Quando comecei a dedicar-me à questão da sustentabilidade queria muito partilhar ideias, conhecimento e iniciativas que nos ajudassem a adoptar um estilo de vida mais consciente, alinhado com o respeito pelo Planeta mas rapidamente percebi várias coisas. Eram artigos com muito pouco alcance, o que me levou a pensar que, embora todos afirmemos que o tema é relevante, na prática, ninguém quer saber. Ou seja, quem quer saber sobre o tema já não precisa de ler, e quem precisa de ler não quer saber. Também percebi que o discurso em redor deste assunto é quase sempre o mesmo e que há uma desresponsabilização geral dos que, realmente, têm responsabilidade, num processo de transferência da responsabilidade para o elo mais fraco, basicamente, aqueles que podem fazer as escolhas de forma consciente, através das suas opções de consumo e aqueles a quem perseguem nessas decisões, sugerindo que os males do mundo está às costas de quem consome. O consumidor escolhe mal, disso não tenhamos dúvidas mas, regra geral, escolhe, de facto, aquilo que pode pagar. Porque é que tudo o que é mais sustentável continua a ter um preço tão elevado? Neste quadro de responsabilidades, algumas dúvidas: e quem produz? E quem regula? E quem tem nas mãos o poder de decisão que pode fazer a diferença, não na tomada de consciência mas na opção por soluções que obriguem quem produz a produzir menos e melhor, com menor impacto ambiental? E os governos? E…
O tema é tão complexo e intricado que o facto da narrativa invariavelmente implicar apenas um dos lados da equação frustrou-me. E como, no geral, vivemos de forma muito pouco sustentável, com picos de insustentabilidade ligados ao nossos estilo de vida, trabalho e emprego, bem como relação com a tecnologia, optei por seguir este caminho, que me faz muito sentido. A vida está (não é) insustentável.
Se olharmos à nossa volta, não é por trazermos pequenas compras supermercado empilhadas e em equilíbrio nas mãos que o mundo vai mudar. São os sacos de plástico ao dispor que poderiam ser qualquer outra coisa que fomentasse um consumo consciente e a proteção ambiental. Mas dizem-nos quase sempre que o problema somos nós. E as palhinhas de plástico, se bem se recordam. Até são e também somos, especialmente quando trazemos uma banana num saco de plástico só porque sim. Sacos de papel? Serão solução? Talvez não, se reutilizarmos o saco de plástico até ao fim da vida, mais longa que a do papel, tendencialmente mais frágil, a ponto de ficar inutilizado em pouco tempo.
E o consumo, completamente insustentável, das bugigangas made in China, também pesa muito sobre esta insustentabilidade ambiental, tal como as vezes em que enviamos um email com uma resposta tão curta quando um “ok” ou usamos o Chat GPT para perguntar algo que bastava pensar 5 minutos para encontrarmos a resposta. São milhões de kilowatts de energia gastos, um impacto ambiental sem precedentes. O mundo está a tornar-nos preguiçosos, por um lado porque está constantemente a apontar-nos o dedo, dizendo-nos o que fazer e, não o fazendo, deixando a pairar a ideia de que não somos boas pessoas. Por outro, porque nos oferece todas as soluções na palma da mão, lembrando-nos de que não precisamos pensar, esse acto que tem tanto de falível quanto a própria vida, que sempre nos diferenciou dos animais e da tecnologia. E, nesse não pensar, contribuímos para alimentar a máquina que, na verdade, está a servir-se nós. Que espécie de pessoas seremos se não pensarmos, se não percebermos que, ao nosso redor, tudo se encaminha para um cenário em que somos peças de um tabuleiro cujas regras não controlamos e cujo jogo nem sabemos jogar?
A verdadeira insustentabilidade está neste capitalismo de dados que transforma formas de vida sem que ninguém disso se aperceba e faz de nós uma espécie de amiba que vai na onda sem reparar que está no mar. Depois o problema somos nós e, essa é uma ideia muito pouco sustentável, não acham?
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