A estratégia de dumping de aço da China fomentou uma crise na indústria siderúrgica da América Latina, perturbando os mercados locais e ameaçando postos de trabalho e a estabilidade econômica. Inundados por aço barato e diante da concorrência desleal da China, os países da região tomaram medidas para protegerem-se, aplicando tarifas e medidas antidumping sobre as importações de aço da China.
No Peru, o Instituto Nacional de Defesa da Concorrência e Proteção da Propriedade Intelectual (Indecopi) iniciou investigações por dumping em tubos de aço laminado a quente, pias de aço inoxidável e fio-máquina de aço procedentes da China. A decisão do Indecopi de iniciar as investigações atendeu às solicitações de fabricantes locais, incluindo Manufactura de Metales y Aluminio Record S.A., o principal produtor local de pias de aço inoxidável, e Corporación Aceros Arequipas S.A., Tubos y Perfiles Metálicos S.A. e Precor S.A., que argumentaram que as importações desses produtos estão prejudicando significativamente a indústria local.
No caso das pias de aço inoxidável, de acordo com os dados, as importações procedentes da China afetaram severamente a indústria local, com uma margem de dumping de 491,5 por cento entre julho de 2023 e junho de 2024. “Essa porcentagem me parece brutal”, afirmou à Diálogo Sergio Cesarin, coordenador do Centro de Estudos Ásia-Pacífico e Índia, da Universidade Nacional de Tres de Febrero, na Argentina.
O dumping é a prática comercial para vender produtos manufaturados com preços abaixo do custo, até mesmo com prejuízo, a fim de dominar o mercado, destruir a concorrência e posteriormente fixar o preço à vontade, causando o fechamento de pequenas empresas locais e, como consequência, o desemprego.
Os dados também mostram que, entre janeiro de 2021 e junho de 2024, a produção local de lavatórios de aço inoxidável caiu mais de 71 por cento, enquanto as vendas domésticas diminuíram cerca de 45 por cento. Além disso, as pias importadas da China registraram uma subvalorização de mais de 80 por cento, afetando os preços do mercado interno.
De acordo com a agência estatal Andina, a lucratividade e a produtividade também sofreram uma deterioração significativa. A produção por trabalhador caiu mais de 73 por cento e a margem de utilidade unitária foi reduzida em 88 pontos percentuais, atingindo valores negativos no primeiro semestre de 2024. Ao mesmo tempo, os estoques caíram em mais de 65 por cento.
Em conformidade com os acordos internacionais, o Indecopi informou as autoridades chinesas de sua decisão. Como parte da investigação, que terá um prazo inicial de seis meses, prorrogável até nove meses, o Indecopi realizará inspeções no local. Se essa prática desleal e seu impacto sobre a indústria local forem confirmados, poderão ser impostas taxas antidumping.
A China no setor siderúrgico
A China se consolidou como o principal produtor mundial de aço, com a maioria de suas empresas siderúrgicas sob propriedade do Estado. Esse crescimento é sustentado por uma economia centralizada que opera fora das regras do comércio internacional, com acesso a recursos financeiros ilimitados e sem restrições de mercado, de acordo com um relatório de Londres da plataforma de jornalismo investigativo Dialogue Earth.
“A China não é apenas um ator dominante no setor siderúrgico, mas também enfrenta acusações de práticas maliciosas, como o dumping”, declarou Cesarin. “O Estado chinês subsidia empresas estratégicas conhecidas como empresas de controle, e o setor siderúrgico é um dos maiores beneficiários desse apoio governamental.”
Desde 2010, o comércio internacional de aço passou por uma mudança significativa. O setor siderúrgico chinês, enfrentando um excesso de capacidade instalada, voltou sua produção para os mercados internacionais, para manter seu nível de produção, garantindo o emprego e a estabilidade social no país. Sua estratégia mais eficaz para ganhar participação no mercado é oferecer preços baixos, ressalta Dialogue Earth.
A indústria siderúrgica latino-americana, apesar de operar sob altos padrões de governança, qualidade, segurança industrial e regulamentações ambientais, não pode competir com os preços artificialmente reduzidos do aço chinês, declarou Dialogue Earth. “O Peru é um alvo importante para colocar o aço chinês, porque tem um acordo de livre comércio com a China”, ressaltou Cesarin.
Empresas de países como México, Brasil e Argentina enfrentaram uma concorrência desleal, o que provocou fechamento de fábricas, perda de empregos e processos de desindustrialização. Para neutralizar esses efeitos, eles implementaram tarifas sobre as importações de aço da China.
De acordo com Cesarin, quando um país aplica uma regra de salvaguarda contra a China ou seus produtos, em última análise, a negociação não é com a empresa, mas com o governo e o partido (Partido Comunista Chinês – PCC), o que complica o processo. “No caso do Peru, há vários projetos chineses em mineração, infraestrutura e portos, e todos eles teriam de ser colocados na mesa para alcançar uma solução”, afirmou.
“Apesar das limitações impostas pela assimetria da relação comercial com a China, os governos latino-americanos devem tomar medidas mais fortes para neutralizar os efeitos do aço chinês”, alertou Cesarin. “O governo peruano, em particular, deve demonstrar seu compromisso com a proteção da indústria nacional, a preservação de empregos e o estabelecimento de relações comerciais justas.”
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