Há pouco mais de cinquenta anos, quando a nossa diáspora se lançava nos mares em busca de uma vida melhor, a sua viagem para as promessas de um novo mundo demorava semanas, meses, e, às vezes, anos. Os barcos navegavam de forma lenta, procurando portos longínquos, onde outras línguas criavam barreiras e dificuldades. Hoje vivemos numa era em que o talento transcende fronteiras, em que as línguas são universais e onde uma viagem demora segundos impulsionada por uma internet transformadora e revolucionária. O mercado de trabalho atualmente, os tais sonhos dos nossos avós, já não se apresenta num local definido, já não se espartilha em paredes, cidades ou países. Hoje o sonho é global, e a viagem para a Terra Prometida pode ser feita sem sair de casa.
Cabo Verde é um país repleto de juventude cheia de ambição, criatividade e capacidade. Uma geração com olhos recheados de sonhos e onde o talento “apenas” precisa de ser cuidado, potenciado e transformado numa aposta e num desígnio nacional. É crucial repensar a abordagem à formação profissional e à empregabilidade. É crucial repensar a forma como vemos o Mundo e como vemos Cabo Verde nesse mesmo Mundo. É crucial acreditar e não sucumbir a uma morna que nos impede de alcançar os nossos sonhos.
A juventude cabo-verdiana possui potencial, no entanto enfrenta desafios significativos. Desde a falta de ferramentas adequadas à orientação estratégica, à dificuldades de oportunidades de integração num mercado digital global, sendo fundamental criar respostas e soluções que trilhem um caminho de sucesso para os nossos jovens, e com isso para o futuro do nosso país.
A Inteligência Artificial e a Escola Cabo-verdiana: Educar para o Futuro
A Inteligência Artificial (IA) já não pertence ao reino da ficção científica. Em 2025, ela é uma realidade acessível, presente nos telemóveis, computadores e aplicações que utilizamos diariamente. Os alunos já a usam, os professores começam a experimentá-la, e os profissionais estão a adaptar-se. Numa sociedade como a cabo-verdiana, com uma população jovem e com grande potencial criativo, a questão não é se vamos usar a IA, mas como vamos ensiná-la, regulá-la e integrá-la com responsabilidade.
Num tempo em que a clareza na comunicação se tornou essencial e em que a educação precisa de se reinventar, a IA surge como uma oportunidade estratégica para Cabo Verde. Se for bem compreendida e bem usada, pode tornar-se uma ferramenta poderosa para democratizar o conhecimento, apoiar professores, e tornar os nossos jovens mais preparados para o mercado global. No entanto, se for ignorada ou temida, pode alargar desigualdades, fragilizar o papel da escola e deixar o país para trás numa corrida tecnológica que já está em andamento.
A Visão de um Cabo Verde global não poderá existir sem uma escola que incorpore a tecnologia, que a assuma e que a torne uma prioridade. Ensinar a usar a Inteligência Artificial não é, hoje em dia, um capricho ou uma escolha, é uma obrigação se queremos uma geração que conquiste o seu, e o nosso, futuro.
A escola como espaço de inovação, não de proibição
Sabemos que as novas tecnologias provocam sempre resistências. Em vários países, houve escolas que decidiram simplesmente proibir o uso da IA. Essa é uma resposta compreensível, mas insuficiente. Proibir a IA na sala de aula não impede os alunos de a usarem fora dela. Ao contrário, deixa a escola ainda mais desconectada da realidade dos estudantes.
O que proponho é uma abordagem pedagógica mais inteligente: ensinar a usar a IA com espírito crítico, sentido ético e propósito educativo. Isso implica incorporar a IA nos currículos, formar professores, e criar regras claras para o seu uso em contexto escolar. A IA não substitui o professor, mas pode potenciá-lo. Pode ajudar a personalizar o ensino, acompanhar dificuldades de forma individualizada, ou oferecer exemplos concretos de aplicação do conhecimento.
E como bónus, que não é irrelevante, aproxima os alunos do mercado de trabalho global e pode transformar Cabo Verde num hub de recursos humanos preparados para liderar a próxima geração em África e no Atlântico.
Para que tudo isto aconteça, é essencial formar quem ensina. Os professores têm de estar na linha da frente da transformação digital, com acesso a formação contínua em literacia digital e em ferramentas de IA. Tal como ensinamos a usar uma calculadora ou uma biblioteca, devemos ensinar a navegar entre informação, distinguir fontes, e usar ferramentas digitais com autonomia e responsabilidade.
Esta formação deve abranger também os funcionários públicos, especialmente em áreas como comunicação institucional, serviço ao cidadão e gestão documental. A IA pode ajudar a simplificar linguagem administrativa, criar respostas automáticas para perguntas frequentes e tornar o Estado mais próximo e eficiente. Qualquer plano nacional de futuro deve, por isso, incluir um eixo dedicado à Inteligência Artificial.
