Antes de oferecer arquitetura encantadora e salsichas alemãs, o local foi sede de uma seita nazista liderada por um abusador e cúmplice da ditadura
Hoje, Villa Baviera atrai visitantes com sua paisagem pitoresca, gastronomia europeia e charme germânico em pleno interior do Chile. Mas sob a superfície turística dessa pequena vila repousa uma história sinistra e brutal: o passado da região como Colonia Dignidad, um enclave fundado por um ex-nazista fugitivo, onde abusos sexuais, trabalho escravo e tortura foram rotinas por décadas.
Origem nazista
Paul Schäfer, um pregador que defendia a abstinência sexual, fundou um orfanato em Siegburg, Alemanha, após conquistar seguidores enquanto vagava pelo interior. No entanto, no final dos anos 1950, foi acusado de molestar dois meninos, revelando uma verdade sombria por trás de seus sermões.
Em 1961, para escapar das acusações e evitar que seu passado nazista fosse exposto, Schäfer fugiu para o Chile com dezenas de seus seguidores. Ele foi auxiliado por uma rede nazista clandestina na América do Sul e por facções pró-nazistas nas forças armadas chilenas.
No Chile, ele adquiriu milhares de hectares de terra e estabeleceu a Colonia Dignidad, um culto antissemita e anticomunista localizado a aproximadamente 320 quilômetros ao sul de Santiago. As décadas seguintes seriam marcadas por atrocidades terríveis dentro de seus limites.
Nas décadas de 1960 e 1970, a Colonia Dignidad abrigava cerca de 300 membros, cujas vidas eram rigorosamente controladas por Schäfer, a quem chamavam de “Tío Permanente” ou “Nosso Tio Eterno”. Schäfer, frequentemente cercado por um grupo de meninos, separava os recém-nascidos de seus pais, que só tinham breves encontros com seus filhos no refeitório da colônia. Ele abusava sexualmente das crianças, e os seguidores eram levados a crer que era uma honra para uma criança compartilhar a cama com ele.
Os seguidores, muitos deles órfãos, trabalhavam incessantemente sem remuneração. Crianças que desobedeciam eram punidas com choques elétricos ou tranquilizantes. Uma comissão de Berlim concluiu em 2019 que “os sobreviventes ainda sofrem enormemente com as graves consequências psicológicas e físicas após anos de danos causados pela violência, abuso, exploração e trabalho escravo”.
Apesar do alemão ter construído uma usina nuclear, duas pistas de pouso e uma estação de televisão na colônia, apenas ele e seus colaboradores mais próximos tinham acesso a qualquer tipo de mídia. Os demais membros viviam isolados do mundo, impedidos de escapar por cercas de arame farpado, torres de vigia e câmeras e microfones ocultos.
Centro de tortura
Segundo o ‘All That’s Interesting’, em 1973, Paul Schäfer consolidou seu poder e intensificou a violência na Colonia Dignidad ao firmar um acordo com o ditador chileno General Augusto Pinochet.

Após Pinochet assumir o poder por meio de um golpe militar, ele e Paul selaram um pacto. O alemão obteve o direito de exportar produtos como madeira, trigo, milho e especialidades alemãs (salsichas) e importar o que necessitasse sem o pagamento de impostos. Além disso, o governo se comprometia a não tomar medidas contra fugitivos que denunciassem abusos. Em contrapartida, Schäfer permitiu que Pinochet utilizasse o sistema de túneis subterrâneos da Colonia Dignidad como uma prisão secreta e câmara de tortura.
Segundo a Comissão da Verdade do Chile, a agência secreta de inteligência do ditador, a DINA, começou a levar dissidentes para a Colonia Dignidad a partir da década de 1970. Muitos desapareceram, enquanto os sobreviventes relataram ter sido torturados com choques elétricos e outras atrocidades. Testemunhos de sobreviventes e agentes da DINA posteriormente revelaram que alguns foram torturados até a morte, e outros foram mortos a tiros por Schäfer.
Segundo o ‘All That’s Interesting’, o local também estaria ligado ao desaparecimento de Boris Weisfeiler, montanhista e professor judeu-americano desaparecido em 1984. Documentos desclassificados sugerem que ele foi capturado, levado à colônia, torturado e executado por ser judeu.
A queda
Entretanto, o império de Paul Schäfer na Colonia Dignidad não duraria para sempre. A queda do ditador chileno Augusto Pinochet na década de 1990 marcou também o declínio de Schäfer.
Sem a proteção do ditador, os sombrios segredos da Colonia Dignidad vieram à tona. O alemão fugiu da colônia em 1997. A investigação que se seguiu à sua fuga revelou um arsenal impressionante: 100 fuzis de assalto, 90 submetralhadoras, milhares de granadas de mão e mísseis terra-ar.
Schäfer foi preso em 2005 e condenado a 20 anos de prisão. As acusações incluíam abuso sexual de 25 crianças alemãs e chilenas, tortura, posse ilegal de armas e uma acusação de homicídio. Ele faleceu em 24 de abril de 2010, enquanto cumpria sua pena.
Atualmente
Hoje, a antiga Colonia Dignidad é promovida como a tranquila Villa Baviera. Atrações turísticas e festas típicas alemãs convivem com os resquícios de um dos capítulos mais obscuros da história chilena e da diáspora nazista na América do Sul. Em meio a jardins floridos e construções germânicas, pouco se fala sobre o regime de terror que assolou o local por décadas.

Curiosamente, a seção “História” no site da Villa Baviera está atualmente “em construção”.
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