Massacres da Guerra Colonial na Guiné-Bissau: Contexto, Eventos e Legado | Funchal Notícias | Notícias da Madeira – Informação de todos para todos!
A Guerra Colonial na Guiné-Bissau (1963-1974), travada entre as Forças Armadas Portuguesas e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foi marcada por episódios de extrema violência que moldaram a luta pela independência. Entre esses eventos, destacam-se massacres que serviram como catalisadores políticos, ampliando o apoio popular à causa independentista e expondo as contradições do colonialismo português. Este texto analisa os principais massacres documentados, o seu contexto histórico e impacto no desfecho do conflito.
Contexto Histórico da Guerra Colonial
A Guiné-Bissau, sob domínio português desde o século XV, era administrada como um território de baixo interesse económico, dominado pela Casa Gouveia, um conglomerado ligado à Companhia União Fabril (CUF). A insatisfação com as condições de trabalho e a opressão colonial culminou na formação do PAIGC em 1956, liderado por Amílcar Cabral. A greve de Pidjiguiti em 1959, reprimida brutalmente, tornou-se o estopim para a transição da resistência política para a luta armada.
Principais Massacres e Suas Repercussões
-
Massacre de Pidjiguiti (3 de agosto de 1959)
Contexto e Eventos
Trabalhadores do porto de Bissau, majoritariamente da etnia Manjaca, organizaram uma greve por melhores salários e condições de trabalho. A resposta das autoridades coloniais, apoiadas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), resultou em 50 a 70 mortos e 100 feridos após tiroteio e uso de força desproporcional. Testemunhas relatam que o primeiro tiro partiu de um cabo português, que interpretou mal um gesto de um grevista.
Impacto Político
O massacre radicalizou o PAIGC, que abandonou estratégias pacíficas e iniciou a luta armada em 1963. Amílcar Cabral descreveu o evento como “o momento em que o povo guineense percebeu que a liberdade só viria pelas armas”. Um monumento, a “Mão de Timba”, foi erguido no local em memória das vítimas.

-
Massacre do Chão Manjaco (20 de abril de 1970)
A Emboscada
Durante a “Operação Chão Manjaco”, iniciativa do governador português António de Spínola para negociar com o PAIGC, três majores (Magalhães Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos), um alferes e três guias foram assassinados a tiros e golpes de catana perto de Jolmete. Os corpos foram mutilados, e a ação foi atribuída a elementos do PAIGC liderados por André Pedro Gomes.

Consequências Estratégicas
O episódio inviabilizou a política de “Guiné Melhor”, de Spínola, que pretendia integrar guerrilheiros às forças portuguesas. O PAIGC celebrou o ato como uma vitória simbólica, com Amílcar Cabral afirmando: “Matar três majores portugueses equivale a eliminar generais”. Para Portugal, representou uma crise de imagem internacional, já que oficiais foram mortos durante supostas negociações de paz.

-
Massacre de Morcunda (1 de novembro de 1965)
O Ataque a Civis
Em Farim, um bombardeio aéreo português atingiu a tabanca de Morcunda durante a dança tradicional “Djamdadon“, matando 30 civis (incluindo mulheres e crianças) e ferindo 100. Testemunhas descrevem aviões Dakota lançando napalm, embora fontes militares portuguesas alegassem “erro de inteligência”.
Controvérsias
O PAIGC nunca reivindicou a autoria, enquanto sobreviventes como Malam Sané atribuem o ataque a uma represália colonial por suposto apoio à guerrilha. Em 2015, sobreviventes e familiares inauguraram um memorial no local, exigindo reconhecimento oficial do massacre.

- Massacre de Gadamael (4 de junho de 1973)
Ação Militar
Durante a “Batalha dos Três G” (Guidaje, Guileje, Gadamael), o alferes Artur José de Sousa Branco e 12 soldados foram emboscados pelo PAIGC ao saírem do quartel de Gadamael. Todos morreram, com corpos mutilados por catanas. Relatos de militares portugueses sugerem que a missão foi ordenada sob pressão, sem preparação adequada4.
Repercussões
O evento expôs a vulnerabilidade das tropas portuguesas em território hostil e a eficácia da guerrilha em ataques surpresa.
Padrões de Violência e Respostas Políticas
Táticas Coloniais
- Bombardeios aéreos: Utilização de napalm e Dakota em áreas civis, como em Morcunda.
