Venezuelanos arriscam suas vidas para se ‘autodeportar’ dos EUA, atendendo pedido de Trump
Cerca de 40 venezuelanos saem dos EUA e embarcaram no barco na Costa Caribenha do Panamá, com seus pertences amontoados em sacos de lixo e seus filhos agarrados
Eles embarcaram no barco na costa caribenha do Panamá, cerca de 40 pessoas ao todo, com seus pertences enfiados em sacos de lixo e seus filhos agarrados firmemente a eles para a árdua viagem que os aguardava.
Eles não estavam desafiando o governo americano ao se dirigirem à fronteira. Estavam voltando para a Venezuela — fazendo exatamente o que as autoridades americanas queriam — mesmo que isso significasse enfrentar mais uma vez ameaças de roubo, sequestro e uma travessia perigosa.
“É um sonho desfeito”, disse Junior Sulbarán, que, como os outros, havia fugido da Venezuela no ano anterior, carregando sua filha pequena por milhares de quilômetros rumo ao norte e através da traiçoeira passagem na selva conhecida como região de Darién.

Venezuelanos organizam o retorno a Venezuela, em Peurto Pilon, Panamá
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Ele e sua família chegaram à Cidade do México antes do segundo mandato do presidente Trump e logo ouviram a mensagem do governo. “Se você está pensando em entrar ilegalmente nos Estados Unidos, nem pense nisso”, disse Kristi Noem, secretária de Segurança Interna, em um vídeo da Casa Branca publicado em fevereiro. “Se você vier ao nosso país e violar nossas leis, nós o caçaremos.”
Não há um número claro de quantas pessoas decidiram deixar os Estados Unidos ou desistiram de chegar lá, e a imigração na fronteira sul já havia caído drasticamente antes mesmo de Trump assumir o cargo pela segunda vez.
Um barco com imigrantes venezuelano faz o trajeto do Panamá para a Colômbia
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Mas, em um sinal de que alguns imigrantes estão começando a retornar à América do Sul, mais de 10.000 pessoas — praticamente todas da Venezuela — pegaram barcos do Panamá para a Colômbia desde janeiro, de acordo com autoridades panamenhas, que afirmam que mais pessoas partem a cada semana.
Esse é um número pequeno comparado às centenas de milhares de venezuelanos que entraram nos Estados Unidos e no México nos anos mais recentes, mas a nova e movimentada rota de barco em direção à América do Sul é um sinal, segundo imigrantes, autoridades e grupos de direitos humanos, de que as táticas rigorosas do governo Trump estão surtindo efeito.

Dayerlín Sandoval e seu filho deixaram o Estado americano do Texas e estão retornando a Venezuela
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
“O mundo está ouvindo nossa mensagem de que as fronteiras dos Estados Unidos estão fechadas para infratores”, disse Tricia McLaughlin, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, em um comunicado. “Os imigrantes agora estão até voltando antes mesmo de chegarem às nossas fronteiras.”
Para aqueles nos Estados Unidos, ela disse, “é uma escolha fácil: sair voluntariamente e receber US$ 1.000”, referindo-se à oferta de “autodeportação voluntária” feita pelo governo.
Um grupo de imigrantes dorme em um abrigo antes de pegarem um barco de Puerto Pilon, no Panamá, para a Colômbia
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Desafio
Embora o governo alegue sucesso, especialistas dizem que muitos imigrantes enfrentam tantas barreiras para voltar para casa que, mesmo estando dispostos, o retorno é extremamente desafiador.
“Eles estão presos, onde quer que estejam”, disse Juan Cruz, que atuou como principal conselheiro de Trump para a América Latina durante seu primeiro mandato, observando que muitos imigrantes estão empobrecidos, endividados e sem documentos de viagem. Os venezuelanos, acrescentou, também enfrentam um governo hostil àqueles que partiram para os Estados Unidos.
Talvez o governo Trump não se importe com a forma como as pessoas voltam para casa, disse Cruz. Mas, se quiser incentivar mais pessoas a partir, ignorar os obstáculos que os imigrantes enfrentam “não é a maneira de fazê-lo”, disse ele. “Eles não têm nada a seu favor.”

Um oficial da Guarda de Fronteira do Panamá inspeciona um barco de venezuelanos que vai para a Colômbia
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Entre os que partem, os imigrantes da Venezuela, em particular, dizem que se sentem alvos do governo, que recentemente encerrou as proteções contra deportação e enviou centenas de homens acusados de serem membros de gangues para uma prisão em El Salvador.
No Texas, os ônibus com destino ao sul estão lotados de venezuelanos que dizem temer ser detidos por causa de tatuagens ou separados dos filhos. No México, há uma competição desesperada, que dura meses, para embarcar em voos para Caracas. No Panamá, os arredores de Colón se tornaram um polo para operadores de barcos que cobram centenas de dólares para embarcar em barcos frágeis que contornam a região de Darién no caminho de volta para a América do Sul.
Para muitos imigrantes da Venezuela, a situação é muito mais difícil do que levantar a mão e embarcar em um avião.
Um grupo de imigrantes recebe instruções para a jornada de Puerto Obaldia, no Panamá, para a Colômbia
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Alguns não têm documentos de viagem depois de anos na estrada, ou mesmo documento algum — e, como a Venezuela tem poucos consulados, obter nova via dos papéis é extremamente difícil. Um passageiro do barco no Panamá, Adrián Corona, disse que seu passaporte estava vencido e sua identidade foi perdida na região de Darién.
Ele havia dado meia-volta no México, assim como Sulbarán, sua mulher e a filha pequena, Samantha Victoria, que estavam viajando havia mais de um ano quando conseguiram retornar ao Panamá.
“Saímos de Santiago, no Chile, passamos pela Bolívia, depois Peru, depois Equador, depois Colômbia e, finalmente, entramos na região de Darién”, disse Sulbarán a respeito da tortuosa fuga da Venezuela arruinada. “Passamos seis dias na selva.”
Deixando o México, eles pegaram um ônibus para o sul, até a costa do Panamá, onde colocaram seus pertences em sacos de lixo para protegê-los de tempestades e ondas.

