Macron não quer que o Brasil explore petróleo na foz do rio Amazonas, mas e o petróleo na Guiana Francesa?
O presidente francês Emmanuel Macron falou publicamente sobre o interesse do Brasil na exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.
O tema, já cercado de polêmicas, ganhou força após sua participação na 3ª Conferência da ONU sobre os Oceanos, realizada em Nice, na França.
Macron não apenas sugeriu que o Brasil deveria abandonar os projetos na região, como também destacou as decisões tomadas por seu próprio país em relação aos combustíveis fósseis.
Mas a realidade francesa está longe de ser tão coerente quanto o discurso.

Vídeo do cacique Raoni abre debate na conferência
Tudo começou quando foi exibido um vídeo gravado pelo cacique Raoni Metuktire, de 93 anos. Uma das lideranças indígenas mais respeitadas do mundo, Raoni pediu diretamente o apoio de Macron para barrar o avanço do petróleo na foz do rio Amazonas.
“Não quero exploração de petróleo no fundo do oceano e na foz dos rios, então me ajude a parar este projeto. Eu disse ao Lula e digo para você também”, declarou Raoni na gravação. A fala causou impacto imediato entre os participantes do evento.
Foz do rio Amazonas — Pedido reforçado ao vivo por jovem liderança indígena
Na mesma ocasião, Tau Metuktire, neto de Raoni, esteve presente pessoalmente no evento.
Ele participou de um programa especial da emissora France 2, transmitido diretamente da praia de Nice, e reforçou a mensagem do avô.
Tau destacou que os povos indígenas continuam enfrentando o avanço do agronegócio, o desmatamento e os impactos ambientais causados por grandes projetos em seus territórios. Segundo ele, é essencial proteger não apenas os oceanos, mas também os rios e florestas.
Macron cita exemplo francês e sugere mudança de rota para o Brasil
Em resposta ao apelo indígena, Macron afirmou que a França já adotou uma política clara contra a abertura de novos projetos de exploração de petróleo. Disse ainda que essa política vale também para os territórios ultramarinos, como a Guiana Francesa.
“Nosso país adotou para ele mesmo este projeto. Eu acho que seria bom que ele fizesse o mesmo, mas não cabe a mim dar-lhe lições”, afirmou Macron, referindo-se ao Brasil.
França proíbe novos contratos desde 2017
O presidente francês se referia à Lei nº 2017‑1839, conhecida como “lei Hulot”. Aprovada em 30 de dezembro de 2017, essa legislação proíbe a emissão de novos contratos para exploração de petróleo e gás em todo o território francês. Isso inclui tanto a França continental quanto os departamentos ultramarinos.
A norma também determina que as licenças existentes não poderão ser renovadas após 1º de janeiro de 2040.
Com isso, a França pretende encerrar de forma completa todas as atividades de pesquisa e extração de hidrocarbonetos até esse prazo. Essa política vale inclusive para áreas como a foz do Amazonas que pertencem à Guiana Francesa.
Guiana Francesa: petróleo sob o solo, mas não explorado
A Guiana Francesa faz fronteira com países como o Suriname e a Guiana, que vivem um verdadeiro boom do petróleo. No entanto, a legislação francesa impede que a Guiana Francesa aproveite esse potencial econômico.
Enquanto os países vizinhos avançam com projetos de extração e exportação, a Guiana Francesa segue sem explorar suas reservas.
Essa decisão é defendida por ambientalistas, mas também gera críticas locais sobre o impacto econômico da medida.
Em 2024, o Senado francês reforçou o compromisso com a “lei Hulot”. Qualquer tentativa de alterar o texto foi considerada incompatível com o Acordo de Paris e com a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.
Macron pede crescimento sustentável para países do Sul
Durante seu discurso na Conferência da ONU sobre os Oceanos, Macron reconheceu que países desenvolvidos, como a França, construíram sua riqueza com base no uso de combustíveis fósseis. Mas argumentou que é possível seguir outro caminho.
