para São Tomé e Príncipe.

Santiago em São Tomé e Príncipe
ON: E para esse desenvolvimento do capital humano, o país precisa de apoio e que apoios seriam esses?
VCN: São Tomé e Príncipe, é preciso que se diga, com muita humildade, os nossos indicadores em matéria de acesso à escolaridade, à expansão e divulgação dos sistemas de saúde são indicadores muitos bons, uns dos melhores da África. Eu tenho referências acima de 95% em termos de acesso às escolas e o acesso à saúde. Agora é preciso trabalhar na qualidade. Ter um ensino de qualidade, melhorar a capacidade dos formadores, melhorar as condições e infraestruturas para que a assimilação do conhecimento seja feita como deve ser, e os cuidados de saúde também sejam credíveis e acessíveis a todos.
ON: E aí, como outros países de língua portuguesa poderiam se juntar a São Tomé e Príncipe quando o senhor fala em qualidade, treinamento, formação?
CVN: Temos trabalhado em parceria no quadro bilateral com alguns países, desde logo a nível da África, temos Cabo Verde e Angola, mesmo Moçambique, nós temos muitos médicos. A área da saúde com Moçambique cooperamos melhor. Com Cabo Verde é no setor da administração e do turismo e como o Brasil também. Temos uma cooperação no domínio da educação e da cultura como o Brasil. Portanto, como vê, essas parcerias existem. Elas podem ser melhoradas e adaptadas à realidade.
ON: Agora, vamos falar de meio ambiente, onde o senhor inclusive chefiou uma pasta, um Ministério, há alguns anos, para falar da COP30. O que São Tomé e Príncipe pretende levar a esta conferência e receber para que finalmente o Acordo de Paris seja implementado.
CVN: Exatamente. Isto tem sido uma espécie não é bem um calcanhar de Aquiles, mas daqueles dossiês que criou muita expectativa, mas que correspondeu pouco. Eu tive o privilégio de estar na Rio + 20. Eu tive o privilégio de estar em Paris e de estar em Glasgow. E em alguns momentos, parecia que saíamos frustrados dessas COPs. São Tomé e Príncipe é um pequeno Estado insular em vias de desenvolvimento e com todas as consequências de quem consome mais do que prejudica. Nós absorvermos e nós quase não poluímos. Nós protegemos quer no mar quer em terra. Lembrar-lhe que a Ilha do Príncipe, que é a segunda maior ilha, é um Patrimônio Mundial da Biodiversidade da Unesco há mais de 12 anos. Isso requer um esforço. Em África, na América Latina, nós temos que reconhecer que há populações que vivem da floresta, vivem no meio da biodiversidade. Tão adaptadas e às vezes elas se confundem-se com isso. E hoje, para proteger-lhes muitas vezes temos que deslocar essas pessoas. Retirá-las do seu próprio meio, mas fazer o que com elas? Ajudá-las como? Portanto, nas COPs, quando se diz que há fundos para mitigar, é preciso que esses fundos estejam disponíveis e acessíveis. O que não tem sido o caso, portanto, uma das coisas que vamos levar à COP é exatamente isso.
ON: E por que não, Presidente? O que que se conversa nesses fóruns internacionais quando se fecha a porta, por que esse dinheiro não chega?
CVN: Difícil de lhe explicar. Conversamos e assinamos. A gente conversa e assina documentos e ratifica, mas depois não se consegue construir o que ratificamos porque o ser humano é assim é inconformado. À saída dessas reuniões, depois de estarmos todos de acordo, começamos a entrar em desacordo e começamos a sair em alguns casos. Não quero referir o nome para não fazer publicidade, mas há casos de verdadeiras potências econômicas ao nível do mundo que entram e saem, entram e saem e desequilibram todo o sistema.

Rio Provaz na cidade de Neves, em São Tomé e Príncipe
ON: E foi o que o senhor falou, depois que saem começam a fazer as contas, como toda a pessoa faz a sua contabilidade, mas o financiamento é preciso, sem isso não tem mitigação. Agora, por último, vamos falar da língua portuguesa. São Tomé é parte do Fórum de Macau e tantos outros fóruns, onde o português é língua oficial como a União Africana, a própria CPLP. Como essa língua facilita a performance de São Tomé e Príncipe e do senhor ao lidar com outras nações lusófonas? O que o português representa para o senhor no dia a dia como Chefe de Estado?
CVN: Gostaria que o português fosse visto como uma língua mais útil. Uma língua tão valorizada quanto outras porque ela de facto é, se as estatísticas não me enganam, eu creio que é a sexta mais falada do mundo. Mas não é língua oficial das Nações Unidas. Eu, amanhã, minha apresentação, vou ter que fazê-la em inglês ou francês se não teria que cumprir uma série de outros pequenos detalhes que já não tenho tempo de cumprir. Nos outros fóruns conseguiu-se esse feito a nível de União Europeia, União Africana, CEEAC, dos Estados da África Central, o português já é (língua oficial). Agora, juntos temos é que de facto com essa representatividade mundial que temos, nas Nações Unidas, conseguirmos esse feito. Eu acho que sairemos todos a ganhar. Não é a mesma coisa quando eu me expresso, ou apresento algo de muito importante numa língua que não é a minha língua materna, e na língua materna. A defesa e a própria expressão facial e corporal são diferentes. Então eu acredito que nós vamos trabalhar para ela. Recordo-me que, em setembro de 2024, aquando da Assembleia Geral das Nações Unidas, São Tomé continua, está no final da Presidência da CPLP, somos nós que presidimos a Comunidade e fizemos um trabalho interessante aqui à margem da Assembleia. Tivemos todos os países lusófonos reunidos num determinado espaço para partilharmos aquilo que é comum e nos toca. Estávamos todos lá. Correu muito bem, foi uma conversa muito boa, muito útil, com resultados muito positivos de alguns pequenos conflitos que era preciso resolver na altura e que ficaram todos resolvidos a nível da CPLP. E eu acredito que a próxima presidência rotativa continue esse trabalho e se puder conseguir que o português seja língua oficial das Nações Unidas será um grande feito para todos nós.
ON: E Portugal em seu próprio programa de governo já colocou esse prazo para 2030. Agora é uma questão de concertação política?
CVN: Exatamente. 2030 parece que está longe, mas não está longe. Está ao virar da esquina.
ON: Presidente Carlos Vila Nova, algo mais a acrescentar a essa entrevista?
CVN: Eu quero primeiro felicitar através de vós todo o Sistema das Nações Unidas. É a segunda vez que tenho o grato prazer de estar aqui. É uma oportunidade muito grande. Um palco privilegiado para mim e para o meu país. E na qualidade de presidente pro tempore da CPLP, para toda a comunidade lusófona dos países de língua portuguesa. E desejar a todos eles muito sucesso. Um bem-estar a seus povos, a seus dirigentes e que juntos nós continuaremos a fazer conquistar para o bem dos nossos povos, dos nossos países e também da nossa comunidade. Muito obrigado.
*Monica Grayley é editora-chefe da ONU News. A entrevista com o Presidente Carlos Vila Nova foi gravada em 28 de maio no estúdio da TV ONU.
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