Alejandra Rojas, de 26 anos, e seu cachorro Milu mudam de barco depois de um problema mecânico
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
“Tudo isso foi uma perda de tempo e dinheiro”, disse Josliacner Andrade, mulher de Sulbarán.
Agora, novos obstáculos se interpunham em seu caminho. O Panamá praticamente fechou a região de Darién, buscando ajudar os Estados Unidos a conter a imigração para o norte e afirmando que a travessia, a pé, se tornou muito perigosa.
“Desde que fecharam a selva, tivemos que pegar os barcos”, disse Dayerlín Sandoval, que viajou de San Antonio até o barco, temendo ser deportada sem o filho.
Geraldine Rincón, de 25 anos, ligou para a família enquanto tentava arrecadar fundos para a viagem de barco.
Christopher Bayona foi deportado do Texas para Matamoros, no México, e decidiu retornar a Venezuela
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Custo
Muitos venezuelanos economizaram durante meses para fazer a difícil viagem, que pode custar alguns milhares de dólares a uma família pequena.
Geraldine Rincón, que soube da rota de barco pelo TikTok, disse que sua mãe vendeu uma motocicleta na Venezuela para ajudar a financiar a viagem dela e de seus filhos pequenos.
Simplesmente para entrar em um barco, cada imigrante paga cerca de US$ 300, usando pulseiras rosas como prova.
E, uma vez a bordo, os perigos não cessam.

Geraldine Rincon, de 25 anos, liga para a família para tentar angariar fundos para a viagem de barco, em Puerto Pillon, no Panamá
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Os barcos percorrem mais de 320 quilômetros pelo Caribe, parando em uma vila às margens da região de Darién, antes de seguirem em direção ao seu destino, a Colômbia. Ao longo do caminho, às vezes passam por paisagens dignas de cartão-postal — navios cargueiros no Canal do Panamá, ilhas cobertas de palmeiras —, mas, frequentemente, navegam por mares agitados e sob um sol escaldante.
Pelo menos uma viagem foi fatal. Em fevereiro, uma criança venezuelana de 8 anos se afogou e cerca de 20 migrantes tiveram que ser resgatados após o naufrágio do barco.
Por um momento, os imigrantes que partiram no início de maio temeram outro desastre. Quando o barco se aproximava de um posto de controle de imigração na ilha de El Porvenir, ouviu-se um forte estalo. Uma hélice havia atingido um recife.
Eles chegaram ao posto de controle, onde as autoridades panamenhas contam as cabeças e, principalmente, garantem que os imigrantes continuem seu caminho. Mas, cerca de uma hora depois, o motor danificado quebrou, restando apenas uma hélice.
O capitão tentou sintonizar o sinal de celular para pedir reforços e os passageiros ardiam sob o sol do meio-dia. Quando o barco se movia com firmeza, o calor era suportável. Nesse ritmo, era sufocante.
Alejandra Rojas abriu uma embalagem de suco para sua cadela ofegante, Milú, que a havia seguido pela selva de Darién. Alejandra usava um chapéu, mas a maioria dos passageiros não tinha nada além de camisetas para cobrir a cabeça. Duas crianças vomitaram.
Após 40 minutos sob o sol, o barco de apoio chegou e, um a um, os imigrantes passaram as crianças, as malas e o cachorro pela amurada. Então, eles seguiram seu caminho, com as ondas subindo e o barco batendo com força nas ondas.
Uma família monta uma barraca para passar a noite em Puerto Obaldia, Panamá
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
Finalmente, após oito horas, o grupo chegou a Puerto Obaldía, uma pequena vila sem estradas perto da fronteira com a Colômbia.
Lá estavam eles, às margens de Darién, diante de uma região que passou a ver os imigrantes como uma oportunidade financeira — novamente.
Juanita Goebertus, diretora da divisão das Américas da Human Rights Watch, disse que o canto remoto da Colômbia para onde os barcos vão é essencialmente administrado por um grupo criminoso. E os imigrantes sabiam o que os esperava: pagar aos moradores locais uma fortuna por comida, água e um pedacinho de espaço para dormir em seus quintais ou no chão.

Um grupo de venezuelanos espera para fazer uma travessia de barco do Panamá para a Colômbia
Foto: Federico Rios Escobar/NYT
“Somos pequenas minas de ouro”, disse Corona. “Todo mundo nos vê assim.”
Os migrantes que chegavam à cidade fronteiriça subiam em barcos para a Colômbia no dia seguinte e, depois, se dispersavam. Aqueles que se dirigiam à Venezuela sabiam que seus parentes, muitos passando fome, teriam pouco a oferecer.
Preparado para o pior, Sulbarán disse que ele e a mulher planejavam apenas buscar o filho de 9 anos e ver a família. Depois, dariam meia-volta e deixariam a Venezuela mais uma vez. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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