O dia 25 de abril de 2024 marca o 50º aniversário da Revolução dos Cravos em Portugal. Esta revolução pôs fim a 50 anos de ditadura e deu início a uma era de democracia. O marco é celebrado numa altura em que o panorama político muda, com o centro-direita a vencer as últimas eleições e a extrema-direita a ganhar terreno.
“Em 1974, tinha 18 anos e estava a iniciar os meus estudos universitários em Lisboa. No entanto, no dia 25 de abril, encontrei-me no Porto, procurando a tranquilidade da família para estudar. Pressentimos que algo de significativo estava a acontecer e a minha mãe aconselhou-me a ficar em casa.” Hoje, com 68 anos, Maria Gorete partilha as suas histórias com a Euronews. Encontrámo-nos com ela na manhã de 22 de março, numa das galerias da capital portuguesa. Os seus olhos brilham de forma especial quando recorda os dias de caos e êxtase que Portugal viveu durante a Revolução dos Cravos.
Questionada sobre os planos para o 50º aniversário da revolução, Maria fica entusiasmada: “Vai ser um dia memorável! Temos planos para nos encontrarmos com 30 antigos colegas da universidade para celebrar”.
“Quanto a mim, guardei uma garrafa de vinho do Porto de 1974. Estou ansiosa por abri-la neste 25 de abril”, partilha Adozinda, amiga de Maria. Na altura, tinha 15 anos e vivia em Angola, uma antiga província ultramarina de Portugal.
As duas mulheres admiram a exposição do fotógrafo Eduardo Gageiro. Entre as imagens, uma parada militar, um soldado português a retirar um retrato do ditador António de Oliveira Salazar da sede da PIDE (polícia secreta) e jovens em torno de um tanque com ar de júbilo. Na vasta e silenciosa galeria da Cordoaria Nacional, uma antiga fábrica de cordoaria à beira do Tejo, mergulhamos no passado, enquanto lá fora Lisboa se aquece com a luz e o calor de um dia de primavera.
Estamos a pouco mais de um mês do 50.º aniversário da revolução que pôs fim à ditadura salazarista. António de Oliveira Salazar tornou-se primeiro-ministro de Portugal em 1932. Estabeleceu uma ditadura, limitando as liberdades civis, impondo uma censura rigorosa e reprimindo toda a oposição política.
Salazar foi substituído por Marcelo Caetano em 1968. Caetano tentou modernizar o regime, mantendo a sua estrutura autoritária e prosseguindo as guerras coloniais em África, o que levou a um golpe de Estado e ao fim da ditadura em 1974.
A 25 de abril de 1974, o exército português, apoiado por civis, estava cansado e indignado com os horrores das guerras coloniais em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Decidiram mudar de rumo. “Ainda não percebíamos o que se estava a passar, só sabíamos que estavam a matar soldados e tínhamos medo”, explica Maria Gorete. “Só no dia 1 de maio é que finalmente percebemos: éramos livres! Que euforia! Toda a gente saiu à rua para festejar”, acrescenta.
A adoção da Constituição em 1976 lançou as bases de uma democracia pluralista. Desde então, o panorama político português tem alternado entre governos do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, e do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita.
No dia 10 de março de 2024, o povo português virou mais uma página importante da sua história. Após oito anos de governo socialista, as eleições legislativas viram a oposição de centro-direita sair vitoriosa e o partido de extrema-direita Chega obter 18% dos votos, contra 7,2% nas anteriores eleições legislativas de janeiro de 2022. O partido liderado por André Ventura tem um manifesto baseado em posições transfóbicas e xenófobas, entre outras, com uma oposição especialmente forte à imigração. “Travámos esta luta para que os nossos filhos e netos pudessem ser livres. E agora, o meu neto, armado com essa liberdade, escolhe usá-la para votar na direita. Tenciono levá-lo a ver esta exposição, para lhe lembrar que, se hoje pode exprimir livremente a sua escolha, é graças à nossa luta”, explica Maria Gorete.
Uma viragem à direita
Vasco Lourenço, atualmente com 80 anos, tinha apenas 31 em 1974. Enquanto capitão do exército português, organizou a primeira reunião clandestina com o objetivo de derrubar o regime. Esta reunião em Alcáçovas, no sul de Portugal, teve lugar a 9 de setembro de 1973. Reuniu 95 capitães, 39 tenentes e dois oficiais, marcando o primeiro passo para o golpe e a revolução. “Os valores que nos empurraram, digamos assim, e nos motivaram para a revolta de 25 de abril de 1974, penso que esses valores permaneceram na sociedade portuguesa, o que nos permitiu ter 50 anos de democracia. Mas não há democracias perfeitas“, diz-me. “Acho que é evidente que um partido como este [Chega] não é nada democrático. Está a usar as regras democráticas para chegar ao poder, mas a história diz-nos que, se chegarem ao poder, vão tentar acabar com a democracia. E por isso temos de os combater, combatê-los dentro das regras democráticas”, acrescenta com convicção.
Lourenço recebe-nos com orgulho na Associação 25 de abril, a que preside. Está rodeado de centenas de medalhas de veteranos. A sua participação na guerra da Guiné-Bissau, em 1969, e a perda de um camarada marcaram-no profundamente. “Quando regressei, decidi não voltar a pegar em armas. Teria desertado se fosse necessário”, explica. “Mas também senti raiva de mim próprio. Apercebi-me do que não tinha compreendido antes de partir: eu era o instrumento de um poder ilegítimo em Portugal, um regime de ditadura, de repressão. Decidi então usar o meu estatuto militar para derrubar esse regime”.
