Mercado vê ação da Moody’s como ‘correção de rota’ com situação fiscal frágil no Brasil | Finanças

“Correção de rota” foi o termo usado por participantes do mercado para descrever a alteração da perspectiva do rating ‘Ba1’ do Brasil de positiva para estável pela agência de classificação de risco Moody’s. No ano passado, a mudança da nota de crédito havia sido mal recebida pelos agentes econômicos por ocorrer em um momento em que a situação fiscal do país já era considerada frágil. Agora, o movimento é interpretado por analistas como um ajuste a um possível otimismo excessivo da Moody’s no passado, com a adoção de uma postura mais realista em relação ao Brasil.

Com a manutenção do rating em ‘Ba1’, o Brasil segue a apenas um degrau de voltar a ter o grau de investimento na classificação da Moody’s. No entanto, a perspectiva estável inibe a sensação de que a nota poderia ser elevada a qualquer momento. Nas listas da S&P Global e da Fitch, a nota brasileira está em ‘BB’, dois níveis abaixo do grau de investimento, o que indica que o Brasil ainda tem uma avaliação melhor com a Moody’s do que com as outras agências.

Na avaliação de Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, a Moody’s reconheceu um erro ao rever a perspectiva. Para ele, ter dado uma nota com viés positivo no ano passado “foi claramente uma decisão equivocada, sugerindo a iminência do grau de investimento”. Kawall, inclusive, acredita que, no momento, a perspectiva brasileira deveria ser negativa, “mas os erros são, muitas vezes, corrigidos em etapas”. Como as ações de rating não deveriam ser voláteis, ele acredita que a decisão “é, na prática, o reconhecimento do erro”.

Kawall, da Oriz: decisão da Moody’s é, na prática, reconhecimento de erro — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Avaliação semelhante é defendida pelo economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, para quem a elevação da nota em outubro havia sido “incompreensível”. “A perspectiva positiva, então, não fazia o menor sentido… Diante do grave quadro fiscal, com deterioração contratada das contas públicas diante da política que está em vigor, a agência está apenas corrigindo parcialmente o equívoco que cometeu”, diz. “É uma adequação à realidade.”

Fonseca, da Reag: Moody’s está corrigindo parcialmente equívoco que cometeu — Foto: Nilani Goettems/Valor
Fonseca, da Reag: Moody’s está corrigindo parcialmente equívoco que cometeu — Foto: Nilani Goettems/Valor

Em outubro, quando a Moody’s elevou a nota de crédito do Brasil, com perspectiva positiva, e deixou o país a um passo do grau de investimento, houve, no mercado, a sensação de que a agência havia cometido um erro. Na ocasião, o impacto da mudança do rating nos ativos financeiros foi bastante discreto e o viés positivo foi revertido já no dia seguinte. Em entrevista ao Valor, o economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, avaliou que a Moody’s deu um voto de confiança grande demais ao governo.

Além disso, a melhora na classificação ocorreu em um momento em que o estresse no mercado com os riscos locais começava a se intensificar e se espalhava, inclusive, para as emissões de títulos públicos pelo Tesouro Nacional, que não conseguia efetuar a venda de papéis prefixados diante do nível elevado de prêmios de risco na curva de juros. Ainda no início de outubro, outras agências de rating, como a Fitch e a S&P Global, adotaram um tom bem mais cauteloso em relação à nota brasileira, ao apontarem o risco fiscal como um impeditivo para uma retomada do grau de investimento.

Neste ano, contudo, a Moody’s mostrou uma mudança de postura, ainda que de forma bastante discreta. Em 23 de abril, a agência divulgou um relatório em que avaliava que o forte aumento das taxas de juros iria elevar de forma significativa os custos de empréstimos e apontou que medidas adicionais, particularmente no lado dos gastos, seriam necessárias para conter o aumento da dívida brasileira. Para fortalecer a credibilidade fiscal, a Moody’s avaliava já em abril que seria necessária uma “consolidação fiscal mais ambiciosa”.

Em 8 de maio, a agência se reuniu com representantes da equipe econômica e do Banco Central. E, à noite, ao se reunir com jornalistas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que defendeu aos representantes da Moody’s que não haveria uma mudança de rota em relação à política fiscal. “Eu apresentei o cenário que eu entendo que vai se realizar nos próximos anos, que é o cumprimento da meta pelo segundo ano consecutivo na forma do arcabouço fiscal”, disse.

A Moody’s, porém, minimizou o cumprimento da meta de déficit fiscal zero e enfatizou que, embora o governo tenha introduzido medidas para aumentar as receitas e, assim, atingir as metas de resultado primário, reformas econômicas mais profundas “seriam necessárias para aliviar grande parte da rigidez dos gastos e ampliar a capacidade do governo de reagir a choques”.

Nesse sentido, a Moody’s cita a redução das vinculações de receita e a desvinculação de benefícios sociais do salário mínimo. “Essas reformas estruturais também ajudariam a reduzir as expectativas de inflação e as taxas de juros de forma mais ampla”, aponta a agência. A construção de um consenso em torno da formulação e da implementação dessas reformas “exigirá o envolvimento do governo, do Congresso e da sociedade de forma mais ampla, o que provavelmente demandará tempo”, aponta.

“Para mim, essa [mudança na] perspectiva agora até parece a correção, entre muitas aspas, de um erro. Talvez, eles tenham confiado que o país iria fazer as reformas necessárias. Também não aconteceu nada tão drástico para mudar a nota, então acho que eles estão corrigindo um otimismo que tiveram, colocando uma perspectiva mais condizente, mais realista”, afirma o economista-chefe da Citrino Gestão de Recursos, Raí Chicoli.

“De outubro para cá, teve aquele pacote fiscal no fim do ano passado, que não foi um pacote na verdade, e ainda veio com o projeto de aumentar a isenção do Imposto de Renda… O Banco Central subiu mais os juros do que se esperava, até como reação a isso. Então, o fiscal, para não falar que piorou, com certeza não melhorou, porque é mais pagamento de juros. E o governo, quando teve oportunidade, não apresentou uma proposta mais robusta”, afirma Chicoli. “Não tem uma trajetória crível de primário que estabilize a dívida nos próximos anos”, diz.

Chicoli, da Citrino: Moody’s agora coloca perspectiva mais realista — Foto: Rogerio Vieira/Valor
Chicoli, da Citrino: Moody’s agora coloca perspectiva mais realista — Foto: Rogerio Vieira/Valor

Kawall, da Oriz, concorda, ao dizer que o quadro fiscal brasileiro é bastante delicado e que há sinais de piora adicional no futuro. “Desde o fim do ano, ficou claro que o espaço fiscal será utilizado, no limite, para fins eleitorais. Ainda, medidas de crédito vão manter a pressão na demanda, impedindo a queda do juro”, aponta.

Ainda que o cenário externo esteja mais favorável, o executivo da Oriz acredita que não há vetores domésticos que possam embasar uma melhora na nota do país. “Mesmo em um ambiente global mais favorável, de dólar fraco, ficou claro que o fundamento doméstico não condiz com o grau de investimento.”

Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.