“Portugal parou para me ver ganhar a medalha de ouro”: Carlos Lopes brilhou há 40 anos nos Jogos Olímpicos – Domingo

“Os portugueses sentiram que algo especial ia acontecer e ficaram acordados para me ver a ganhar a medalha de ouro. Portugal parou para me ver correr e ganhar.” É assim que Carlos Lopes começa por lembrar a vitória na maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984, uma corrida transmitida de madrugada em Portugal, no dia 12 de agosto.

Foi há 40 anos, mas para Carlos Lopes é como se tivesse sido ontem. Recorda pormenores, aventuras e desventuras. Os tempos de passagem estão na ponta da língua. Demorou 2h09m21s horas a percorrer os 42 195 metros. “O tempo passa depressa, é preciso uma concentração máxima à postura dos adversários, aos tempos de passagem e aos abastecimentos. Estamos sempre a pensar em algo… Fiz 14,36 minutos nos últimos 5 km”, começou por explicar, lembrando alguns momentos da célebre corrida: “Quando fui para a partida fui confiante… fui para ganhar a medalha de ouro. À medida que os adversários iam ficando para trás, fazia as minhas contas… Quando ficaram três só pensei: uma medalha já cá canta…”



Mas uma medalha não saciava a ambição de Carlos Lopes… “Se o pódio estava garantido, agora só pensava no ouro… Quando entrei no estádio foi uma alegria”, acrescentou, consciente de que até podia ter corrido mais depressa. A verdade é que as 2h09m21s permaneceram recorde olímpico até Pequim 2008. Um sinal de que o registo obtido, sob o calor da Califórnia, foi digno de um atleta de eleição aos… 37 anos. Mas a verdade é que ainda viveu momentos de glória posteriormente, com o recorde mundial na maratona em Roterdão (2h07m11s em 1985) e um título de campeão mundial de corta-mato no Estádio Nacional, mas já lá vamos…

A epopeia de Carlos Lopes para chegar ao Olimpo do atletismo é digna de um filme de suspense, com partes a roçar o terror…, mas também uma lição de superação só ao alcance de alguns eleitos. Foi assim com Carlos Lopes, nascido em terras de Viriato. Caiu e levantou-se sempre mais forte. Foi assim quando foi atropelado em plena Segunda Circular a duas semanas da partida para Los Angeles. “Foi dramático e assustei-me, mas assim que percebi que não tinha nenhum osso partido… dois dias depois já estava outra vez na estrada a treinar. Ainda mais forte”, uma contrariedade que para a maioria dos mortais seria um ponto final do sonho olímpico, mas não para o maratonista português. Aos 37 anos não teria outra oportunidade de disputar outra edição dos Jogos Olímpicos.

“Estava tranquilo e confiante. O meu pensamento estava só na corrida e no ouro. Sempre fui muito forte mentalmente e isso foi sempre um trunfo. Fizemos um planeamento rigoroso que acabou por dar frutos”, recorda.

Tudo ou nada
Teve uma participação modesta em Munique ‘72, quando houve o atentado na Aldeia Olímpica que vitimou seis treinadores e cinco atletas israelitas, mas quatro anos depois conquistou a primeira medalha de prata nos Jogos de Montreal ‘76 (onde ficou atrás de Lasse Virén nos 10 mil metros), falhou a presença em Moscovo ‘80 devido a uma lesão e em Los Angeles seria o tudo ou nada. Foi o tudo.



“A medalha de prata de Montreal ajudou a alertar para a criação de melhores condições para os atletas portugueses. Eu trabalhava oito horas por dia no banco e treinava. Perdi a corrida e cumprimentei o Virén e disse-lhe: ‘Vencido, mas não convencido.’”

O finlandês atribuiu o sucesso ao leite de veado que bebia, mas nunca se livrou das suspeitas de transfusões sanguíneas, no fundo, o ‘doping’ daquele tempo.

“Portugal era um país pequeno e essa medalha ajudou a sensibilizar as pessoas e o poder político para a questão do profissionalismo, devido à necessidade de treinar duas vezes por dia”, explicou Carlos Lopes, acrescentando: “O atletismo na altura era diferente do atual. Nunca precisei de fazer estágios em altitude, mas sinto que os meus resultados obrigaram os outros a serem melhores e a superarem-se também.”

