Há séculos, os portugueses cruzaram os mares e expandiram os domínios de seu império, colonizando o Brasil, Macau, Cabo Verde e outros locais. Uma das principais marcas dessa época segue cada dia mais viva, pulsante e adaptável: a língua portuguesa, celebrada neste 5 de maio.
Na rota inversa, hoje são os brasileiros, os descendentes da antiga colônia, que cruzam o Atlântico em busca de mais oportunidades. Os números são expressivos: 400 mil brasileiros documentados vivem em Portugal, o que representa 40% da população estrangeira no país, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 2023.
A presença brasileira em terras lusitanas, somada à força do impacto cultural que o Brasil exerce em outros países lusófonos, com novelas, música, literatura e influenciadores digitais, faz o linguajar brasileiro ser cada vez mais ‘popular’. Não faltam relatos de portugueses “assustados” com o uso do “brasileiro” em solo português — é assim que eles se referem ao português falado no Brasil.
Pós-doutora em Linguística Aplicada e professora da PUC-SP, Neusa Barbosa Bastos lembra que a língua muda e lutar contra isso é uma batalha perdida.
“O latim foi modificado em várias línguas neo latinas, assim como outras línguas. Não adianta querer parar isso, porque essas mudanças são constantes e graduais. Quem muda a língua é o povo. Portanto, dizer que o português europeu é puro é inadequado, não existe pureza. Somos uma mistura de raças, de pessoas e esses grupos foram alterando a nossa língua de uma nova maneira”, diz.
Um oceano de diferenças
Basta um diálogo com um português ou a legenda de um filme em português europeu para que as diferenças entre o português brasileiro e o falado em terras lusitanas fiquem evidentes. Isso ocorre em diversas ordens: ortográficas, fonológicas, morfossintáticas e, talvez, a que provoque mais situações inusitadas, a diferença lexical, quando as mesmas palavras ou expressões têm significados distintos.
‘Bicha’ perde a conotação negativa e passa a ser apenas ‘fila’ em Portugal. ‘Bala’ vira ‘rebuçado’, ‘banheiro’ é ‘casa de banho’ e por aí vai.
Na fala, mais mudanças.
“As sílabas tônicas são muito marcadas no português europeu e isso não acontece no português brasileiro. No geral, a gente tende a dar uma quantidade mais parecida de força, não existe essa diferença tão marcada”, explica Valquíria Carvalho, doutora em Linguística e professora da PUC-MG.
No geral, o português brasileiro tem uma fala mais cadenciada, com mais evidência na pronúncia das vogais. O português europeu, por outro lado, tende a ‘comer’ as vogais átonas e falar mais rápido.
Outras diferenças valem o destaque:
Para o português brasileiro, o pronome vem antes do verbo (próclise). Já para o português europeu, o pronome ocorre depois do verbo (ênclise).
PT-PT: Diga-me o que fazer / empreste-me a caneta / dá-me um pedaço de pão
PT-BR: Me diga o que fazer / me empresta a caneta / me dá um pedaço de pão
O gerúndio (quando os verbos terminam em ndo) indicam uma ação em andamento. No Brasil, ele é usado com frequência, na fala ou na escrita. Já em Portugal, a preferência é pelo uso do a + o verbo no infinitivo.
PT-PT: Estou a andar / Estou a falar / Você estas a acordar?
PT-BR: Estou andando / Estou falando / Você está acordando?
De um modo geral, o uso do tu no Brasil é mais comum no extremo Sul do País e em algumas regiões do Norte. No entanto, ele costuma trazer a mistura entre a segunda e a terceira pessoa gramatical. Um exemplo seria a frase: “Tu vai viajar amanhã?“. O verbo ir aparece conjugado na terceira pessoa (vai), mas, segundo o português culto, o correto seria “vais” (segunda pessoa) ou a mudança do pronome para “você”.
No Brasil, “você”, é usado de modo informal. Neusa explica que, para o português europeu, o “tu” é usado no tratamento informal entre pessoas.
“Para eles, o ‘você’ indica um afastamento, é uma forma mais formal”, acrescenta.
Afinal, por que somos diferentes?
O que torna o português brasileiro diferente do europeu é justamente o processo de formação do Brasil. O português foi fortemente influenciado pelas línguas indígenas, línguas de matriz africana e também de outros idiomas trazidos por outros imigrantes (italianos, japoneses, árabes, etc.).
“A gente tem essa distância enorme, um oceano entre nós, e temos a influência das línguas indígenas, além das línguas de matrizes africanas, principalmente de origem bantu, que deixaram marcas muito características na nossa língua. Essas influências moldaram o português do Brasil”, explica Valquíria.
Além disso, a especialista ressalta que o português veio a ser efetivamente falado no Brasil no século XVIII, quando foi achado ouro em Minas Gerais. Assim, vieram cada vez mais portugueses para o País.
“Antes disso, o que havia eram as línguas gerais que eram de origem indígena”, acrescenta.
Outro aspecto importante é a independência brasileira, em 1822, levou à diminuição da ‘presença do colonizador’. Isso ajudaria a explicar o porquê de o português moçambicano e do angolano, por exemplo, serem mais próximos do europeu.
“Nós fomos colonizados de 1500 até 1822. Ficamos 153 anos à frente desses outros países, que tiveram o processo de independência em 1975. Foram 153 [a mais] para o português se desenvolver no Brasil”, finaliza Neusa.
Fonte: Redação Terra
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