O descontentamento exprime-se em privado, uma vez que este país da África Central é governado há 45 anos pelo autocrata Teodoro Obiang Nguema, que não respeita os direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade de expressão, segundo a agência de notícias francesa.
“A sua presença não traz qualquer garantia de bem-estar para a população”, indigna-se Baril, de 40 anos, na sala de estar da sua casa em construção, em Malabo.
Em agosto de 2024, apareceram homens brancos com fardas militares, por vezes adornadas com insígnias russas. Podem ser vistos perto do palácio de Malabo, em frente ao mar.
Juvenal Osuan Ondo Mba, de 50 anos e engenheiro de telecomunicações, diz não compreender o porquê da presença destes mercenários.
“Independentemente da sua origem, a Guiné Equatorial não está em guerra e a presença de mercenários russos ou de outros países não traz qualquer benefício para a população”, afirma este homem, residente num dos bairros pobres de Malabo.
“Também temos um exército e não passa um ano sem que haja recrutamento para as forças armadas e de segurança do Estado: porque é que ainda temos mercenários”, questiona.
Para o advogado equato-guineense Tutu Alicante, do grupo de defesa dos direitos humanos EG-Justice, sediado nos Estados Unidos, a presença de mercenários é “extremamente preocupante”.
“O Governo tem a obrigação de informar a população sobre a presença de soldados estrangeiros ou mercenários em território da Guiné Equatorial, porque estão lá, quanto tempo vão ficar, como ou quanto dinheiro lhes é pago, etc”, disse, contactado telefonicamente pela AFP.
De momento, as informações oficiais limitam-se a alguns comunicados vagos após as três visitas do Presidente Obiang à Rússia (em 2023 e 2024) e as duas audiências em Malabo do vice-ministro da Defesa russo Younous-Bek Evkourov, em 01 de dezembro de 2024 e em 03 de março de 2025.
Segundo os especialistas, este vice-ministro foi encarregado de tomar conta das redes africanas do grupo Wagner após a morte de Evgeny Prigozhin em agosto de 2023, com uma estrutura denominada Africa Corps, ativa nomeadamente nos países do Sahel, em ligação com a expansão da influência russa no continente.
Os comunicados de imprensa oficiais não fazem qualquer referência a Wagner ou ao África Corps.
Os acordos militares de 2024 mencionam o envio de “instrutores” russos para formação militar, mas não foi organizada qualquer formação desde a chegada do primeiro contingente russo em agosto de 2024, segundo fontes militares.
Desde o envio de um segundo contingente em meados de setembro de 2024, os paramilitares estrangeiros continuam a chegar com equipamento, armas e veículos.
O seu número atual é estimado em cerca de 300, de acordo com fontes de segurança contactadas pela AFP.
Estes mercenários são responsáveis pela segurança pessoal do Presidente Teodoro Obiang Nguema, da sua mulher e do seu filho, o vice-Presidente Teodoro Nguema Obiang, juntamente com soldados israelitas e ugandeses, segundo informações obtidas pela AFP em Malabo.
Segundo os analistas políticos, a extensão dos acordos militares à proteção do chefe de Estado reflete uma certa desconfiança do Presidente em relação ao exército, num contexto de receio de um golpe de Estado como o que liderou contra o seu antecessor e tio Macias Nguema Biyogo, em agosto de 1979.
O apelo aos russos e a mistura das nacionalidades da sua guarda para criar divisões teriam como objetivo limitar os riscos, disse à AFP um estratega militar sob condição de anonimato.
O diário Rombe, um jornal eletrónico com sede em Espanha, próximo da oposição equato-guineense no exílio, afirma que os acordos militares incluem uma operação de recrutamento para o conflito na Ucrânia.
Em meados de março, o Ministério da Defesa publicou um “convite à apresentação de candidaturas” para selecionar jovens guineenses para “bolsas de formação oferecidas pela Federação Russa”, documento de que a AFP teve acesso.
“O objetivo é recrutar cidadãos sem experiência militar para serem sacrificados em troca da presença de mercenários russos na Guiné Equatorial”, refere o Rombe.
A AFP conclui não ter sido possível obter um comentário oficial sobre estas alegações.
A Guiné Equatorial integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde julho de 2014.
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