A medalha de ouro em Los Angeles foi ganha por Carlos Lopes, mas todos os portugueses sentiram que era também um pouco deles. “Transformei o desporto de uma coisa vulgar para uma coisa nacional. Porque, a partir daí, toda a gente acreditou mais, todos sentiram que eram capazes de fazer melhor. Mas isso não foi só nos desporto, também noutras atividades. Mostrei que somos tão bons como os melhores”, revelou o campeão português que ajudou também a acabar com os complexos do País pequeno à beira-mar plantado.



Momento mágico
O ouro de Carlos Lopes fez aumentar o ego dos portugueses, mas o campeão manteve-se humilde. “Sempre me dediquei ao atletismo com amor, carinho e respeito por todos. Essa vitória foi especial por ter dado aos portugueses um sentimento de prazer e de grande alegria. O atletismo português cresceu naquele que foi um momento mágico.”

Na hora da celebração, Carlos Lopes não esqueceu de partilhar o sucesso com “Moniz Pereira, o Sporting e outras pessoas que me ajudaram na preparação e na motivação para a prova”.
A glória valeu mais do que os benefícios financeiros. “Fui sempre o mesmo. Acho que não mudei nada. Cheguei a Portugal, dei início a umas férias e voltei a treinar com o mesmo empenho. Para ser sincero até acho que perdi dinheiro. Podia ter rentabilizado muito melhor essa conquista. Não mudava nada. Era feliz.”

Teresa
Com uma carreira repleta de sucesso, Carlos Lopes lembra os melhores momentos: “O mais visível foi a vitória na maratona dos Jogos Olímpicos em Los Angeles, mas destaco também o recorde mundial da maratona em Roterdão e o título de campeão mundial de corta-mato em Lisboa, com 38 anos e numa altura em que algumas pessoas achavam que eu já estava acabado. Provei que essas pessoas não me conheciam bem. Contudo, o ponto mais decisivo de toda a minha carreira foi o meu casamento com a Teresa. Foi ela que me deu a estabilidade que eu precisava para atingir esses objetivos. Esteve sempre comigo nos bons e menos bons momentos.”
E se a medalha de ouro ainda vai fazer os 40 anos, o casamento de Carlos Lopes com Teresa já celebrou celebrou as Bodas de Ouro (50 anos) no último domingo de Páscoa, a 31 de Março. Dessa união nasceram três filhos, o Nuno Miguel, o Carlos Pedro e a Bárbara Sofia, e já há cinco netos.

Sem querer alongar-se nos momentos mais difíceis da carreira, Lopes lembra as “lesões”. “É triste porque queremos muito uma coisa, mas não a podemos fazer”, disse com alguma mágoa.



Com mais uma edição dos Jogos Olímpicos à porta, Carlos Lopes deixa uma mensagem aos atletas portugueses que vão estar em competição em Paris à procura da glória: “Sejam vocês próprios. Levem a sério o que têm em mente e cumpram o plano que traçaram. Para os participantes do atletismo, relembro que se baterem os vossos recordes pessoais, já será uma prestação muito positiva. Boa sorte a todos.”  

Livro é lançado a 12 de agosto

‘Carlos Lopes, Lenda Nunca Assim Contada’. Este é o nome do livro sobre a vida do campeão português que vai ser lançado no próximo dia 12 de agosto (dia em que a vitória em Los Angeles faz 40 anos) em Lisboa e, como não podia deixar de ser, vai ser apresentado no Pavilhão Carlos Lopes. “É um livro em dois volumes, o primeiro retrata a minha vida pessoal e foi escrito pelo jornalista Rogério Azevedo, o segundo é sobre a minha carreira atlética e foi escrito pelo jornalista António Simões. É um livro que só foi possível com o apoio do presidente do COP (José Manuel Constantino)”, referiu o campeão olímpico.

Carlos Lopes foi estrela em ‘Os Simpsons’



O feito de Carlos Lopes em Los Angeles, ao vencer a medalha de ouro olímpica com 37 anos, mereceu uma referência na famosa série animada norte-americana ‘Os Simpsons’, onde também já apareceram Cristiano Ronaldo e outros desportistas de eleição. Nesse episódio (14 da temporada 12, transmitido a 25 de fevereiro de 2001), Carlos Lopes recebe o ouro, mas, devido à idade, cai do pódio com o peso da medalha.


Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Comentários estão fechados.