O maior desafio tecnológico das cidades não é a tecnologia – Observador

Até ao dia 27 de maio, data em que o Observador organiza a Cimeira das Cidades, desafiamos alguns especialistas a escrever sobre os desafios das urbes do futuro. A entrada no evento é gratuita, mediante inscrição, que pode ser feita AQUI.

Durante anos, pensar as cidades do futuro foi sinónimo de antecipar revoluções tecnológicas: sensores a medir tudo em tempo real, plataformas inteligentes a gerir mobilidade, energia, resíduos ou segurança, algoritmos a prever comportamentos e a optimizar serviços. No entanto, a realidade é mais complexa – e menos entusiasmante. A tecnologia está, de facto, mais disponível do que nunca. Mas a questão central já não é o que conseguimos desenvolver. É como conseguimos governar o que já temos.

O principal desafio das cidades do futuro na área da tecnologia não é técnico. É estrutural, político e ético. Está na forma como gerimos os dados urbanos – quem os recolhe, quem lhes acede, com que finalidade, com que regras de transparência e com que mecanismos de responsabilização. A emergência de conceitos como Smart Cities ou Digital Twins tornou evidente que a cidade é, hoje, um ecossistema digital. Mas a recolha massiva de dados não garante, por si só, valor público. Sem modelos de governação claros e eficazes, esses dados permanecem inertes – ou tornam-se instrumentos de exclusão e opacidade.

A integração tecnológica continua a enfrentar obstáculos significativos. Muitas cidades operam com arquitecturas digitais fragmentadas, soluções proprietárias e sistemas que não comunicam entre si. Isso compromete uma gestão urbana inteligente, transversal e responsiva. A adopção de padrões abertos, plataformas modulares e APIs seguras é uma condição essencial para que a inovação digital resulte em soluções concretas.

A par disso, a proliferação de sensores, câmaras e dispositivos conectados aumentou drasticamente a exposição ao risco digital. Autenticação forte, encriptação, gestão de identidades e desenho de sistemas orientados para a privacidade – em conformidade com o Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados – são hoje requisitos mínimos. A confiança dos cidadãos na forma como os seus dados são tratados é um factor estratégico e não pode ser desvalorizado.

Mas o desafio vai mais longe. A inovação tecnológica, quando não acompanhada de políticas de inclusão digital, tende a reproduzir ou agravar desigualdades. Nem todas as pessoas, nem todas as organizações, têm o mesmo nível de maturidade digital. Para que a tecnologia tenha um impacto positivo, é fundamental garantir acesso, capacitação e participação. Uma cidade inteligente tem de ser também uma cidade participada.

Acresce a responsabilidade de garantir que as decisões orientadas por dados – seja na gestão do tráfego, na definição de prioridades de investimento ou na prestação de serviços – são compreensíveis, auditáveis e sujeitas a escrutínio. Delegar em algoritmos decisões que são, na sua essência, políticas, é um risco real. Modelos mal treinados, dados enviesados ou critérios opacos podem comprometer a justiça e a equidade na gestão urbana.

Em síntese, o verdadeiro desafio tecnológico das cidades do futuro não está na inovação em si, mas na forma como a integramos com inteligência, responsabilidade e propósito. A tecnologia será sempre um meio. O que importa é o fim: cidades mais resilientes, inclusivas e justas, onde a inovação melhora – de forma concreta – a vida de quem nelas vive.

André Barriguinha é doutorado em Gestão de Informação. Docente na Nova IMS e diretor executivo do Nova Cidade Urban Analytics Lab, investiga e desenvolve soluções em sistemas de informação geográfica, inteligência artificial geoespacial e analítica urbana.


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