A Guiné-Bissau é um país com um potencial económico significativo, mas que, na minha perspetiva, enfrenta desafios consideráveis que impedem o seu desenvolvimento pleno.
Neste artigo, exploro os principais desafios e oportunidades do setor privado na Guiné-Bissau, com base na minha experiência enquanto empresário local.
The Big Picture
- Oportunidades e situação micro e macroeconómica
A Guiné-Bissau possui uma população jovem, com 60% abaixo dos 25 anos, o que representa uma força de trabalho potencialmente dinâmica e inovadora. O país tem 1,6 milhões de hectares de terras aráveis, dos quais menos de 30% são explorados. Além disso, a área marinha de 88.000 km² oferece uma produção de peixe de 86.000 toneladas, representando apenas 20% do seu potencial.
O turismo é outro setor com grande potencial. Atualmente, a Guiné-Bissau recebe apenas 0,1% do seu potencial turístico anual, estimado em 1,5 milhões de turistas. A localização estratégica do país, no cruzamento da CEDEAO e dos PALOP, oferece acesso a um mercado combinado de 770 milhões de pessoas, com um PIB de 1,3 biliões (triliões americanos) de dólares. Adicionalmente, o país possui reservas de petróleo, gás e outros recursos naturais.
O crescimento do PIB tem sido modesto. Recentemente, após um encontro com uma missão do FMI neste mês de abril de 2025, declarou o atual Ministro das Finanças da Guiné-Bissau, Ilídio Vieira Té: “A economia da Guiné-Bissau mantém-se resiliente, apesar de um abrandamento do crescimento de 5,2% em 2023 para 4,7% em 2024, refletindo, em parte, a menor exportação de castanha de caju e os choques climáticos na produção agrícola. Prevê-se que os termos de troca sejam mais favoráveis em 2025, o que deverá contribuir para uma melhoria da posição externa e apoiar o crescimento económico. O défice orçamental deverá baixar para 3% do PIB, em conformidade com a meta do programa da ECF”.
A realidade no terreno para quem, como eu, investe e opera no país é, contudo, bem mais complexa. A inflação persistente, que rondou os 6%, corrói o poder de compra e a rentabilidade. A economia continua perigosamente dependente da exportação de castanha de caju em bruto, que representa cerca de 90% das exportações e a principal fonte de rendimento para a grande maioria da população rural com base em dados do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Esta monocultura expõe o país a choques externos, sejam flutuações nos preços internacionais, eventos climáticos ou disputas geopolíticas e económicas, como as “Taxas de Donald Trump”.
Adicionalmente, o ambiente fiscal apresenta um paradoxo flagrante. Embora a pressão fiscal global (relação impostos/PIB) seja baixa em comparação com a média da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) – cerca de 9,6% na Guiné-Bissau contra 14,2% na UEMOA em 2023 – a carga para as poucas empresas que operam no setor formal e cumprem as suas obrigações é sentida como elevada e, muitas vezes, desincentivadora. A falta de transparência no sistema tributário é uma queixa comum (“Amigun’dadi e Camaradan’dadi”), criando um ambiente onde, por vezes, o sistema penaliza os intervenientes honestos.
- Instabilidade Política
Talvez o maior entrave transversal ao desenvolvimento do setor privado seja a instabilidade política e institucional crónica que assola o país desde a independência. Com um historial de golpes e tentativas de golpe, e dissoluções parlamentares recorrentes, como a ocorrida em dezembro de 2023, torna-se extremamente difícil para as empresas planear a longo prazo, captar parceiros e investidores, confiar na continuidade das políticas públicas ou ter a segurança jurídica necessária para investimentos significativos – “Dinhero ka ousa parudju” (Dinheiro não gosta de barulho). Esta instabilidade é uma sombra que paira sobre todas as atividades económicas.
O “triplo fardo” de fazer negócios
Para quem decide empreender ou investir na Guiné-Bissau, a jornada é frequentemente marcada pelo que designo como um “Triplo Fardo” – um conjunto de obstáculos cumulativos que aumentam os custos, a complexidade e o risco de operar no país. As iniciativas para aliviar estes fardos existem, mas a sua implementação e impacto são muitas vezes condicionados pela própria instabilidade e fragilidade do contexto.
1- Fardo fiscal formal:
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- Peso, complexidade e transparência: As empresas formais enfrentam uma carga fiscal elevada, num sistema que percebo como complexo e pouco transparente (mais de 68% dos gestores como eu não o consideram transparente – Estudo PNUD – Buildingforwardbetter2021). A Guiné-Bissau foi um dos raros países que viu a introdução de novos impostos e taxas durante e após a pandemia de COVID-19 em resposta ao impacto económico; foram introduzidos cinco:
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- Imposto da Democracia: Financia eleições e atividades democráticas.
