“Para nós, a eleição do Papa foi como receber um ar fresco porque estávamos num momento político muito baixo, sem que tivéssemos esperanças de saída para o país perante um Governo autoritário que reprime, que permite mortes e impunidade. Era um momento de escuridão sem luzes. Agora, a sociedade civil organizada volta às ruas, sentindo que ganhou um aliado de peso internacional”, disse à Lusa Yolanda Díaz, coordenadora da Comissão de Mobilidade Humana e Tráfico de pessoas da diocese de Chiclayo, de onde Robert Prevost saiu para se tornar Papa.
Em Lima, comerciantes, professores e universitários juntaram-se à greve de transportes para exigir a renúncia de Boluarte, depois de uma série de episódios de repressão policial contra manifestantes cujas mortes continuam impunes, de casos de corrupção e do aumento da criminalidade urbana.
Há duas semanas, por exemplo, 13 trabalhadores de uma mina apareceram mortos, vítimas do crime organizado.
Na terça-feira, o primeiro-ministro, Gustavo Adrianzén, apresentou a demissão, um dia antes de o parlamento votar quatro moções de censura, devido à incapacidade de gerir a onda de insegurança nas principais cidades do país.
A greve de quarta-feira terminou à meia-noite em Lima (06:00 em Lisboa), desencadeando réplicas por todo o país. Em Chiclayo (norte), onde o cardeal Robert Prevost passou nove anos, antes de partir para o Vaticano, um protesto de organizações sociais, sindicais e de direitos humanos aproveitou a exposição internacional que significa ter um Papa peruano, mais especificamente da cidade, para voltar à carga contra a Presidente.
“Pelo trabalho que o Papa realizou aqui, no norte do Peru, caminhando junto das organizações sociais e indo aos povoados mais necessitados, sentimos que Leão XIV está do nosso lado. A eleição dele reviveu a nossa fé. Para nós, é um alívio porque temos agora um aliado contra este Governo ilegítimo”, disse à Lusa o professor Régulo Manayalle Céspedes, de 62 anos, participante do protesto em Chiclayo.
Nesta cidade, onde Robert Prevost se tornou peruano em setembro de 2015, uma marcha atravessou as principais avenidas. Os manifestantes gritavam palavras de ordem contra a Presidente entre faixas espalhadas por todos os comércios e postes de rua, (“Bem-vindos a Chiclayo, a cidade do Papa Leão XIV”), e preparativos para uma cerimónia popular paralela à missa de entronização do novo Papa.
No final de semana, uma sondagem da consultora Ipsos mostrou que, no norte do Peru, a popularidade de Boluarte é de 0%. Na média do país, a Presidente 2%.
“Em 30 anos, nunca houve uma tendência negativa tão constante na aprovação de um Presidente da República. Não conheço nenhum caso semelhante no mundo. Boluarte está a passar para a história como um dos governantes mais ineficientes”, considerou o diretor da consultora, Guillermo Loli.
Boluarte rejeitou as sondagens, classificou os críticos de “minoria de traidores da pátria”, impediu a população de participar em atos públicos e há sete meses que usa a polícia para manter os jornalistas à distância.
“Acreditamos que a escolha do novo Papa nos permita estabelecer uma nova relação entre o Governo e o povo. Sabemos que o Papa está connosco, com o povo. E sabemos que tudo o que for feito contra o povo peruano agora terá a lupa do mundo posta aqui”, contou à Lusa Erwing Torres Mendoza, de 47 anos, especialista em saneamento ambiental.
Em fevereiro de 2023, quando ainda era bispo de Chiclayo, Robert Prevost criticou o então recente Governo de Boluarte que começou com a morte de mais de 50 pessoas. Na ocasião, confessou tristeza por ter de deixar o país, depois de ter sido chamado ao Vaticano pelo Papa Francisco.
“Muita tristeza e muita dor. Inclusive, eu disse ao santo padre que este não é o melhor momento para deixar o país. Quero continuar a acompanhar o povo”, afirmou na altura.
“Há setores da população que se sentem esquecidos e que têm reivindicações legítimas. Ao mesmo tempo, há uma parte desse conflito que não representa o melhor do povo peruano. Tem interesses particulares. É necessário promover a democracia”, acrescentou, sobre a eleição de Boluarte, vista no país como um golpe de Estado contra o ex-presidente Pedro Castillo (2021-2022).
Em dezembro de 2022, quando Dina Boluarte chegou ao poder, 54 pessoas morreram nas manifestações contra a destituição de Castillo e contra a posse de Boluarte, que terá mandado reprimir os protestos de forma violenta.
Severino Riveros Tineo, de 68 anos, coordena os apoios a Pedro Castillo, um professor rural que se tornou Presidente em julho de 2021, ficando menos de ano e meio no cargo.
“Queremos, como disse o Papa, resgatar a democracia que nos foi usurpada pelos grupos de poder. A eleição de um Papa peruano tão próximo do povo nos fortalece. A chegada de Leão XIV injeta ânimo em todos as agrupações populares, especialmente aqui no norte do país”, concluiu.
O cardeal Robert Francis Prevost, de 69 anos, foi eleito Papa no dia 08 de maio, após dois dias de conclave, na Cidade do Vaticano, e assumiu o nome de Leão XIV.
Nascido em Chicago, nos Estados Unidos, pertence à Ordem de Santo Agostinho e foi prefeito do Dicastério para os Bispos.
Leão XIV sucede ao Papa Francisco, que morreu em 21 de abril, aos 88 anos.
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