Recentemente tornado público, o relatório da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) sobre os acontecimentos do 25 de novembro de 2022 “não tem um conteúdo jurídico vinculativo”. Trata-se de “um documento dirigido ao Presidente da República de um Estado que integra a organização regional”, segundo as explicações do jurista jubilado Carlos Semedo, que trabalhou no primeiro processo judicial despoletado pelo assalto ao quartel das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe, considerado “tentativa de golpe de Estado” pelo Governo do então primeiro-ministro Patrice Trovoada.
“O que esse relatório diz, e muito claramente, é que todos os elementos que recolheu – interrogaram pessoas, fizeram inquéritos –, não permite concluir com segurança e certeza de que houve, de facto, um golpe de Estado, ou sequer uma tentativa, porque o próprio relatório diz que quatro cidadãos desarmados não invadiram nem romperam nem quebraram, foram metidos no quartel”, afirma o especialista.
De acordo com Carlos Semedo, que representa os familiares das quatro vítimas mortas no quartel, o relatório é claro quanto à responsabilização dos atos ocorridos a 25 de novembro de 2022, uma vez que “as Forças Armadas estão subordinadas ao poder político”.
“Há de facto uma responsabilidade das altas chefias militares que permaneceram no quartel – o comandante do quartel, o inspetor-geral, o vice-chefe do Estado Maior –, na morte dessas pessoas, é isso que esse relatório vem dizer de uma forma muito clara.”
Neste contexto, insiste que caberá ao poder político ou ao Estado são-tomense tomar providências para que o julgamento deste caso seja feito corretamente. “Não se perdeu nada ainda, sim. Os julgamentos vão ter que se fazer. E o Governo de Américo Ramos não pode fugir às suas responsabilidades”, sublinha.
O advogado de acusação particular contra os militares assegura, em entrevista à DW, que “o processo não vai acabar nem vai morrer”. Por outro lado, explica, o Estado são-tomense “tem de providenciar os mecanismos financeiros para ressarcir os grandes danos, o dano moral, o dano da morte das pessoas; é isso que está plasmado nesse relatório.”
Interrogações da Comissão dos Direitos Humanos da ONU
O mais importante que o documento da CEEAC traz é o relatório da Comissão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem sido escondido, segundo Carlos Semedo. O advogado, que não desiste deste processo, diz que o Estado são-tomense tem de responder às dez recomendações e interrogações que a missão dos Direitos Humanos da ONU formula no seu relatório sobre as mortes e os acontecimentos do 25 de novembro de 2022.
“Há responsabilidade política, há responsabilidade material dos membros do Governo, primeiro-ministro incluído. Portanto, são responsáveis e poderão ser condenados pelo único instrumento que tem força de os condenar, que são precisamente os organismos da Comissão de Direitos Humanos da ONU”, explica Semedo.
Por fim, o advogado lembra que São Tomé e Príncipe aprovou e ratificou o Pacto e a Carta Internacional dos Direitos do Homem, bem como o Tratado de Roma que institui o Tribunal Penal Internacional.
Mas até hoje, o país ainda não depositou nenhum destes instrumentos nos respetivos organismos. “O que quer dizer que, embora possamos estar vinculados, falta dar o último passo. E eles fazem isso de propósito”, lamentou em tom de apelo ao Estado são-tomense.
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