ONTEM E HOJE TERRORISTAS, AMANHÃ LIBERTADORES

João Lourenço, presidente angolano não nominalmente eleito, presidente do MPLA (partido no poder há 48 anos), Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Força Armadas apelou em Maio do ano passado à mobilização dos países africanos contra o terrorismo, sem ambiguidades nem hesitações e à condenação firme das mudanças anticonstitucionais de Governos em África para que não adquiram “um carácter de normalidade”.

Por Orlando Castro

João Lourenço discursava na Cimeira sobre o Terrorismo e as Mudanças Inconstitucionais de Governo em África, que decorreu em Malabo, capital da Guiné Equatorial (cujo presidente chegou ao poder via golpe de estado), onde participam mais de uma dezena de chefes de Estado ou de Governo – entre os quais, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe – que debateram as causas do aumento de golpes no continente em 2021 e 2022 e as implicações para a governação.

João Lourenço mostrou preocupação com o crescimento do terrorismo em África, apelando a “um esforço conjunto e concertado” dos países africanos para enfrentar esta grave situação de segurança.

Mas, afinal, tal como hoje – entre outros – acontece no Médio Oriente com o Hamas, como é que os portugueses chamavam aos movimentos de libertação das colónias? Eram terroristas. E assim foram chamados até “derrotarem” o inimigo. Depois passaram a libertadores.

Relembre-se que no fim do século XIX, o sionismo foi um movimento nacionalista judaico (terrorista – “uso deliberado de violência, mortal ou não, contra instituições ou pessoas, como forma de intimidação e tentativa de manipulação com fins políticos, ideológicos ou religiosos) que tinha por objectivo central a defesa da formação de uma nação judaica, bem como da criação do Estado judeu, ou uma Eretz Israel, isto é, a “Terra de Israel”.”

Voltemos à tese do presidente de um movimento terrorista/libertador (o MPA), João Lourenço, que pediu “um consenso claro e objectivo” quanto aos comportamentos e actos que se enquadram na definição de terrorismo e golpe de Estado, de modo a evitar “ambiguidades e hesitações na hora de agir, que afectam em muitos casos a coesão e a firmeza necessárias, ao combate e neutralização destes flagelos”.

É também necessário cuidar mais eficientemente do controlo das fronteiras, para evitar a circulação e movimentação dos grupos extremistas e reflectir sobre as razões internas “que, em muitos casos, levam ao desencadeamento do terrorismo, da instabilidade, da insegurança e da desorientação das populações que se tornam vulneráveis e aceitam facilmente mensagens e ideias que são, no fundo, contrárias aos seus próprios interesses”, salientou o chefe de Estado, reeditando as “leis” que outrora constavam dos manuais das potências coloniais.

João Lourenço condenou igualmente as mudanças inconstitucionais de Governo em África, vulgarmente conhecidas como golpes de Estado, “que vêm ocorrendo com inadmissível frequência perante alguma passividade, indiferença e inacção dos organismos regionais e continental”.

“Estamos perante uma sucessão de actos que constituem um recuo significativo relativamente aos ganhos políticos, económicos, sociais e em matéria de estabilidade e segurança, que o nosso continente obteve nessas últimas duas décadas”, lamentou, pedindo que haja “firmeza e nenhum tipo de vacilação”, na condenação e tomada de medidas que desencorajem e inviabilizem o funcionamento de Governos criados com recurso à força militar.

“É importante que coloquemos uma atenção muito particular sobre essa questão de mudanças anticonstitucionais de Governos em África, para que perante a indiferença, o silêncio e a passividade, esses acontecimentos não adquiram um carácter de normalidade que podem contagiar, estimular e generalizar esta prática no nosso continente”, exortou João Lourenço.

Certamente baseado na experiência do seu partido, que está no poder há 48 anos, apesar de ter exercido terrorismo contra Portugal em 1961 e em 1977 contra os próprios angolanos, apontou igualmente os grandes problemas do continente – a fome, a miséria, a pobreza, as doenças endémicas, o desemprego, a falta de infra-estruturas, a fraca electrificação e industrialização, entre outros — sublinhando que é preciso garantir a paz e segurança para encontrar soluções duradouras para ultrapassar estas dificuldades.

João Lourenço defendeu ainda uma estratégia de defesa comum própria em matéria de segurança, sem prejuízo da cooperação internacional face ao exemplo que vem do actual conflito que se vive hoje na Europa com a guerra da Rússia à Ucrânia (o MPLA não condenou a invasão nem condenou o genocídio de Israel na Palestina) e que confirmou também “as profundas desigualdades no tratamento dos países e povos perante guerras, pandemias e calamidades naturais”.

O Presidente angolano concluiu que “esta situação injusta e vergonhosa levanta mais uma vez a necessidade da reformulação do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, para que não se circunscreva apenas às grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, e contemple a entrada de países representantes de África, da América Latina e da península hindu.