- Repressão sistemática: Após Pidjiguiti, a PIDE prendeu e torturou suspeitos de ligação ao PAIGC, incluindo futuros lideres como Luís Cabral.
Estratégia do PAIGC
- Mobilização simbólica: O PAIGC transformou massacres em narrativas de resistência, como a canonização de vítimas de Pidjiguiti como “mártires da independência”.
- Guerrilha assimétrica: Emboscadas como a de Chão Manjaco visavam desmoralizar tropas portuguesas e atrair atenção internacional.
Legado e Memória Histórica
Reconhecimento Pós-Independência
- Monumentos: Além da “Mão de Timba”, o governo da Guiné-Bissau instituiu o 3 de agosto como dia nacional de luta contra o colonialismo.
- Narrativas contraditórias: Enquanto fontes portuguesas enfatizam “excessos isolados”, historiadores guineenses como Leopoldo Amado classificam os massacres como “parte de uma estratégia de terror de Estado”.
Desafios Contemporâneos
- Justiça tardia: Nenhum responsável colonial foi julgado, e arquivos militares portugueses permanecem parcialmente fechados.
- Divisões étnicas: Eventos como o massacre de Morcunda reacendem tensões entre grupos étnicos (ex.: Mandingas vs. Fulas), exploradas na política pós-independência.
Balanço Final
Os massacres da Guerra Colonial na Guiné-Bissau não foram meros episódios de violência, mas elementos estruturantes de um conflito que redefiniu identidades nacionais. Enquanto Portugal via a guerra como “manutenção do território”, o PAIGC construiu uma narrativa de libertação baseada no sacrifício coletivo, usando eventos como Pidjiguiti para unir etnias dispersas. Hoje, a memória desses eventos permanece polarizada: para uns, são símbolos de resistência; para outros, lembretes de um passado colonial traumático. A reconciliação exigirá não apenas reconhecimento histórico, mas também o diálogo sobre as feridas ainda abertas.
WebGrafia: -Títulos e nomes dos sites foram adaptados para o padrão APA
-
Museu do Aljube. (2024, 3 de agosto). Massacre de Pidjiguiti. https://www.museudoaljube.pt/2024/08/03/massacre-de-pidjiguiti/14
-
Helder, A. (2021, 31 de março). Os comandos nas três frentes da guerra. http://albertohelder.blogspot.com/2021/03/os-comandos-nas-tres-frentes-da-guerra.html2
-
Africa Is a Country. (2023, dezembro). Between the anticolonial struggle and national history. https://africasacountry.com/2023/12/between-the-anticolonial-struggle-and-national-history
-
Blogue Foranadaevaotres. (2022, 4 de agosto). Guiné 61/74 – P23487: Guidaje, Guileje. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/08/guine-6174-p23487-guidaje-guileje.html
-
Guerra Colonial. (2024, 3 de março). 1970: A morte de três majores ou uma manobra arriscada? https://guerracolonial.pt/1970-a-ilusao-das-grandes-operacoes/a-morte-de-tres-majores-ou-uma-manobra-arriscada/5
-
Human Rights Watch. (2024, 14 de fevereiro). Trial: Cameroon village massacre drags. https://www.hrw.org/news/2024/02/14/trial-cameroon-village-massacre-drags
-
Wikipédia. (2018, 15 de junho). Guerra de Independência da Guiné-Bissau. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Independ%C3%AAncia_da_Guin%C3%A9-Bissau
-
Terraweb. (s.d.). Efeméride 20Abr1970: Evento COM 1960-1961. https://ultramar.terraweb.biz/efemeride_20Abr1970_evento_COM_1960_1961.htm
-
O Democrata GB. (s.d.). Massacre de Pidjiguiti. https://www.odemocratagb.com/?p=2302
-
Wikipédia. (2018, 15 de junho). Massacre de Pidjiguiti. https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Pidjiguiti7
-
Blogue Foranadaevaotres. (2007, 11 de novembro). Guiné 63/74 – P2310: Relatórios secretos. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/11/guin-6374-p2310-relatrios-secretos-1-o.html