- Imposto de Audiovisual: Apoia o setor de média e comunicação.
- Imposto de Importação sobre Materiais de Construção: Aumentado para gerar receitas e incentivar o uso de materiais locais.
- Taxa de Saneamento: Melhora serviços de saneamento e gestão de resíduos.
- Aumento de Impostos Profissionais: Inclui impostos sobre rendimentos profissionais e empresariais.
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Com o objetivo de “modernizar e alargar a base tributária”, foi recentemente implementado e alargado o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), considerado a maior reforma fiscal recente, estendendo-se inclusivamente a serviços de plataformas eletrónicas. Adicionalmente, foi anunciada uma parceria com a empresa N-Soft para implementar tecnologia de comunicação de transações em tempo real em setores digitais (dinheiro móvel, telecomunicações, jogos, banca), visando otimizar a cobrança de receitas. Reformas mais amplas da gestão das finanças públicas (GFP), apoiadas por parceiros como o BAD e o FMI, também procuram aumentar a transparência e o controlo. Mas, paradoxalmente, apesar da pressão sobre as empresas formais, a cobrança geral de impostos (pressão fiscal de 9,6% do PIB em 2023) permanece baixa em comparação regional (média UEMOA de 14,2%), refletindo um baixo cumprimento fiscal geral (menos de 46% das microempresas pagam impostos) e uma base tributária estreita, muito dependente das grandes empresas (que contribuem com 80% do total).
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- Concorrência informal: A concorrência de operadores informais é um dos maiores obstáculos para as empresas formais em setores como restauração, materiais elétricos e eletrónicos. Por exemplo, um grande restaurante da praça de Bissau, como o Papaloca, que emprega muitos jovens e paga impostos, terá um restaurante móvel e informal ao lado da estrada como concorrente. Estes, ao não pagarem impostos nem cumprirem regulações, operam com custos inferiores, criando uma concorrência desleal. Os esforços para facilitar a formalização, como a digitalização do registo de empresas através do Centro de Formalização de Empresas (CFE), podem, em parte, reduzir os custos e a complexidade da formalização, incentivando mais empresas a sair da informalidade e nivelando o campo de jogo.
2 – Fardo logístico:
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- Importação/Exportação e o Porto de Bissau: O Porto de Bissau, por onde passam cerca de 85% do comércio externo, é um conhecido estrangulamento. O assoreamento crónico do canal de acesso limita o calado dos navios, encarecendo o transporte. A infraestrutura é inadequada, com falta de capacidade de armazenamento (especialmente refrigerado) e energia fiável. Os procedimentos aduaneiros são complexos, morosos e dispendiosos, com disputas frequentes sobre o valor aduaneiro das mercadorias envolvendo a própria Direção-Geral das Alfândegas, gerando atrasos onerosos (tempo médio histórico de 25 dias para importar). A situação agrava-se drasticamente durante a campanha do caju, chegando a paralisar a entrada de outros bens. Isto ocorre apesar das iniciativas e projetos anunciados para a modernização do porto, incluindo a dragagem do canal, a expansão do cais, a remoção de navios naufragados e a informatização do despacho aduaneiro para simplificar e tornar os procedimentos mais transparentes.
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- Transporte Rodoviário: A alternativa de importar através de portos vizinhos (Senegal, Guiné-Conacri) é severamente limitada pela má qualidade generalizada das estradas dentro da Guiné-Bissau. Apesar de terem sido anunciados pelo Governo da Guiné-Bissau projetos de reabilitação de troços importantes, como a estrada Bissau-Fronteira Senegal (a ser financiada pela UE) e o troço Safim-Mpack (com apoio do Banco Europeu de Investimento – BEI), é urgente priorizar estes projetos, entre outros troços transnacionais de impacto económico.
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- Transporte Aéreo: O transporte aéreo de carga enfrenta limitações críticas, podendo ser uma alternativa importante para as empresas. O Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira (OXB) não possui a certificação exigida pela União Europeia para o transporte de carga aérea, um requisito que impede companhias como a euroAtlantic de utilizar a capacidade de carga disponível nos seus voos a partir de Bissau. A disponibilidade de voos de carga dedicados é praticamente inexistente. A gestão dos serviços de assistência em escala (‘handling’) foi assumida pela empresa kuwaitiana NAS (National Aviation Services) e a reabilitação e extensão do terminal estão em curso, com a promessa de elevar os padrões e obter as certificações internacionais necessárias. Isto poderia atrair mais companhias, desbloquear o potencial de carga e facilitar viagens de negócios que sempre espontâneas e urgente.
