Que a língua guineense veio para ficar, está claro há cinco séculos, mas a verdade é que até agora não existe uma gramática e um alfabeto de consenso. Das várias tentativas de normalização, nenhuma se concretizou e esta discussão permanente ainda não resultou num instrumento oficial que regerá o manuseio da língua.
A dinâmica linguística na escrita e na oralidade, nas redes sociais, rádios, nos livros e blogs, sobretudo pela sua expansão mundial através da sua diáspora, mesmo sem uma base consensual e formal, faz com que a cada dia se torne imperativa a sua oficialização, quer por meio dos órgãos competentes do governo guineense, quer pelos lobbies externos que se possa fazer para produzir um documento formal que será apropriado por todos.
Pelo menos foi o que se discutiu intensamente no dia 9 de maio, na Sede da Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau. O debate sobre o que seria uma “Estrutura de Consenso” para a oficialização do Kriol ou língua guineense prometia agitar as águas. Personalidades envolvidas neste processo, desde a formação da Guiné-Bissau sem regime colonial, juntaram-se em torno do tema que une a nação guineense dentro e fora do território nacional.
O evento reuniu peritos nacionais e internacionais, incluindo Odete Semedo, ex-ministra da educação e escritora; Augusta Henriques, fundadora da ONG Tiguinena e pioneira na alfabetização em crioulo; Huco Monteiro, sociólogo e fundador da Universidade Colinas de Boé; e Nicolas Quint, linguista francês especialista em línguas crioulas.



Apesar dos obstáculos políticos, falaram de como a língua guineense tem todas as condições científicas para ser oficial no ensino e na administração, devido à história e importância sociológica e linguística.
Augusta Henriques, que esteve em Cabo Verde na década de setenta para lecionar e trabalhar na alfabetização, diz que muito trabalho já foi feito desde essa época, quando o comissário da Cultura na Guiné-Bissau era Mário Pinto de Andrade e quando Paulo Freire visitou a Guiné-Bissau para conhecer a estratégia educacional de Amílcar Cabral a que chamou de “pedagogia de libertação” em que o crioulo surge com principal elemento estratégico de ensino.
Henriques menciona que o trabalho estava bem encaminhado e ainda existe, sendo necessário retomar as atividades sem divagações. Augusta acrescentou que “ tudo o que foi feito sobre o meio ambiente neste país, setor em que maior contribuição deu não partiu do governo”. “É necessário trabalhar e parar de reclamar”.
Henriques, assim como Huco Monteiro, lembrou como o progresso do país irmão Cabo Verde inicialmente se baseou na experiência dos estudos realizados pela Guiné-Bissau logo após a independência.
“Nós paramos no tempo, apesar dos esforços unilaterais realizados por escritores, linguistas e poetas que escrevem na língua crioula da Guiné-Bissau. Vejo isso com uma certa mágoa”, disse Huco Monteiro.
Ele que também defende uma estratégia inclusiva de normalização que passa não só pelo crioulo, mas também das outras línguas nacionais.
Nicolas Quint lembra que o crioulo da Guiné-Bissau é o crioulo de base portuguesa mais falado do mundo e não há nada, do ponto de vista científico que possa impedir que seja oficializado”. Contudo, “é necessário que haja recursos humanos e financeiros para produzir ferramentas como publicações pedagógicas que permitam que em termos oficiais se possa apropriar e desenvolver para a formalização”.
Odete Semedo, agarra a essa questão para afirmar em seu nome e dos colegas da mesa de conferência para dizer que estão dispostos a fazer parte deste grupo de trabalho para a criação destas “ferramentas” que conduzam a oficialização. “Não podemos ficar à espera sendo que o tempo médio de um ministro no poder é de oito meses” disse.
Conheça o projeto de jornalismo em crioulo da Mensagem de Lisboa
Lisboa, como a maior diáspora guineense, desempenha um papel crucial na expansão da língua e cultura crioula da Guiné-Bissau. No entanto, é essencial ter uma gramática ou alfabeto oficial consensual para fortalecer seu uso no jornalismo, nas academias e pesquisas linguísticas.

Karyna Gomes
É a jornalista responsável pelo projeto de jornalismo crioulo na Mensagem, no âmbito do projeto Newspectrum – em parceria com o site Lisboa Criola de Dino D’Santiago. Além de jornalista é cantora, guineense de mãe cabo-verdiana, e escolheu Lisboa para viver desde 2011. Estudou jornalismo no Brasil, e trabalhou na RTP, rádios locais na Guiné-Bissau, foi correspondente de do Jornal “A Semana” de Cabo verde e Associated Press, e trabalhou no mundo das ONG na Unicef e SNV.

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