Especialistas em desenvolvimento e recrutamento de tecnologia ouvidos pelo Valor indicam caminhos para profissionais de tecnologia e de áreas correlatas – do iniciante ao mais experiente – construírem um currículo relevante e que corresponda às expectativas das empresas.
No Brasil, 54% dos 279 empregadores em Tecnologia da Informação (TI) entrevistados pretendem contratar profissionais até março deste ano, de acordo com a pesquisa Experis Tech Talent Q1 2025, da consultoria ManpowerGroup, um aumento de 4% em relação ao último trimestre do ano passado.
O Relatório sobre o Futuro do Trabalho 2025-2030 – estudo feito pelo Fórum Econômico Mundial em parceria com a Fundação Dom Cabral em 55 países – registra que trabalhadores priorizam cada vez mais o aperfeiçoamento de habilidades relacionadas a inteligência artificial, big data e cibersegurança para se requalificar ou para se manter expressivo no mercado de trabalho. Saiba o que recrutadores da área de tecnologia procuram em um currículo .
1. Entender em que ponto da carreira o candidato está
A desenvolvedora Cynthia Zanoni, embaixadora global de Cloud na Microsoft e fundadora da comunidade de mulheres na tecnologia WoMakersCode, diz que a área de tecnologia é “bastante movimentada”, tem muitas especialidades e formações, o que faz com que as carreiras e o aprendizado não sigam um caminho linear. Por isso, diz Cynthia, o candidato precisa ter em mente qual é o objetivo profissional do momento para alinhar os cursos, as certificações e os projetos que fez com o currículo para o posto que deseja ocupar.
O cofundador da empresa de recrutamento e seleção especializada BB IT, Paulo Bastos, comenta que o currículo não é “uma receita de bolo” porque precisa estar de acordo com o nível de experiência do candidato. Um candidato com mais tempo de trabalho vai ter um documento mais extenso (mas Bastos alerta que não deve passar de 4 páginas), mas também precisa saber se apresentar de forma clara e objetiva.
Para um profissional principiante na tecnologia, experiências anteriores em outros setores também contam e devem ser estrategicamente vinculadas ao cargo pretendido.
“Se a pessoa trabalhou com atendimento ao público, por exemplo, uma empresa leva isso em conta por entender que ela vai ter facilidade de comunicação com os colegas. É preciso se mostrar interessante sem ser prolixo”, orienta o recrutador.
A embaixadora global da Microsoft dá um conselho para quem está começando em carreiras de tecnologia: “Permita-se começar de onde você está, sem ficar se comparando com quem tem anos de experiência dentro da área de tecnologia. Cada pessoa tem jornadas, vivências e acessos diferentes”, adiciona Zanoni.
2. Portfólio atualizado também conta
Zanoni verifica um erro de “foco” em alguns currículos quando o candidato quer comprovar a experiência por quantidade:
“Às vezes, a pessoa faz 40 cursos online, participa de 40 palestras, mas não necessariamente aquilo é relevante para uma candidatura. É importante conseguir tratar o currículo como um documento, é um cartão de visitas”, pondera a desenvolvedora.
Para além do CV oficial, Zanoni cita que o LinkedIn é um “currículo vivo”, porque funciona quase em tempo real, já que as atualizações da carreira podem ser postadas e vistas publicamente através da plataforma com mais agilidade.
Bastos sugere que o candidato também invista em um portfólio, porque ele cria um espaço próprio para detalhar trabalhos. Ele fala que há duas formas proveitosas de redigir os documentos: mencionar a empresa, o projeto, as tecnologias utilizadas e os resultados rapidamente no CV e explicitar o passo a passo no portfólio, o que poupa espaço para profissionais com “muita bagagem”; ou descrever as tecnologias que domina em até cinco linhas no CV e conectar a um projeto no portfólio, prática mais adequada aos que estão se desenvolvendo.
O recrutador ainda lembra que o currículo é feito pelo candidato, mas não para o candidato. Uma dica que ele dá é: como uma pessoa contaria uma história que viveu em uma mesa de amigos? O exercício, guardadas às devidas proporções, está em ver as reações das pessoas para saber recortar o que tem de mais importante na narrativa.
3. Experiência técnica e profissional
Além de dados básicos – como nome completo, cidade de residência, possibilidade de trabalho presencial, híbrido ou remoto e objetivo profissional – o cofundador da BB IT divide os profissionais em três grupos e indica como eles podem estruturar o currículo:
Grupo 1 (poucas experiências ou sem experiência)
- Cursos, faculdades, especializações, certificações
- Experiências anteriores relevantes e conexões com tecnologia
- Breves justificativas sobre objetivos (um CV de até 2 páginas é o suficiente)
Grupo 2 (entre 2 e 3 anos de experiência em diante)
- Projetos executados para terceiros ou diretos com resultados
- Tecnologias e programas que domina
- Cursos, faculdades, especializações, certificações
Grupo 3 (mais de 10 anos de experiência)
- Projetos mais importantes da carreira na proporção 2-1: detalhar dois projetos muito relevantes e citar um generalista (mencionar os resultados)
- Tecnologias e programas que domina
- Cursos, faculdades, especializações, certificações
Outro fator que realça o currículo é o tempo: Bastos aponta que é fundamental sempre colocar o tempo de experiência exata em cada projeto e o tempo de habilidade com cada tecnologia/programa.
Mas atenção para as páginas e aos limites. O recrutador aconselha:
- Primeira página: reservada ao resumo sobre os trabalhos atuais e sobre a carreira recente
- Segunda página: pode conter informações de 2 a 4 anos
- Terceira página: 7 anos resumidos. Quanto mais antiga a experiência for, de menos detalhes precisa.
Na dúvida, o candidato pode se questionar sobre que ele mesmo entende como mais importante na própria trajetória profissional.
4. Áreas correlatas à tecnologia
“O mercado de tecnologia não é somente programação”, lembra Zanoni. Marketing, design, financeiro e o próprio RH, por exemplo, fazem parte do corpo de uma empresa para que ela pense, atue e venda os produtos resultados de aplicações tecnológicas.
As dicas de Bastos e Zanoni se encontram quando ambos afirmam que é importante que profissionais correlatos devem aprender sobre inovação, a utilizar as principais tecnologias e produtos digitais que fazem parte da rotina das empresas e a se basear em dados. Metodologias ágeis, como Scrum e Kanban, e a orientação aos resultados baseados em testes são meios de acelerar a carreira.
Para os próprios recrutadores, Bastos diz que é interessante entender sobre as áreas que eles selecionam.
5. Habilidades interpessoais
A embaixadora da Microsoft ainda comenta que já viu muitas pessoas “tecnicamente boas, dominando as últimas tecnologias, que ficaram estagnadas na carreira por terem dificuldade de lidar com outras pessoas, por falta de comunicação estratégica e de organização”.
Zanoni também faz referência à resolução de problemas e à curiosidade, a disposição para aprender, como soft skills valorizadas pelo mercado.
Mesmo que essa etapa esteja além do currículo, ela pode ser manifestada através do networking, um complemento poderoso ao currículo e ao portfólio, especialmente para profissionais que querem se inserir no mercado ou que estejam em transição de carreira.
“Eu lembro que uma vez eu li um livro que dizia que o networking abre as portas que os diplomas não abrem e é justamente isso que a gente precisa considerar”, finaliza Zanoni.
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