3 – Fardo operacional:
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- Burocracia e Formalização: Embora se tenham verificado melhorias, o processo de formalização de uma empresa e obtenção de licenças (construção, comerciais) ainda pode ser moroso (até ~14 dias). Apesar das iniciativas em curso com apoio de parceiros para simplificar processos através da digitalização no Centro de Formalização de Empresas (CFE), este tempo permanece ainda bastante moroso comparado com outros países como Portugal ou Cabo Verde (onde demora cerca de 3-5 dias). As iniciativas para fortalecer o Estado de direito, como a criação de Centros de Acesso à Justiça (CAJ), visam também melhorar o ambiente regulatório, mas necessitam de apoio e fortalecimento do setor. Sem esquecer que os casos judiciais de caráter comercial deveriam ser céleres, mas na Guiné-Bissau demoram bastante tempo; nós, por exemplo, tivemos um caso de dívida não paga com uma multinacional que ainda está em curso há mais de 3 anos.
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- Energia: O acesso à eletricidade é caro e pouco fiável, sendo a situação particularmente precária fora da capital, Bissau. Isto obriga muitas empresas a depender de geradores dispendiosos. Iniciativas como a OMVG e projetos de energia solar, que poderiam ser alternativas, devem ser devidamente acompanhadas e apoiadas como prioridade.
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- Internet: O acesso à Internet é outro calcanhar de Aquiles, sendo identificado como um forte obstáculo por mais de metade dos gestores num estudo do PNUD. O custo por gigabyte era considerado o mais elevado da UEMOA em 2020 (Não encontrei dados recentes). Apesar dos projetos em curso como a ligação a cabos submarinos, o ‘backbone’ nacional, a criação de um Ponto de Troca de Tráfego de Internet (IXP) local (que estou a liderar com a recente criada associação GwIX) e a recente licença atribuída à Starlink, se concretizadas eficazmente, estas iniciativas poderão melhorar a conectividade e reduzir os custos a médio prazo.
- Acesso a Financiamento: Obter crédito bancário continua a ser um desafio enorme, especialmente para PMEs e novos empreendedores. A estabilidade do próprio setor bancário é uma preocupação, com a necessidade de resolver a situação de bancos subcapitalizados. Existem iniciativas pontuais de apoio ao financiamento e acompanhamento de empreendedores, como as promovidas pela InnovaLab, e parcerias público-privadas, como a Orik Capital, ainda em fase de ‘fundraising‘ (angariação de fundos), que poderá iniciar com apoio previsto do Banco Mundial através do WARDIP, representam potenciais novas vias, mas o acesso a financiamento estrutural e sustentável permanece limitado.
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- Políticas Públicas e Capital Humano: A falta de políticas consistentes de incentivo e fomento ao setor privado é agravada pela instabilidade política, que dificulta a aprovação e implementação de reformas necessárias. Adicionalmente, encontrar mão de obra com as qualificações adequadas, particularmente em áreas técnicas, TIC e línguas, é um desafio, e a informalidade laboral é elevada. Programas de formação técnico-profissional, muitas vezes apoiados por parceiros internacionais, e iniciativas de incubação/aceleração procuram colmatar as lacunas de competências e apoiar a resiliência do tecido empresarial, mas necessitam de ser enquadrados num plano estratégico operacional nacional e acelerados para não continuar a ficar para trás.
Proposta de soluções construtivas e oportunidades
Superar este “Triplo Fardo” exige, na minha opinião, uma abordagem multifacetada e um compromisso sustentado de todas as partes interessadas – Governo, setor privado e parceiros internacionais. Algumas vias prioritárias incluem:
- Estabilidade Primeiro: É o pré-requisito fundamental. Um consenso político alargado ou uma alternativa política seria ao sistema atual e o fortalecimento das instituições são indispensáveis para criar a previsibilidade e confiança necessárias ao investimento.
- Simplificar e Clarificar: Urge uma reforma profunda dos sistemas fiscal e aduaneiro, apostando na simplificação radical, transparência e digitalização (com soluções endógenas e adaptadas ao nosso contexto e necessidades). O objetivo deve ser tornar o cumprimento mais fácil e vantajoso do que a evasão. Crucialmente, os empréstimos públicos e o apoio dos parceiros devem ser canalizados para investimentos produtivos e infraestruturas de impacto económico, e não para financiar despesas correntes como salários.