-
Blogue Foranadaevaotres. (2020, 4 de abril). Guiné 61/74 – P20891: Do outro lado do… https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/04/guine-6174-p20891-do-outro-lado-do.html
-
YouTube. (s.d.). [Vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=4dXomQ4ufAY
-
Cantacunda. (s.d.). Nha Bibiana e a República de Cacheu. https://pt.slideshare.net/Cantacunda/nha-bibiana-e-a-repblica-de-cacheu-10497299
-
Blogue Foranadaevaotres. (2019, 9 de setembro). Guiné 61/74 – P20135: Controvérsias 134. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2019/09/guine-6174-p20135-controversias-134-os.html
-
RTP Notícias. (s.d.). Regresso a Sambassilate na Guiné-Bissau, 40 anos depois do massacre. https://www.rtp.pt/noticias/mundo/regresso-a-sambassilate-na-guine-bissau-40-anos-depois-do-massacre_n112994
-
Casa Comum. (s.d.). Visualizador: pasta 07073.131.163. http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=07073.131.163
-
A Nação. (2020, 4 de agosto). Guiné-Bissau: Massacre de Pindjiguiti foi há 61 anos. https://www.anacao.cv/noticia/2020/08/04/guine-bissau-massacre-de-pindjiguiti-foi-ha-61-anos/
-
Blogue Foranadaevaotres. (2007, 3 de março). Guiné 63/74 – P1603: Dossiê o Massacre do Chão Manjaco. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/03/guin-6374-p1603-dossi-o-massacre-do-cho.html
-
Correio da Manhã. (s.d.). Conheci os três majores assassinados. https://www.cmjornal.pt/domingo/detalhe/conheci-os-tres-majores-assassinados
-
Esquerda.net. (2019, 3 de agosto). 3 de agosto de 1959: Massacre de Pindjiguiti, Bissau. https://www.esquerda.net/dossier/3-de-agosto-de-1959-massacre-de-pindjiguiti-bissau/6378425
-
Wikipédia. (s.d.). Guerra Colonial Portuguesa. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Colonial_Portuguesa
-
Blogue Foranadaevaotres. (s.d.). Dossiê Massacre Chão Manjaco. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Dossi%C3%AA%20Massacre%20Ch%C3%A3o%20Manjaco
-
Wikipédia. (s.d.). Guiné-Bissau. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guin%C3%A9-Bissau
-
Deutsche Welle. (s.d.). Carlos Correia e o Massacre de Pidjiguiti [vídeo]. https://www.dw.com/pt-002/carlos-correia-e-o-massacre-de-pidjiguiti/video-17665332
-
O Democrata GB. (s.d.). [Artigo]. https://www.odemocratagb.com/?p=6336
-
Diário de Notícias. (s.d.). Violência em Bissau provoca três mortos entre apoiantes de Kumba. https://www.dn.pt/arquivo/diario-de-noticias/violencia-em-bissau-provoca-tres-mortos-entre-apoiantes-de-kumba.html
-
YouTube. (s.d.). [Vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=P2w-SNm0Ktk
-
YouTube. (s.d.). [Vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=Eo63RvO7Xow
-
Deutsche Welle. (s.d.). Polícia militar confirma pelo menos dois mortos nos confrontos armados em Bissau. https://www.dw.com/pt-002/pol%C3%ADcia-militar-confirma-pelo-menos-dois-mortos-nos-confrontos-armados-em-bissau/a-67606770
-
Ministério da Defesa Nacional. (s.d.). Fim do Império. https://www.defesa.gov.pt/pt/defesa/organizacao/comissoes/cphm/rphm/edicoes/ano1/n12021/fimimperio
-
Tarrafal-CDT. (s.d.). Pan namam ou pan na man. https://tarrafal-cdt.org/preso_perseguido/pan-namam-ou-pan-na-man
-
Ministério da Defesa Nacional. (s.d.). Visão Guiné. https://www.defesa.gov.pt/pt/defesa/organizacao/comissoes/cphm/rphm/edicoes/ano1/n12021/visaoguine
-
Tarrafal-CDT. (s.d.). Guiné-Bissau. https://tarrafal-cdt.org/paises/guine-bissau?page=1
-
ThomarArte. (s.d.). Guiné 1000 escudos 30/04/1964 Honório Barreto. https://thomararte.com/pt/inicio/53524-guine-1000-escudos-30041964-honorio-barreto.html
Relacionado
Crédito: Link de origem