A IA como ferramenta de comunicação e clareza
Uma das dimensões mais transformadoras da Inteligência Artificial é a sua capacidade de apoiar na comunicação escrita e na organização de ideias. Plataformas como o ChatGPT têm permitido a alunos escreverem redações mais estruturadas, tradutores automáticos melhoraram a compreensão entre línguas, e assistentes digitais ajudam a resumir textos, planear trabalhos ou rever textos com mais clareza.
Em Cabo Verde, onde ainda enfrentamos desafios no letramento funcional, na expressão escrita e na aprendizagem de línguas, estas ferramentas podem representar um salto qualitativo. Permitem nivelar o acesso à escrita formal, promover autonomia dos estudantes e abrir caminhos para a expressão académica e profissional. Claro que não substituem o pensamento crítico nem o rigor académico, mas podem ser uma alavanca para desenvolvê-los.
Simultaneamente, a capacidade de potenciar a facilidade na programação e desenvolvimento de ferramentas que potenciam negócios e ideias revela-se como um instrumento de inovação que pode elevar Cabo Verde, os seus alunos e os seus futuros empreendedores. As empresas de futuro não vão poder ignorar estas ferramentas e é nosso desígnio formar recursos humanos cabo-verdianos que, mais que saber usar, dominem estas novas tecnologias.
Uma oportunidade para Cabo Verde
A escala de Cabo Verde, muitas vezes vista como limitação, pode aqui ser uma vantagem. Países pequenos têm maior capacidade de experimentar, adaptar e implementar inovações com mais agilidade. Podemos testar modelos-piloto em escolas, criar laboratórios de inovação pedagógica, e envolver universidades, empresas tecnológicas e parceiros internacionais num ecossistema colaborativo.
A IA pode ainda ser uma aliada poderosa para os nossos jovens entrarem no mercado global do trabalho remoto. Dominar ferramentas de IA, saber produzir conteúdo de qualidade e comunicar com clareza são competências cada vez mais procuradas por empresas em todo o mundo. Se fizermos as apostas certas, Cabo Verde pode tornar-se um país exportador de serviços digitais e conhecimento especializado.
E se esta ambição é alcançável, devemos ter a consciência de tudo aquilo que o país já oferece e pode ganhar com esta visão. Atualmente já atraímos mais de um milhão de turistas por ano. Transformar Cabo Verde num paraíso tecnológico pode atrair muitos daqueles que fazem do teclado a sua profissão e buscam qualidade de vida num ambiente digital e de desenvolvimento. Esta deve ser uma aposta de Cabo Verde dentro da sua Visão de país aberto ao Mundo.
Liberdade, responsabilidade e Visão
A IA não é boa nem má por si só. Tal como a escrita, a eletricidade ou a internet, é uma ferramenta criada por humanos, para humanos. Cabe-nos agora decidir como a vamos usar: se para aprofundar desigualdades, ou para ampliar oportunidades; se para criar dependências, ou para reforçar a autonomia intelectual; se para confundir, ou para clarificar.
Como político com ambição de ver Cabo Verde crescer com dignidade, liberdade e prosperidade, acredito que temos de encarar esta nova era com coragem, lucidez e Visão. A Inteligência Artificial é inevitável, mas a forma como a vamos integrar no nosso sistema educativo, nas nossas instituições e no quotidiano dos nossos cidadãos dependerá das escolhas que fizermos hoje.
Tenho uma convicção profunda que educar para o futuro não é apenas dar acesso à tecnologia, é formar consciências, desenvolver pensamento crítico, e preparar cada jovem para usar a inteligência artificial ao serviço de uma inteligência ainda maior: a humana. Termino citando Elon Musk quando afirmou “a inteligência artificial não substituirá os humanos, mas sim ampliará as nossas capacidades e ajudará a resolver problemas complexos de uma forma mais eficiente”. A esperança que tenho para Cabo Verde é que consiga ver nesta Visão uma inspiração para ser o motor desta revolução que, embora digital, é feita por humanos, para humanos e pela Humanidade. O Futuro é Nosso
O futuro não espera por quem hesita, e acredito que quem ousa arriscar hoje, será o dono do amanhã. Cabo Verde tem nas suas mãos a possibilidade de liderar com inteligência e visão se apostarmos na inteligência, na juventude e na educação. Se o fizermos estamos a escrever o futuro com as nossas próprias mãos. O mundo muda depressa, mas Cabo Verde pode mudar com coragem e chegar onde poucos imaginam. Haja Visão!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1225 de 21 de Maio de 2025.
Crédito: Link de origem