O triste Brasil que o Brasil precisa conhecer: o caso Pau D’Arco

A diretora, no entanto, esteve lá nos primeiros tempos após o massacre e não quis tão rápido se afastar, resolveu permanecer. Fez o que a imprensa não costuma fazer, passou a acompanhar com afinco a evolução do caso, explorou os obscuros meandros do sistema judiciário paraense, entrevistou tantas vezes seus personagens que deles se fez amiga e confidente. E é assim, por lentes distantes que pouco a pouco vão se fazendo mais íntimas, que ela nos dá a conhecer dois homens impressionantes, pontos de inflexão que fazem dessa narrativa de dor um exemplo de luta. Eis o Brasil mais complexo que essas imagens revelam, feito de terror e resistência em medidas semelhantes, em disputa infinita.

Fernando dos Santos, trabalhador rural vinculado ao MST, estava na cena da chacina, protegeu-se das balas sob o corpo cravejado de seu companheiro, arrastou-se até a porta sem ser visto pelos policiais assassinos. É a principal testemunha ocular do crime, e fala no documentário com coragem e desenvoltura, conta em detalhes o que viu, batalha ainda para que a terra seja garantida aos sobreviventes. Passou a receber ameaças constantes dos mesmos policiais ainda impunes pelo Brasil, isto é, pela justiça. O leitor que não deseje saber demais sobre o filme ou sobre o país que salte as próximas linhas. O nome de Fernando voltou a ocupar os jornais no início de 2021, quando ele foi assassinado pelas costas em sua casa, horas depois de ter enviado uma mensagem à diretora dizendo que se via em risco e precisava sair dali.

José Vargas, advogado do MST, é o protagonista que nos resta para chegar ao final do filme. Com ele também a realidade se faz mais sinistra do que imaginaríamos. Depois de ele obter uma pequena vitória em nome dos assentados de Pau D’Arco, o Estado do Pará dá um jeito de transformar Vargas no réu de um caso não relacionado de assassinato, e o encarcera por algumas semanas afastando-o das filhas, e o isola em prisão domiciliar durante mais de um ano. O choro de Vargas no documentário é um momento comovente em que talvez possamos ouvir o choro de muitos outros militantes. Ante a morte de Fernando, Vargas se pergunta com franqueza se caberá seguir adiante, se a luta de fato vale a pena diante de tanto descalabro, e suas palavras calam fundo nos que assistimos, agora emudecidos.

O Brazil não merece o Brasil. Do Brasil SOS ao Brasil. Voltam à minha mente os versos cantados por Elis Regina, junto com as imagens vívidas do documentário que vi há alguns dias, em sua estreia num festival de nome tão significativo: É Tudo Verdade. Parte de mim desejaria esquecer uma verdade tão triste, voltar às distrações costumeiras, ignorar que naquele dia tive notícia de um país terrível, o meu próprio país. A outra parte é mais inteligente e sabe que é preciso reagir, é preciso romper o silêncio e a distância e difundir essa história tanto quanto possível. É preciso que todos a conheçam, para que enfim haja chance de alguma justiça, para que ela nunca mais se repita.

Onde assistir: Estação Net Botafogo, 12/04, às 18h30. Estação Net Rio, 13/04, às 16h

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