Segundo ele, o mundo precisa encontrar formas alternativas para promover desenvolvimento sem comprometer o clima. Macron sugeriu que o Brasil e outros países em desenvolvimento busquem esse novo modelo.
“Penso que há outros projetos alternativos que permitem criar empregos e riqueza. Em todo o caso, penso que não é um bom projeto para o clima”, afirmou sobre o petróleo na foz do Amazonas.
“A natureza é uma só”, alerta liderança indígena
O jovem Tau Metuktire também destacou a conexão entre os rios e os oceanos. Segundo ele, os danos ambientais causados em terra acabam impactando os mares.
“A natureza é única. Ela liga um ao outro, o rio ao mar. Por isso a gente vem aqui para contribuir com os nossos conhecimentos”, disse, em entrevista à Rádio França Internacional.
Tau também alertou sobre o uso excessivo de agrotóxicos e o desmatamento no sul do Pará e no norte do Mato Grosso.
Segundo ele, os resíduos contaminam rios usados por comunidades indígenas para pesca e água potável, causando doenças graves, inclusive câncer.
Promessa francesa não é cumprida integralmente
Apesar do tom crítico adotado por Macron, a França não cumpriu integralmente a promessa de pôr fim à exploração de petróleo. Dados divulgados pelo site investigativo Disclose mostram uma realidade diferente.
Desde a assinatura da lei em 2017, ao menos 47 novos poços de petróleo foram autorizados no território francês. Esses dados foram obtidos a partir de informações repassadas por dez prefeituras locais.
A autorização foi possível porque muitas dessas áreas já tinham concessões antigas. A lei de 2017 não cancelou os títulos minerários existentes, o que abriu brechas para novas perfurações em locais sensíveis.
Petróleo em áreas destruídas por incêndios
Um dos casos mais emblemáticos ocorre na floresta de La Teste-de-Buch, no sudoeste da França. Em 2022, um megaincêndio impulsionado pelo calor e pelos ventos destruiu milhares de hectares de vegetação.
No mesmo local, hoje é possível ver bombas e tanques de petróleo da empresa canadense Vermilion. A cena contrasta com o discurso ambientalista promovido pelo governo francês.
Brechas legais e licenças antigas mantêm exploração
Segundo a investigação, a justificativa para essas novas perfurações se baseia na ideia de “equilíbrio econômico” e na preservação de direitos adquiridos.
Com isso, empresas podem continuar operando até 2040 — e, em alguns casos, além desse prazo — desde que as licenças tenham sido emitidas antes da aprovação da nova lei.
Ao menos 19 dos 47 poços identificados pela reportagem já estão ativos. Somam-se a esses mais de 600 pontos de extração de petróleo ainda em funcionamento na França.
Críticas crescem entre ambientalistas franceses
Organizações ambientais criticam a distância entre o discurso do governo francês e as práticas reais. Segundo elas, os novos projetos passam despercebidos da opinião pública, mas causam danos concretos ao meio ambiente.
Em Nonville, um dos projetos ameaça diretamente o lençol freático que abastece Paris. O risco de contaminação preocupa autoridades locais e defensores da água potável segura.
Vazamentos e acidentes não são raros
Além disso, o histórico de acidentes nas instalações francesas preocupa. Em 2020, por exemplo, um vazamento de 200 litros de petróleo atingiu o rio Sena, afetando animais e vegetação nas margens.
De acordo com o Disclose, foram registrados ao menos 22 incidentes ambientais em poços franceses desde 2010. Entre eles, há vazamentos, incêndios, falhas técnicas e despejos ilegais.
Discurso e prática ainda não se alinham
Embora Emmanuel Macron tenha se posicionado de forma clara contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas, a situação dentro da própria França ainda está longe de um modelo ideal.
Enquanto a lei proíbe novos contratos e limita renovações, brechas legais permitem que a exploração continue em ritmo considerável. A contradição entre discurso e prática gera críticas internas e externas.
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