África foi palco em 2021 e 2022 de cinco golpes de Estado – dois no Mali e um na Guiné-Conacri, Sudão e Burkina Faso -, e uma tentativa de golpe fracassada na Guiné-Bissau.

Bons e maus terroristas

Margaret Thatcher (primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990 ) proibiu em 1979 o seu enviado especial à então Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe. O argumento era o de que “não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros”.

“Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da ‘Frente Patriótica’. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros”, escreveu Margaret Thatcher – e sublinhou várias vezes – numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um tal encontro.

Ou seja, quando se chega a primeiro-ministro, ou presidente da República, deixa-se de ser automaticamente terrorista. Não está mal. É verdade que sempre assim foi e que sempre assim será.

Hoje, de um lado e do outro residem argumentos válidos, tão válidos quanto se sabe (é da História) que para os senhores do poder (hoje terroristas, amanhã heróis – ou ao contrário) o importante é a sociedade que tem de ser destruída e não aquela que tem de ser criada.

É isso que pensam ou pensaram, por exemplo, George W. Bush, Osama bin Laden, Saddan Hussein, Tony Blair, Robert Mwgabe e José Eduardo dos Santos. Aliás, G. Geffroy dizia pura e simplesmente que o importante é avançar por avançar, agir por agir, pois em qualquer dos casos alguns resultados hão-de aparecer.

Os EUA avançaram, feridos que foram no seu orgulho de polícias do Mundo. Com eles estiveram e estão uma série de países, nem todos de forma sincera. Talvez não seja o caso dos europeus mas é, com certeza, o caso de muitos estados árabes que, com medo do cão raivoso, aceitaram (mesmo que contrariados) a ajuda do leão.

Quando se aperceberem (alguns já se aperceberam), que o leão israelita vai derrotar o cão e depois os vai comer a eles. O leão, como mais uma vez se confirma, não terá necessariamente de ter nacionalidade norte-americana ou europeia.

Aliás, os homens do tio Sam são especialistas em criar leões onde mais lhes convém. Em certa medida Osama bin Laden, tal como foi Saddam Hussein, foram leões “made in USA”. Ao contrário do que pensam os ilustres operacionais da NATO, do FBI da CIA ou de qualquer coisa desse tipo, ninguém tem neste planeta (pelo menos neste) autoridade e poder ilimitados.

O mesmo se aplica em relação aos agora chamados de terroristas. Mas, como os instintos ultrapassam a razão, ambos estão convencidos que são donos e senhores da verdade absoluta. O confronto foi, é e será, por isso, inevitável.

Significará esta tese que a 3ª Guerra Mundial está aí ao dobrar da próxima esquina? Para mim significa exactamente isso. Só falta saber a que distância está a próxima esquina.

Os agora terroristas (segundo a terminologia ocidental, que já usou igual epíteto – entre outros – para Yasser Arafat, recordam-se?) poderão não ter a mesma capacidade bélica do que os EUA ou Israel e seus aliados. Estão a ser humilhados, sobretudo pelo número dos mortos que o único erro que cometeram foi terem nascido.

São as leis da razão? Não. São as leis dos instintos. Instintos que vão muito além das leis da sobrevivência. Entram claramente (tal como entrou Bin Laden) na lei da selva em que o mais forte é, durante algum tempo mas nunca durante todo o tempo, o grande vencedor.

A 3ª Guerra Mundial começou porque o Mundo Árabe só está do lado dos EUA e da Europa por questões estratégicas, por opções instintivas. Bem ou mal, em matéria de razão os árabes estão com os seus… e esses não são os nossos (?) heróis.

É claro que, transitoriamente, alguns admitiram aliar-se aos EUA, à Europa, a Israel. É a opção, neste exacto contexto, pelo mal menor. Mesmo assim, avisaram que não admitiriam ataques a outros países árabes. Pelo menos desde a Guerra dos Seis Dias, a aprendizagem dos árabes tem sido notável. Aceitam o que os EUA definem como inimigos, enforcam até os seus pares com a corda fornecida pelos norte-americanos e israelitas mas, na melhor oportunidade, enforcam americanos com a corda enviada de Washington ou de Telavive.

Até recentemente os atentados foram a resposta mais visível desta 3ª Guerra Mundial. Com bombas, aviões, antrax ou suicidas foram preparando o terreno. Agora, tal como fizeram com os soviéticos no Afeganistão, utilizam o próprio armamento do Ocidente. E, quando entenderem, também poderão fazer uso de armamento nuclear.

Então? Então é preciso ir em frente. Sem medo. Olho por olho, dente por dente. No fim, o último a sair – cego e desdentado – que feche a porta e apague a luz…

Foto: Visita (Julho de 1999) diplomática do Presidente da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, a Portugal, para discutir acordo de ajuda financeira de meio milhão de contos e a abertura de uma representação oficial na Palestina.

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