Peru: tragédia e comédia – Opera Mundi

Até 7 de dezembro de 2022, quando Pedro Castillo protagonizou um “golpe de Estado” que nem ele mesmo acreditava ser possível, o Peru já era simultaneamente uma tragédia e uma comédia dramática. A falta de habilidade do golpista, somada ao seu abandono do compromisso com os próprios eleitores – exatamente como desejava a direita –, acabou criando o cenário ideal para que no interior do “Congresso de delinquentes” (como definiu o jornalista César Hildebrandt), amadurecesse uma coalizão de máfias políticas que, após destituir ilegalmente Castillo, governa tendo Dina Boluarte como sua marionete.

Essa coalizão mafiosa reúne o Congresso e o Executivo sob a coordenação do fujimorismo, uma organização criminosa com longo histórico. Entre suas ações mais graves está a captura do Tribunal Constitucional, da Defensoria do Povo, da Junta Nacional de Justiça, do Poder Judiciário, das Forças Armadas, da Polícia Nacional, estando ainda em busca do controle sobre o Júri Nacional de Eleições e o Ministério Público – dois dos últimos bastiões da frágil e quase fantasmagórica democracia peruana. Se somarmos a isso a pressão contra a pouca imprensa livre que ainda resiste, estamos claramente diante de uma ditadura sem disfarces.

Tragédia peruana

A presidente do Peru, Dina Boluarte.
(Foto: Presidencia Perú / Flickr)

A coalizão mafiosa (direita e extrema-direita fascista) que governa o Peru destruiu as instituições democráticas em nome da própria “democracia”. Solapou a independência e autonomia de praticamente todas as instituições encarregadas de proteger a justiça e a democracia. Ao mesmo tempo, favoreceu o crime organizado e encobriu o assassinato de mais de 70 peruanos que protestaram contra Dina Boluarte entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023.



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Como poucas vezes se viu, o silêncio internacional foi gritante diante desses assassinatos em massa. É compreensível o silêncio de governos de extrema-direita como o de Trump e semelhantes, mas é inexplicável o silêncio de Brasil e Chile, enquanto México e Colômbia condenaram veementemente o golpe contra Castillo e caracterizaram o governo Boluarte como uma ditadura controlada pelo “Congresso de delinquentes”.

Apesar disso, tudo indica que a presidente Boluarte terá o mesmo destino de seus antecessores Toledo, Humala, Fujimori e Vizcarra: a prisão. Todos estiveram envolvidos em casos escandalosos de corrupção devidamente comprovados, algo que se repete agora com a atual presidente. Isso confirma que a corrupção no Peru não é algo circunstancial, nem uma série de casos isolados, mas sim estrutural e persistente governo após governo.

Essa corrupção metastatizou no Congresso, que admite até mesmo a prostituição como parte das “funções secretárias ou assistenciais”, envolvendo cerca de 30 parlamentares. No Executivo, ganha destaque o esquema de corrupção envolvendo Dina Boluarte desde a época em que era ministra. Trata-se do pagamento de propinas pela empresa FRIGOINCA, fornecedora de alimentos para o milionário programa QALI WARMA, a todos os funcionários envolvidos, incluindo a atual presidente. Diante das evidências, o proprietário da empresa acabou cometendo suicídio.

A insegurança pública é outro capítulo trágico. Os matadores de aluguel já não temem a lei nem as autoridades, assassinando não apenas motoristas e artistas que resistem à extorsão, mas também pequenos empresários que se recusam a pagar “pedágios” às máfias protegidas por autoridades corruptas. Desde julho de 2021, já são quase 1900 vítimas, com 500 assassinatos só este ano. Segundo a coalizão mafiosa, basta trocar de ministro para resolver o problema. Mas a realidade mostra outra coisa: após 13 ministros do Interior em menos de 3 anos e milhares de mortes, o crime continua impune e dominante.

Em meio a esse caos moral e ético, as eleições gerais de 2026 são o ápice dessa tragicomédia. Não apenas é um pacto vergonhoso pela reeleição sendo articulado no Congresso, como também uma vil captura e retenção do poder. O processo eleitoral deve ser convocado em 12 de abril, mas não surpreenderá se essa data ou regras eleitorais forem alteradas de acordo com os interesses da coalizão mafiosa. O único objetivo é impedir que um candidato de esquerda ou progressista vença. Precisa ganhar alguém da extrema-direita para garantir a impunidade aos atuais candidatos à prisão, incluindo a presidente.

Comédia peruana

Apesar de ser uma marionete da coalizão mafiosa, a presidente Boluarte exala frivolidade e cinismo sem precedentes. Negou categoricamente ter feito uma cirurgia plástica que a afastou de suas funções por quase três dias. O problema não era a cirurgia em si, mas o abandono do cargo. De acordo com a Constituição, quem deveria assumir era o presidente do Congresso, mas ele não recebeu comunicação oficial do Executivo. Essa omissão constitui grave crime que já foi devidamente documentado. Não bastasse isso, a presidente pagou a cirurgia oferecendo cinco cargos de alto nível solicitados pelo cirurgião para amigos seus. Este tráfico de influências também está amplamente documentado.

Essa comédia ganhou “valor oficial” quando, em um discurso à nação, Dina Boluarte, exibindo seu rosto rejuvenescido, negou categoricamente tais operações. Esse “desmentido” provocou uma ridícula bajulação de ministros que repetiram incansavelmente a mentira, desmentida dias depois pela confissão documentada do cirurgião Mario Cabani.

Outro episódio cômico envolve os relógios Rolex “emprestados”. Boluarte foi flagrada usando publicamente mais de 12 modelos diferentes desses relógios luxuosos. Quando questionada sobre tal luxo, disse que haviam sido emprestados por seu “huayqui” (irmão), Wilfredo Oscorima, presidente da Região de Ayacucho, já condenado por corrupção. Essa mentira caiu rapidamente quando foi comprovado que eram presentes em troca de favores na gestão pública.

A noite parece estar chegando para Dina Boluarte. Seus antigos aliados agora se tornaram testemunhas que fornecem provas contra ela. Alberto Otárola, ex-primeiro-ministro, passou a “vazar” informações sobre crimes cometidos dentro do Palácio do Governo. O mesmo papel desempenha sua “amiga íntima”, Patricia Mouriano, que, dos Estados Unidos, já revela detalhes sobre a cirurgia plástica, cuja ficha médica foi inacreditavelmente roubada pela própria presidente, na tentativa de apagar rastros.

Para encerrar, é preciso mencionar nossa democracia cuja profundidade é medida pelo número de partidos registrados no Júri Nacional de Eleições. Nunca nossa “democracia” foi tão “democrática” como agora, pois nas próximas eleições poderão participar legalmente 50 partidos políticos. Como chegamos a isso? Graças às normas impostas pela coalizão mafiosa que governa o país. Quanto maior a fragmentação política, melhores são as condições para perpetuar as máfias e negociatas no próximo Congresso.

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