O maior produtor de petróleo do mundo compra gasolina a Portugal. É a maior exportação nacional para os EUA e escapa às tarifas

Em dias, a geopolítica e a economia global passaram a convergir em apenas uma palavra: tarifas. Desde o “Dia da Libertação”, em que Trump anunciou as novas taxas aduaneiras norte-americanas, que o mundo passou a olhar mais afincadamente para o que se exporta para os Estados Unidos. Em Portugal, o ministro da Economia reuniu-se com empresas e foi anunciado na quarta-feira um pacote de ajuda às empresas afetadas, mas há uma exportação que escapa ao peso das tarifas, apesar de ser a maior: o petróleo refinado.

Só em janeiro, de acordo com dados do Observatory of Economic Complexety, Portugal exportou para os Estados Unidos petróleo refinado no valor de aproximadamente 62 milhões de euros, seguindo-se no top 3 das exportações os medicamentos a granel (cerca de 38 milhões de euros) e pneus de borracha (31,5 milhões) – no sentido inverso, o nosso país importou gás liquefeito e gás natural (75,3 ME), crude (49,6 ME) e componentes destinados à aviação (40,4 ME).

Há uma explicação para o maior produtor mundial de petróleo, os Estados Unidos, comprar gasolina a Portugal, que por sua vez importa crude dos EUA.

“Os refinadores, incluindo o português – a Galp -, compra o crude que lhe é mais vantajoso, quer do ponto de vista da qualidade, porque tem influência nos custos da refinação, quer também do preço que é oferecido nos mercados internacionais. Este é um mercado a montante da refinação e que significa o aprovisionamento em matéria-prima. Depois, um mercado independente e que não tem nada a ver, é o dos produtos refinados – as gasolinas, os gases de óleos, o jet fuel, o GPL, enfim todos os produtos que saem da refinação do crude. Este é outro mercado, onde obviamente o refinador vende onde consegue preços que lhe sejam também mais favoráveis, funciona pura e simplesmente numa economia de mercado”, explica à CNN Portugal o engenheiro António Comprido, secretário-geral da Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes (EPCOL), sucessora da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO).

No caso nacional, esclarece António Comprido, Portugal importa “algum petróleo dos Estados Unidos” – que não é principal fornecedor – e depois exporta produtos refinados. “O principal produto que exportamos é gasolina para os Estados Unidos, mas também para outros países”, indica o secretário-geral da EPCOL.

Os Estados Unidos não refinam todo o crude que produzem, porque isso causaria um problema maior do que pagar 1,07 mil milhões a Portugal para refinar crude. “A refinação tem alguns constrangimentos técnicos”, sublinha António Comprido, ou seja, invariavelmente, um barril de crude dará sempre uma parte de gasolina, outra de gasóleo, outra de combustível de aviação, de GPL e outros derivados, sendo que as percentagens de cada elemento resultante são sempre as mesmas em qualquer refinaria. Isto significa que para combater o défice de gasolina, os Estados Unidos acabariam por criar um excedente dos restantes produtos, com consequentes problemas de escoamento, que poderiam inclusive afetar o preço do petróleo.

“Uma refinaria, em consequência do crude que utiliza, tem um determinado output em termos de produtos que não consegue alterar. Há pequenos ajustes que se podem fazer, mas sem grandes obras de investimento nas refinarias aquilo sai sempre a mesma coisa: X% de gasóleo, Y% de gasolina, Z% do restantes derivados. Depois há o mercado, e julgo que não existe nenhum país em que a refinação esteja completamente equilibrada”, observa o secretário-geral da EPCOL, esclarecendo que “o que acontece nos EUA é que refinam, mas a quantidade que lhes sai no seu output não é suficiente para as necessidades do mercado”.

E não querem aumentar as capacidades de refinação porque, “provavelmente, ficavam com excedentes dos restantes produtos”.

Este é um problema que também afeta Portugal e que sustenta ainda mais este modelo transacional. Ao contrário do que acontece nos EUA, o mercado nacional tem um excedente de gasolina, mas não pode desacelerar a sua capacidade de refinação porque senão ficaria com um défice, por exemplo, de gasóleo.

“Nunca é possível ter um output dos vários produtos que esteja completamente alinhado com as necessidades do mercado interno e, por isso, há estas importações e exportações. A realidade é que isto acontece um bocadinho por todo o lado, não há possibilidade de ter um equilíbrio total, porque não é modo de alterar o produto”, acrescenta António Comprido. 

Resultado genérico do refinamento do crude:

  • Gasóleo: aproximadamente 40% a 45%
  • Gasolina: cerca de 20% a 25%
  • Combustível de aviação (Jet Fuel): entre 10% e 15%
  • GLP (Gás Liquefeito de Petróleo): em torno de 5% a 10%
  • Nafta: de 5% a 10%
  • Outros produtos (incluindo óleos lubrificantes, asfalto, etc.): cerca de 5% a 10%

Estes valores podem variar ligeiramente dependendo tanto das condições operacionais como da qualidade do crude que é refinado. No caso, a título de exemplo, da refinaria de Sines, a capacidade de destilação é de cerca de 226 mil barris por dia, um dos maiores aproveitamentos de matéria prima da Península Ibérica, como garante a própria Galp.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de fevereiro deste ano, os EUA subiram um lugar na lista dos países para onde Portugal mais exporta bens, estando agora na terceira posição atrás de Alemanha e Espanha, respetivamente. Parte disso, deve-se ao aumento da exportação de “combustíveis e lubrificantes” de 13,5%, que em janeiro já subiu para 13,7%.

Em 2024, entre combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas e ceras minerais, Portugal exportou um total de bens no valor de 1.077 milhões de euros para os Estados Unidos. Em 2020, estas exportações valiam 444 milhões de euros e, dois anos depois, 1.098 milhões de euros, o valor mais alto já registado.

“Há realidades que não se mudam por decreto”

O setor energético ficou fora das tarifas anunciadas e reanunciadas por Donald Trump e dificilmente seriam alvo de taxas por parte dos Estados Unidos. “Há realidades que não se mudam por decreto e esta é uma delas”, assegura António Comprido.

Trump não conseguiria mexer com este mercado, porque “os EUA não vão conseguir ultrapassar o défice de gasolina e a necessidade de importação de um momento para o outro”, explica o secretário-geral da EPCOL.

“É diferente ter uma linha de montagem, onde eu produzo de acordo com as necessidades de um mercado. A refinação tem esta característica: produzo o cabaz de produtos que posso e fico com a certeza de que vou ter défice de produção em alguns produtos e excesso noutros. É uma área difícil, de substituir as importações por produção local”, refere.

António Comprido diz que a questão das tarifas não é “um problema que preocupa o setor”. No pior dos cenários, há apenas um “grande perigo”, que seria Trump decidir “taxar menos outros países do que a União Europeia, da qual Portugal faz parte”, porque criaria “uma vantagem competitiva”, aponta o especialista.

“Tarifas diferenciadas país a país iriam introduzir uma distorção na concorrência mundial e prejudicar a exportação nacional se Portugal estivesse no grupo de países com taxas”, explica António Comprido. “Os Estados Unidos vão continuar a precisar de importar gasolina, pelo menos durante muitos anos, e não há impacto de as tarifas não incidirem sobre os produtos energéticos, o que inclui a gasolina.”


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