MST ganhou seu próprio latifúndio na ditadura de M…

Em janeiro passado, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reuniu seus coordenadores para analisar o cenário político e discutir estratégias de ação para 2025. A primeira conclusão foi de que a reforma agrária, a principal bandeira da entidade, encontra-se paralisada no governo Lula. A segunda é que a culpa por essa situação deve ser creditada à atuação “perversa” do Congresso, que defenderia os interesses apenas do agronegócio. “Na América Latina, vivemos um período de aprofundamento da ganância do capital, da apropriação dos bens da natureza e da violência contra os povos que lutam e resistem à ordem imperialista”, diz um trecho da carta divulgada ao final do encontro. Essa constatação vale para todos os países, exceto um, a Venezuela. Lá, a realidade é outra, bem mais promissora. Para o MST, a ditadura venezuelana, entre várias virtudes, garante o uso da terra e dos recursos naturais em prol da população. E prova disso é que, se no Brasil a reforma não está avançando, no país vizinho ela está tão adiantada que o movimento ganhou seu próprio latifúndio por lá.

Há duas semanas, Nicolás Maduro assinou um decreto doando ao MST 180 000 hectares de terra. O presente do ditador venezuelano é resultado de uma parceria bem-sucedida que começou há quase duas décadas, durante o primeiro governo Lula, quando o país ainda era comandado pelo coronel Hugo Chávez. Através de um acordo de cooperação, o MST enviou alguns de seus militantes ao país vizinho para implantar projetos de agroecologia numa área batizada de Comuna Socialista El Maizal, no centro-oeste do país. A desejada produção de alimentos para o povo nunca prosperou muito, mas o local cedido, que tem pouco mais de 2 000 hectares, se transformou numa referência para a formação ideológica do bolivarianismo. Seguindo os ritos ditados pelo MST, os sem-terra venezuelanos são ensinados — além de plantar milho, café e algumas hortaliças — a reverenciar Chávez, Maduro e o argentino Ernesto Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana.

A nova fazenda do MST ganhou o nome de projeto Pátria Grande do Sul e fica no estado de Bolívar, que faz fronteira com o Brasil. A área pertenceu à família do bilionário americano Daniel Ludwig e foi expropriada depois da chamada revolução bolivariana. “Acredito na união dos povos, por isso pedi ao Movimento Sem Terra do Brasil que receba esses 180 000 hectares das melhores terras da Venezuela para liderar um projeto sul-americano”, disse Maduro, ao anunciar, pela televisão, a ampliação da parceria com o MST. A ideia, segundo ele, é produzir alimentos orgânicos em grande escala, que serão destinados aos venezuelanos e brasileiros que vivem próximo à fronteira entre os dois países. “O MST reafirma o princípio da solidariedade e do internacionalismo quando realizamos esses atos, concretizando e mostrando as conquistas acumuladas da luta para fazer da terra nosso território e construir um projeto diferente de sociedade: o socialismo, no qual acreditamos. Faremos da América Latina uma pátria livre do agronegócio”, comemorou Rosana Fernandes, coordenadora da brigada do MST na Venezuela.

A intenção do movimento de criar um “Estado socialista”, aliás, não é nova. Ex-presidente do Incra no governo de Fernando Henrique Cardoso, o ex-­deputado Xico Graziano lembra que os serviços de inteligência da época identificaram um plano do MST para instituir uma espécie de enclave que havia sido batizado de República Socialista Guarani, uma região independente dentro de Mato Grosso do Sul. A ideia, claro, não passava de um delírio. No caso das terras venezuelanas, o enclave teria outros objetivos. No ano passado, Maduro promulgou uma lei criando a província de Essequibo, um território reconhecido internacionalmente como sendo da Guiana. A região, desabitada, de floresta densa e rica em petróleo, é disputada pelos dois países há mais de um século. O projeto do MST fica a 230 quilômetros da área em litígio. “Ceder terras para o MST é uma forma de Maduro povoar e reforçar a posição da Venezuela na região”, avalia o cientista político venezuelano Carlos José León. “E, com a presença do MST, ainda pode envolver o Brasil num eventual conflito”, acrescenta, com um certo exagero. Apesar das ligações históricas com o movimento, o governo brasileiro jura que nada tem a ver com o que se passa no país vizinho.

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COMPANHEIROS - O líder do MST, João Pedro Stédile, e o ditador venezuelano: afinação ideológica
COMPANHEIROS - O líder do MST, João Pedro Stédile, e o ditador venezuelano: afinação ideológica (@agropatriave/Instagram)

Em seu primeiro mandato, Lula usava as ameaças de invasão do MST como trunfo para se aproximar e construir relações com os grandes produtores rurais. O líder do movimento, João Pedro Stédile, afirmava que, se o petista precisasse, os seus “soldados” estariam à disposição do governo. Em 2015, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, o então ex-­presidente cogitou convocar a tropa sem-terra para ir às ruas tentar salvar sua sucessora. Se convocou, não foi atendido. Agora, em seu terceiro mandato, Lula tem enfrentado críticas do movimento, especialmente em relação à lentidão em desapropriar terras para fins de reforma agrária.

Há quinze dias, num aceno ao MST, o presidente visitou um assentamento no interior de Minas Gerais, foi recebido com festa, anunciou a desapropriação de três fazendas, lembrou que tem “lado” e se referiu aos sem-terra como “amigos”. Juntas, as propriedades somam pouco mais de 3 600 hectares — 2% do tamanho das terras venezuelanas. O exército de Lula tem obtido mais vitórias servindo a outros generais.

Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937

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