Enquanto o exército se organizava para derrubar a ditadura, figuras menos visíveis difundiam a propaganda anti-regime entre a diáspora portuguesa no estrangeiro. Entre elas, Arnaldo Silva.
“A minha revolta começou quando eu tinha apenas 12 ou 13 anos. Em 1969, já estava envolvido na luta política contra o regime”. O ativismo levou-o à prisão a 2 de dezembro de 1971. Tinha 18 anos. “Nessa manhã, quando me preparava para ir trabalhar, dois agentes entraram de rompante e prenderam-me”, recorda. Preso em Caxias, a oeste de Lisboa, diz ter sido imediatamente sujeito a violências: “As torturas sofridas, as noites de insónia forçada, os calmantes administrados…”. Pára, emocionado, cobrindo os olhos e tentando conter as lágrimas, enquanto descreve a detenção numa pequena cela quadrada partilhada com quatro presos.
Proibido de exercer qualquer atividade política em Portugal após a detenção, Arnaldo Silva exilou-se em França.
Numa sala pouco iluminada do Museu do Aljube, uma antiga prisão em Lisboa, Arnaldo é acompanhado por José Martins, também ele um ex-preso político que viveu no exílio em França. “Penso que a ascensão da extrema-direita em Portugal se deve sobretudo a alguns fracassos de governos de esquerda, que não conseguiram dar resposta às preocupações das pessoas“, considera. “Os que votam à direita são muitas vezes aqueles que já foram de esquerda e mudaram de lado porque a esquerda não conseguiu resolver os problemas sociais”.
Essas questões sociais estiveram entre as prioridades da Amnistia Internacional em Portugal durante a campanha eleitoral de 2024. Consciente dos avanços significativos em matéria de direitos humanos após a revolução e preocupada com o seu futuro, a ONG emitiu um conjunto de recomendações a todos os partidos políticos. As preocupações da organização incluíam a educação, o estado do sistema de saúde português e o acesso à habitação.
“Os temas que realmente nos preocupam: a utilização de migrantes e refugiados como bodes expiatórios para assustar a população e ganhar votos”, especifica Pedro A. Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal.
“O racismo existe. Muitas vezes, manifesta-se de forma muito informal, em conversas de café ou nas redes sociais, onde as pessoas falam mal só por falar. A diferença do Chega é que ele capitalizou esse racismo para torná-lo um discurso oficial. Normalizou este tipo de discurso, que é completamente desrespeitoso”.
Perante a ascensão da extrema-direita, o historiador e professor Ricardo Noronha, da Universidade Nova de Lisboa, dá uma outra perspetiva: “Parece-me que a noção ampla de democracia, enquanto conjunto de direitos individuais e coletivos, não está ameaçada pelo facto de a extrema-direita ter conseguido 18% dos votos nas últimas eleições”.
O eco da Revolução nas gerações mais jovens
No âmbito da comemoração do aniversário desta revolução histórica, a Comissão Governamental do 25 de abril está a desenvolver esforços significativos para envolver todos os grupos etários neste ato de memória, especialmente os jovens. “Lançámos campanhas nas redes sociais, muito seguidas pelos jovens, como a #NãoPodias, que enumera 13 proibições e restrições anteriores à revolução, como a impossibilidade de votar livremente ou de se organizar politicamente”, explica Maria Inácia Rezola, comissária executiva e professora de História. Estas iniciativas têm como objetivo sensibilizar para as liberdades que hoje são um dado adquirido e que outrora eram inatingíveis.
“A liberdade é como a saúde: só nos apercebemos da sua importância quando começamos a perdê-la”, diz Vasco Lourenço, “é natural que quem nasceu em liberdade não questione o seu estado. Pergunto-lhes muitas vezes se aceitariam viver sem liberdade, e a resposta é unanimemente negativa. No entanto, é fundamental mantermo-nos vigilantes, pois a história da humanidade é cíclica e não podemos permitir que a liberdade volte a ser ameaçada. Temos de aprender com a história para evitar que a juventude seja novamente alienada”, afirma.
Segundo Arnaldo Silva, “a juventude portuguesa continua alerta e não deixará que as ambições políticas, económicas ou militares se sobreponham às suas liberdades e ideais”.
O professor Ricardo Noronha confirma o interesse evidente dos jovens por este período histórico: “Quando visitamos escolas secundárias ou primárias, o entusiasmo dos alunos é palpável. Ao contrário do que se espera, eles ficam atentos, fazem perguntas e compartilham seus pensamentos, às vezes influenciados por narrativas familiares da época. Esta curiosidade é sinal de um envolvimento saudável”, observa.
No dia 25 de Abril, os sindicatos e os movimentos de protesto portugueses marcham tradicionalmente para fazer ouvir a sua voz. Este ano, o movimento começou com bastante antecedência, impulsionado pela juventude portuguesa. Nas ruelas de Lisboa, durante um protesto contra a instabilidade financeira, cantam “25 de abril sempre, fascismo nunca mais!”. Com os punhos erguidos, seguram o cravo vermelho simbólico, a flor colocada nos canos das armas em 1974 como símbolo da paz. Para estes jovens, o espírito da revolução parece estar ainda bem vivo.
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