A Guiné-Bissau vive uma das mais graves crises políticas desde que abraçou a democracia multipartidária há três décadas. O país é governado por um governo de iniciativa presidencial desde que o Presidente da República Umaro Sissoco Embaló dissolveu a Assembleia Nacional Popular (ANP) em dezembro passado, um ato considerado ilegal por vários constitucionalistas.
A essa realidade junta-se a fratura dos principais partidos do país, um deles com duas direções. Além disso, o Presidente da República marcou eleições legislativas antecipadas para 24 de novembro, contra a exigência dos partidos com maior expressão no país que só aceitam a realização das presidenciais este ano. Essas formações políticas ameaçam boicotar as legislativas.
Com a crise política a adensar-se, onde está a comunidade internacional? O silêncio das organizações internacionais tem preocupado os guineenses ouvidos pela DW. Mas, para o professor universitário Miguel Gama, o comportamento da comunidade internacional não constitui surpresa.
Em entrevista à DW, Miguel Gama diz que “era de esperar, porque o próprio Presidente da República disse uma vez que tinha condições de gerir a comunidade internacional. Este silêncio da comunidade internacional perante os problemas da Guiné-Bissau mostra claramente que o Presidente tem conseguido gerir a comunidade internacional”.
O professor universitário lembra alguns episódios registados na Guiné-Bissau nos últimos tempos que não foram condenados pela comunidade internacional.
“Temos [no país] a União Europeia (UE), as Nações Unidas, a União Africana (UA) e a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), mas com todas as situações que acontecem no país, desde raptos, espancamentos, prisões arbitrárias e várias situações de violação da Constituição da República, nenhuma dessas entidades teve um posicionamento em relação à situação.”
O sociólogo Infali Donque diz que a comunidade internacional ainda pode ser útil, mas defende soluções internas para a crise política.
“Obviamente que a comunidade internacional tem uma palavra a dizer em qualquer país-membro das Nações Unidas, da CEDEAO ou União Africana, porque isso é a tendência agora. [Mas] a situação interna tem solução interna e a nossa situação é endógena, não tem solução externa. Os partidos políticos é que devem ter a capacidade para encontrar soluções, porque é possível. Estamos a tratar da política e a política é feita com base nas negociações francas e sérias.”
Crise pode “descambar”
Já o jornalista António Nhaga alerta que a crise guineense poderá vir a “descambar”. Para o evitar, diz, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deve intervir.
“A comunidade lusófona devia fazer uma diplomacia na CPLP para resolver, de facto, os problemas internos guineenses”, diz António Nhaga, que acrescenta: ” penso que o problema já ultrapassa a dimensão nacional e é preciso que haja um grupo de contacto para a Guiné-Bissau. Neste momento, todos os partidos estão desestruturados e há discursos de ódio que podem levar a situação a descambar.”
Em 2018, após uma crise política que afetou o funcionamento das instituições do país durante vários anos, a CEDEAO foi obrigada a intervir, sancionando cerca de duas dezenas de figuras políticas da Guiné-Bissau. Foi a mais forte intervenção da comunidade internacional nos problemas do país.
Vários setores da sociedade guineense questionam porque é que a CEDEAO não faz o mesmo agora. O professor universitário Miguel Gama acredita que os parceiros da Guiné-Bissau só poderão intervir se a situação se agravar ainda mais e colocar em causa a estabilidade na região.
“Acredito que a comunidade internacional esteja à espera que haja um conflito na Guiné-Bissau para depois agir, o que poria em causa a própria situação socioeconómica do país e a paz que todos almejam.”
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