- Infraestrutura Prioritária: Os investimentos devem focar-se onde o impacto económico é maior: a dragagem e modernização eficiente do Porto de Bissau ; a reabilitação de corredores económicos chave, incluindo estradas que ofereçam alternativas regionais para importação/exportação; e a garantia de fornecimento de energia fiável, especialmente para zonas com potencial produtivo.
- Nivelar o Campo de Jogo: São necessárias medidas ativas para incentivar a formalização, como regimes simplificados de registo e tributação para micro e pequenas empresas, combinadas com uma fiscalização mais eficaz e justa da economia informal.
- Investir nas Pessoas: Reforçar a formação técnico-profissional, alinhando-a com as necessidades reais do mercado de trabalho, é vital. O apoio de parceiros como a UE , o Banco Mundial, o BAD e o PNUD nesta área deve ser maximizado e orientado para a empregabilidade de forma coordenada e eficiente.
- Desbloquear o Transporte Aéreo: É fundamental pressionar pela certificação do aeroporto para carga aérea destinada à UE , o que abriria novas oportunidades de exportação. Os projetos de reabilitação ou construção de novas infraestruturas aeroportuárias devem ter esta componente como prioritária.
- Alavancar Parcerias: É essencial uma maior consulta e envolvimento ativo do setor privado na definição, implementação e monitorização dos programas do Governo e dos parceiros internacionais. Só assim se garante que o apoio responde às necessidades reais das empresas e contribui efetivamente para um ambiente de negócios mais dinâmico.
Por fim
Fazer negócios na Guiné-Bissau, hoje, é um exercício de lucidez e resiliência face a um “Triplo Fardo” significativo. Superar a instabilidade política, aliviar o peso fiscal e burocrático sobre o setor formal, e investir estrategicamente em infraestruturas logísticas e energéticas são passos cruciais. As soluções existem e muitas iniciativas estão anunciadas ou em curso, mas a sua implementação eficaz e sustentada é o grande desafio. Com um esforço concertado e prioridades bem definidas, insistindo no investimento em projetos de real impacto económico e na utilização criteriosa dos fundos públicos, a Guiné-Bissau pode começar a libertar o seu vasto potencial económico, transformando os fardos em oportunidades para um crescimento mais inclusivo e sustentável.
Adulai Bary é gestor, empreendedor e desenvolvedor de negócios com mais de uma década de experiência em engenharia informática, inteligência empresarial, telecomunicações, gestão de projetos e consultoria internacional. Possui uma licenciatura em Métodos de Tecnologia e Matemática Aplicados à Gestão Empresarial, um MBA em Empreendedorismo e Negócios, e certificações em gestão de projetos e pilotagem de desempenho, incluindo a Qualificação de Coordenador Registrado COPC.
Liderou o departamento de Inteligência Empresarial numa empresa multinacional de telecomunicações e coordenou a Força-Tarefa do Presidente da Guiné-Bissau para o desenvolvimento de projetos urgentes, incluindo a elaboração dos projetos Guiné-Bissau 360 e a angariação de fundos na Expo 2023 Doha, Qatar. Adicionalmente, é presidente da Associação do Ponto de Troca de Tráfego da Internet da Guiné-Bissau (GwIX), promovendo o desenvolvimento da infraestrutura de internet no país.
Cofundou várias empresas e iniciativas, incluindo a BIGTechnologies, uma empresa de TI sediada em Bissau, Guiné-Bissau; a InnovaLab (cofundador e presidente), um acelerador de inovação, tecnologia e empreendedorismo em África; a Orik Capital (COO), um fundo de investimento; a Ubuntu Green Energy (presidente), sediada em Bissau e Abidjan; a Inunde (fundador e presidente), uma aplicação de mobilidade; e a Tayyib Halal Foods, uma empresa de exportação de alimentos halal sediada em Goiânia, Brasil. É fluente em inglês, português e francês, e tem conhecimentos básicos de árabe.
Como consultor internacional sénior, trabalhou em projetos de desenvolvimento económico local, transformação digital e criação de emprego na Guiné-Bissau e na África Ocidental para várias organizações internacionais, incluindo a ONU e o Banco Mundial. Também fez parte da comunidade de cientistas do Next Einstein Forum, contribuindo para a visão e o roteiro da economia digital de África.
Foi nomeado um dos 100 jovens mais influentes da África Ocidental pela Confederação de Jovens da África Ocidental, em 2018, e também Embaixador da Guiné-Bissau pela One Young World e pelo Next Einstein Forum. Em 2016, participou no Mandela Washington Fellowship, um programa da Iniciativa de Jovens Líderes Africanos (YALI) do ex-presidente Barack Obama.
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